segunda-feira, 17 de outubro de 2011

"8 1/2" by Federico Fellini - 1963

Nunca cheguei a ler um livro sobre Fellini,sobre sua vida.Mas alêm das caracteristicas artisticas,plasticas,denota-se uma alma à procura de uma explicação para a existência,mas principalmente um auto-conhecimento.
Sei que ele procurou ler Carl Jung e consultar o I Ching,associou seus sonhos com as teorias junguianas,aprendeu sobre os arquetipos herdados em nossos subconsciente pelas gerações antepassadas.Arquetipos comum a todos,à um grupo de pessoas,ao incosciente coletivo de Jung.Podem ser simbolos,animais,plantas...mas podemn ser tambem a mãe,o pai,a morte,o sexo...todos eles inerentes à uma compreensão mais abrangente dos fantasmas que assombram uma mente.
A mente de um artista é normal?
Não sei.
Mas Fellini demonstrou que pode exorcisar seus demonios atraves de um filme
.Durante um bloqueio criativo apos o excepcional e igualmente revolucionario "A Doce Vida" ele se dedicou a isso,a uma analise em celuloide.Seria seu oitavo filme,mais uma co-direção = 8 1/2.Pronto!Se tornou nada mais nada menos que um divisor de aguas não só devido ao auge da tecnica do diretor assim como a tematica psicologica e metalinguistica conduzida sem pretensão,de forma redonda.

O filme em si é uma analise sobre a mente de Guido Anselmo,um diretor com bloqueio criativo com a saude prejudicada devido a pressão de todos aqueles que o cercam.Um homem sufocado como mostra o sonho da cena introdutoria...sufocante....quando consegue se libertar é pescado pelo pé por um burocrata de gravata à cavalo.Cenas de sonho e imagens de subconsciente encontram porem uma influencia do mestre Bergman,principalmente "Morangos Silvestres".
Sonhos como quando o arquetipo do pai e da mãe são postos juntos,mostrando o pai do lado do caixão(a ausencia),seu padrinho comendador(dependencia e substituição),o afastamento da mãe, e por fim o rosto da sua mulher na face de sua mãe numa obvia alusão ao complexo edipiano causador dos mais leves "disturbios".Outros fatores como a Igreja e sua incapacidade de ser monogamico tambem são explorados na obra.
A genialidade de Fellini tem seu auge em cenas como aquela que nos introduz ao spa embalado por um Wagner e todos aqueles personagens velhos e burgueses com sombrinhas,oculos e chapeis extravagantes cumprimentando a camera.A visão que Guido tem de sua musa ou salvação Claudia Cardinale(interpretando ela mesmo!).Tudo é filmado como um espetaculo e todas as particularidades devem ser aproveitadas,como o critico e roteirista que Guido contratou para ajuda-lo e cujas pedantes observações resultam num simbolico e divertido enforcamento no final..
Não são menos que geniais por exemplo a cena em que Guido lembra de Saraghina,puta que vivia na beira da praia na época em que ele estudava num colegio de padres.A dança do mambo( uma trilha imbativel de Nino Rota que nuca me cansarei de assobiar) e todo o castigo que ele sofre da figura da igreja,a influencia desta no seu subconsciente e o rosto de sua mãe chorando.

As mulheres de Guido rendem outra cena magnificamente orquestrada onde ele imagina um harem.Tudo é inebriante...tudo...o modo como a musica interage(como na dança da negrinha),o modo como as mulheres coreograficamente bailam em frente à camera,a sombra dele estalando o chicote controlando um motim num estilo pre-Indiana Jones,tudo...até o discurso final da vedete rejeitada.

Por mais que Guido tente,como a maioria dos herois fellinianos,ele não consegue plenos resultados.Após uma histeria e inebriante coletiva de imprensa(outra cena inacreditavelmente dirigida com louvor)ele sabe que seu suicidio como pessoa publica será o resultado.Fellini traduz simbolicamente e de forma quase comica esse suicidio em imagem.E mesmo que Guido não tenha feito filme nenhum,ou se redimido perante quem ama,seu discurso final é quase que um profundo suspiro de compreensão,confissão e entrega.
E todos aqueles arquetipos junguianos,ou apenas pessoas que contribuiram pra Guido ser o que é,no ruim ou no bom,surgem de branco numa passeata para juntos dançarem de mãos dadas sob a direção de Guido e a apoteotica trilha de Rota.Porque...apesar de tudo....a vida é curta e é pra ser vivida...façamos dela uma obra de arte!

