segunda-feira, 20 de agosto de 2012

"Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse"(1921) - Rex Ingram

Depois da Segunda Guerra surgiu uma quantidade considerável de filmes que constituiriam um subgênero interessantíssimo.Mas desde " O Nascimento de uma Nação"(1915) de Griffith que o cinema americano gosta de contar epopeias envolvendo familias destroçadas pela guerra.
A recente Primeira Guerra rendeu o primeiro filme a arrecadar 1 milhão de dólares e um ícone pop: Rudolph Valentino.

Alias foi Valentino que correu atras do papel pra esse filme,como o jovem italiano em busca de fama que era,e descobriu que os direitos do livro de Blasco Ibañez estavam com a Metro.
Encontrando sua incentivadora June Mathis( a primeira grande empresaria e roteirista do cinema e uma das celebridades  mais pagas da época)ele consegue papel mesmo com a total falta de fé do diretor Ingram.
Desse filme em diante a força de Valentino ia ser tão grande que seu funeral depois de sua morte precoce 10 anos depois ia causar suicidios de mulheres e vandalismo indgnado de fãs.

Rex Ingram tinha mérito proprio,era o ídolo de Erich Von Stronheim...ja basta.

A historia começa contando a historia de um patriarca latifundiario argentino que possui duas filhas casadas uma com um francês(que ele aprova),e outra com um alemão(que ele praticamente rejeita).O seu neto Julio(Valentino),filho do francês,cresce se espelhando no avô libertino e mulherengo até que este morre deixando sua fortuna dividida entre as duas irmãs.Tanto o francês quanto o alemão acabam retornando para os seus paises de origem levando consigo suas respectivas familias.
Enquanto o alemão Karl cria seus três filhos de uma maneira arrogante,militarista e disciplinada(com uma clara ridicularização dos alemães)...o francês Marcelo passa o tempo em leilões em seu anseio de adquirir um castelo fora de Paris enquanto Julio entra pra escola de artes e, entre inúmeras mulheres,se apaixona pela esposa de um importante amigo de seu pai.
Quando a guerra estoura,ambos os lados da familia se encontram lutando numa oposição territorial com Julio tendo que observar tudo como um estrangeiro argentino nulo que é,enquanto o destino vai construindo e destruindo tudo ao seu redor.

O começo do filme nos pampas argentinos tem uma das maiores introduções de personagem do cinema com Rudolph vestido de chapéu de boiadeiro e bombacha,quase um gaúcho,dançando um tango sensual e magnético.Eu como gaúcho,aceitando o fato de haver muitas similaridades com a cultura daqui com a da Argentina e Uruguai,principalmente nos locais rurais,fiquei impressionado ao saber que o primeiro frisson causado por um sex symbol do quilate de Valentino foi nesses costumes e nesse contexto...de bombacha e tudo o gaudério argentino.


"Amores de Colegial"(1927) - Buster Keaton e James W. Horne

Buster é o defensor dos nerds aqui mais do que nunca,apesar de sempre representar o garoto apaixonado que vive num mundinho(seja o amante de trens rejeitado pelo alistamento em "A General",o playboy tendo que lidar com um barco à deriva em "The Navigator",o filho mauricinho de uma marinheiro durão em "Steamboat Bill Jr" ou um projecionista sonhador em "Sherlock Jr.").

Em "Amores de Colegial" ele faz um CDF que chega na sua formatura todo molhado da chuva e acompanhado de sua mãe para ser desprezado pela audiencia ao fazer um discurso condenando o esporte como fomentador da ignorancia.Virando piada na boca da maioria de seus colegas atletas e sendo desprezado como um fracote pela sua namorada,ele decide se esforçar para ser um ótimo esportista na faculdade com o unico objetivo de não ser um solteirão pro resto da vida.
Apesar de não arriscar a vida com a coragem e habilidade de seus outros filmes,as gags visuais conferem grandes risadas como as tentativas de se dar bem como barman,ou o momento "Pateta nas Olimpiadas" de seu percurso pelo estadio de atletismo e hilarias tentativas frustradas de jogar baseball,correr,lançar pesos,etc.