"Noites de Cabíria" by Federico Fellini-1957

Logo na cena inicial esse filme mostra a que veio.A despedida de Fellini a qualquer melodrama do neo-realismo tem uma pungencia que seus filmes posteriores não teriam,e que pode ser comparavel apenas à "A Estrada da Vida",algo que se deve em 50 % a Giulietta Masina e sua forte e corajosa interpretação e 50% ao pai do conceito da obra,tanto do personagem quanto da poetica do tratamento dado ao tema em questão.Um filme de prostitutas em 1957 era improvavel,assim como tornar uma puta,uma heroina capaz de nos fazer chorar.
O que é verdade!
Vencer os podres do pós-guerra dependia de cada um.As prostitutas tambem venciam por elas mesmos.Por mais histerica que a excentricidade de Cabiria possa ser, o real amargo comum à Fellini aparece tanto na violencia que é mostrada de forma crua como na cena inicial do afogamento,assim como na vulgaridade da Vila Cecilia(onde se encontram todas as putas),assim como nos cabelos sebosos de sua amiga Wanda e assim como no epilogo de cada uma de suas desventuras.
O filme é sobre o orgulho de um excluido,um marginal,uma personagem petulante e explosiva,mais proxima da real personalidade de Masina do que Gelsomina.Cabiria ja tinha aparecido em "Abismo de um Sonho" de forma breve mas forte,mostrando a capacidade de Masina.
Quando filmava "A Trapaça" Fellini conheceu e acolheu no set(por solidariedade) uma puta chamada Wanda e ouviu e aprendeu um pouco mais de sua vida.Apesar disso o polemico e inteligentissimo Pasolini foi contratado pra consultas no roteiro devido seu conhecimanto sobre o caso.O nome Cabiria vem do pre-"O Nascimento  de uma Nação" filme de 1914 "Cabiria",considerado o verdadeiro marco inicial da narrativa cinematografica.
A veracidade do local onde elas fazem ponto por exemplo é tão incrivel(quem conhece sabe) que acho que a contribuição de Pasolini esta aí.Na descrição do modo como elas se relacionam no ambiente de trabalho.Um estranho ecossistema com a camera de Fellini rodopiando entre putas de diferentes personalidades num louco senso de espetaculo circense.

A principal busca de Cabiria é pelo amor,e o amor verdadeiro pra uma puta ,ainda mais pra uma puta como ela(a mais reles) é dificil de achar.Com um pessimismo agoniante cada uma de suas possiveis esperanças de amor são frustradas,mesmo que ela sempre erga a cabeça depois de tudo,todos nós a conhecemos suficiente pra compreender que o orgulho esconde o desespero.Como na sua tour noturna com o ator Alberto Lazzari(Amadeo Nazzari em uma auto-referencia,dada a estrela do cinema italiano que ele realmente era),que mesmo sendo entremeada de exoticas danças fellinianas(com o seu persistente encanto com o mambo dançante) e faiscas de esperança,acaba com Cabiria na mesma posição de um cachorro,E quando surge o close seguido da trilha-arranca lagrimas,ja estamos tão proximos da personagem que nada mais é obvio.

O desapontamento de Fellini com a igreja é exposto aqui de forma agressiva e ironica.Como no deslumbre de Cabiria com uma procissão sendo interrompido por um rude caminhoneiro exigindo seus serviços.O mesmo caminhoneiro que a joga no meio do nada.É no meio desse nada que ela encontra um homem que cuida dos mendigos que moram nas cavernas.Nas cavernas conhecemos a historia da decadencia de Bomba,mostrando que todos que vivem a margem andam na corda-bamba.E por mais que essa cena seja a mais honesta,a mais denunciativa,a que mais motra o sofrimento de um povo desconhecido atras da mascara de uma sociedade em reconstrução capitalista....foi essa a cena que a Igreja baniu.Totalmente justificavel o odio de Fellini contra a hipocrisia da Igreja.

A constante humilhação de Cabiria vem de atitudes inocentes como a cena do hipnotismo.Nós como espectadores chegamos ao ponto de não querermos mais essa humilhação,a simbiose personagem-espectador é tanta que a possivel e quase óbvia aparição de um possivel verdadeiro amor é digna de nossa torcida.Mas quando percebemos que o mal pode persistir,gritar pra Cabiria não adianta.Choramos e mandamos a vida a merda enquanto ela se debate no chão.
Porem Fellini,com jovens,musica,sorrisos,cumprimentos e alegria,cerca Cabiria de anjos para a ambiguidade final da possivel epifania esperançosa nas lagrimas da prostituta sem-teto.........ou um destino igual ao da Bomba das cavernas.