Eu particularmente antes de assistir um filme do Buster sei que vou rir muito e que não vou  me decepcionar e foi o que aconteceu mais uma vez.No final pra salvar sua amada de ser humilhada por um pretendente Buster mostra toda a sua capacidade de correr,pular,cair e se detonar...para nossa alegria.





"Uma Pagina de Loucura"(1926) - Teinosuke Kinugasa

Imagina tu filmar uma obra-prima,síntese do pensamento da época que tentava achar a forma pura da arte cinematografica,e simplesmente perder o filme.
Décadas se passam e outras obras mudas ganham reconhecimento e influenciam gerações posteriores.
O roteirista Yasunari Kawabata ganha o Premio Nobel de Literatura em 1968.
O diretor ganha a Palma de Ouro e um Oscar por "O Portal do Inferno" em 1953.
Somente em 1971 é que Teinosuke Kinugasa encontra o filme e desde então nós somos brindados com a  mais inovadora,assustadora e brilhante obra de arte ja feita,tanto no Japão como no mundo.

Contemporâneo de Murnau e Eisenstein,Teinosuke Kinugasa mescla a ambientação psicológica do primeiro com a edição angustiada e frenetica do segundo.Os corredores cinzentos e a iluminação expressionista de um manicômio servem de pano de fundo para a historia de um marinheiro que vira zelador para estar próximo de sua mulher que sofreu um colapso no passado e se encontra internada no local.
Quando sua filha chega para contar à mãe de seu noivado,o passado vem à tona.
Passado em único ambiente tudo converge para que esqueçamos qualquer referencia literária para mergulharmos numa convergência de loucura de personagens que dançam esquizofrenicamente e gritam com suas bocas sujas e  escancaradas.A câmera é a única referencia que teremos junto com a coleção de inspirados subterfúgios visuais e ausência de limite como flashbacks apresentados em forma de sobreposição de imagens e movimentos de câmera acompanhando a espiral de desespero de seus personagens.
O filme não possui intertitulos.Assim como o Kammerspielfilm alemão que defendia o uso da camera subjetiva como condutor psicologico de um personagem realistico e a ausencia de texto explicativo,Teinosuke Kinugasa vai alêm usando elementos surreais e coreografias visuais para conseguir aliar o objetivo de usar apenas a câmera pra contar sua historia e levantar questões sobre a natureza da loucura usando e abusando de delirios e closes puros anteriores ao de Dreyer.
Talvez o único filme que conseguiu superar a "A Ultima Gargalhada" em sua época.
Jóia rara do horror.


"Too-Rye-Ay"(1982) -Kevin Rowland and Dexy's Midnight Runners

Eles são de Birmingham,Inglaterra e gravaram apenas 4 albuns desde 1980 sendo que o ultimo foi num retorno em 2012 e eu ainda não tive a oportunidade de ouvir,enquanto os outros 3:"Searching for the Young Soul Rebels"(1980),este "Too-Rye Ay" e o esquizofrenico porem belissimo "Don't Stand me Down"(1985),entraram pros meus preferidos de primeira.

Mas muita pouca gente conhece Dexys por aqui,o que é compreensivel para uma banda que sumiu ja na segunda metade dos anos 80 e  nunca teve a popularidade merecida,pelo menos entre o pessoal que eu conheço aqui no meu microcosmo.
Escutar esse album novamente foi muito bacana porque Kevin Rowland era um perfeccionista invocado e sua mistura de musica celta com naipe de metais e violino disputando frases casavam perfeitamente pela sua voz originalissima cheia de agudos estranhos e gorjeios sentimentais.

"The Celtic Brothers" foi o grande single e abre o album,mas que coisa que eu tenho comigo de não preferir quase nunca os singles.Pra mim é quando o naipe tropical abre "Let's Make this Precious" que o album começa pra valer.Mas o desespero vocal junto com o baixo soul e violino ja mostra o que é o Dexys.
Quando começa "All in All" com aquela linha de violino repetitiva e o lamento sentimental de Kevin em cima de um ritmo de valsa e um backing vocal poderoso eu ja to extasiado de emoção,que capacidade de compor canções pop que esse cara tinha.
De repente palmas abrem um cover de Van Morrison,"Jackie Wilson Said "que só o estribilho "diga a ling/dig a ling..." ja faz a viagem valer a pena.
Todo esse contagio termina e abre espaço pra mais uma balada,"Old",que graças a deus não deixa a dever na capacidade da banda de conduzir uma canção por todas as possibilidades de arrancar autenticidade de sua melodia.Dessa vez o piano-bar é importantissimo pra levar uma canção em tom elegiaco de maneira arrastada  até explodir no coração de Kevin saindo do seu peito.E o violino sempre dando a facada.
Pulando duas faixas,"Plan B" e "I'll Show You",que não considero tanto,vamos pra "Liars to A and E",que foi um single que não vendeu muito bem mas que merece menção pelo coro maravilhoso estilo Aretha Franklin.
A penultima faixa "Until I Believe In My Soul" é uma epopéia de 7 minutos coberta pelos delirios vocais e sentimentais de Kevin Rowland,mostrando uma versatilidade incrivel.Talvez a música mais soul mesmo,lembrando Ottis Redding e Motown.
E por fim pra terminar o single mais vendido naquele ano,"Come On Eileen",uma musica maravilhosa,despretensiosa com o piano fazendo uma percussão rítimica e um refrão de verão.
Dexys Midnight Runners merece sempre ser lembrado.

Lei 1° = pra se conhecer uma banda deve-se assisti-la ao vivo e sem playback.



"Paris Adormecida"(1924) - O Primeiro de René Clair

René Clair foi sem dúvida um dos mais mágicos diretores da historia do cinema mundial,e seus filmes falados do inicio dos anos 30 foram os mais importantes e originais na utilização do som e da musica como linguagem cinematográfica.
Filmes como o "O Milhão" e "A Nós a Liberdade"(ambos de 1931) são conhecidos de qualquer cinéfilo que se preze como musicais inovadores,ironicos e engraçadíssimos.Porêm foi nos anos 20 que René Clair começou a fazer nome como um dos grandes pioneiros do cinema avant-garde frances com esse seu debut e outros curtas como "Entr'acte"(1924).

Em menos de uma hora  "Paris Adormecida" contêm elementos diversos que se conectam como referencias do passado em favor de uma visão absolutamente vanguardista e influente.Ele junta elementos da raiz francesa como o espirito julioverniano,o inspirador pré-surrealista Feuidalle e a deificação de Paris,para construir uma ficção cientifica tecnicamente inovadora.

Um cientista resolve lançar um raio que paralisa Paris deixando seus habitantes estáticos.Os únicos sobreviventes foram aqueles que estavam no momento fora do alcance do raio sendo eles um habitante da Torre Eiffel e 5 passageiros de um avião:o piloto,o detetive,a viajante,o ladrão e o empresario.
Inicialmente agindo de forma lúdica usando do ocorrido para irem saqueando a cidade aos poucos o tédio vai tomando conta deles(ao ponto de brigarem pela viajante,a única mulher disponivel) até receberem uma chamada da sobrinha do cientista para que a ajudem a fazer a cabeça de seu tio para fazer com que tudo volte ao normal.

Apesar de todo o contexto interessante e cheio de possibilidades do enredo o que mais chama a atenção é o avanço de Rene Clair na maneira de mover a camera em efeitos de verticalidade e travelings,usar efeitos especiais de edição e filmar em locação não só as ruas de Paris como o interior da Torre Eiffel,que surge como cenário principal servindo de proteção para os sobreviventes do raio que se empoleiram por entre suas ferragens numa relação simbiótica proposital.
Esse realismo citadino é uma das marcas registradas da França e podem ser vistas tantos em filmes de Renoir como "Boudu Salvo das Águas" e "A Cadela" como na Nouvelle Vague.

E claro que vindo de René a critica à modernidade dentro daquele socialismo romântico chapliniano tambêm aparece como o cerne da questão:
Como seria se de repente esse rush crescente parasse?
O que fica claro no bilhete do suicida cujo raio o salva segundos antes dele pular e que diz :
"Foi o ritmo dessa vida moderna que me levou a isso.Eu não posso aguentar a pressa e o barulho da vida nessa cidade."