Roma mais uma vez por Fellini,após "La Dolce Vita " e "Satyricon";após ser ele na decada de 40 um dos roteiristas a mudar o cenario do cinema com os filmes neo-realistas,mostrando ao mundo uma cidade corrompida com a destruição deixada no pós-guerra.
Em 1972 Fellini ja tinha se tornado dono de um estilo ha muito definido por completo.Em "Roma" a quantidade de situações sobrepostas como uma antologia de memorias dispersas reflete ao mesmo tempo que a já comum viagem temporal sobre as raizes de sua personalidade se misturam à comparação denunciativa do presente com a nostalgia do passado.
As primeiras cenas revelam a capacidade de Fellini de catar no espaço suas memorias e traduzir em imagens exaltando o simbolo que mais força causa impacto na sua lembrança.Como o ensurdecedor papa no radio,ou os filmes com Garbo,ou os moleques de cabeça raspada aderindo à uma moda fascista.
A tentativa de não se prender às mesmas ferramentas estilisticas de filmes anteriores faz-se perceber num Fellini mais preocupado na construção de quadros perfeitamente construidos como uma pintura,mas movimentados por zoom-ins e travellings lentos como uma possivel aproximação do espectador com a imagem.
O jovem Fellini desembarca no trem e se torna passivo no restante de sua jornada pela capital.O que importa é o que acontece a sua volta.A Roma do passado prioriza a lembrança,personagens e situações.
Subitamente entra o mundo moderno na figura de auto-estradas,carrors,motos e o proprio diretor se conduzindo junto com sua trupe para uma filmagem de Roma.A metalinguagem não é a toa.A Roma do filme é de Fellini e cabe a ele mostrar com seu proprio dedo apontado a modernidade com fabricas pegando fogo,acidentes automibilisticos,prostitutas de estrada,monumentos em ruinas.É como se botassemos o nariz na janela do carro ,e com ele participarmos de uma tour pela desgraça.A Roma moderna sofre a intrusão direta das gruas e câmeras do diretor,com hippies sendo contestados,com jovens pressionando o diretor para uma abordagem mais politica-trabalhista no filme,estudantes apanhando da policia(como não poderia deixar de ter).
Inumeros elementos se contradizem poeticamente no espaço-tempo.A roma dos anos 30 é o teatro,o cinema, e a tranquilidade quebrada pela Guerra.A Roma moderna é o caos capitalista.
Os tidos intocaveis aqui são profanados pela critica audaz de Fellini mais uma vez ,como todo o inebriante desfile de moda eclesiastico,ja aqui um ensaio sublime de criatividade ao se criar um espetaculo alegorico-satirico.A visão temivel do papa a todo instante,a audacia pouco singela de Fellini,seu desprezo pela convenção religiosa seja de qualquer patamar se encontra enraizada em sua memoria,como se vê em seus filmes auto-analiticos.
Os ancestrais romanos vistos como o fruto de uma possivel existencia do inferno na Terra de "Satyricon",de frente à ameaça concreta(em todos os sentidos),se tornam afrescos apagados "pelo ar que vem de fora" diante daqueles que ousam corromper o subterraneo romano,aceitando o esquecimento com o temivel olhar de superioridade e condenação.Assim como as putas do escondido bordel da era fascista,na sua maioria putas fellinianas em sua vulgaridade e feiura,contrastando com o bordel visitado pelo seu alter-ego,e a comparação que o autor faz do sexo livre da decada de 70 com a dificuldade de consegui-lo no passado.
"Roma" é Fellini transformando lapsos memoriais em nostalgia imagetica,e modernidade num semi-realismo letargico.Um pré - "Amarcord" dentro de sua proposta auto-biografica mais conduzida pela vida como ela foi,do que a mente como ela é,no segundo caso como fez em sua inigualavel obra-prima "8 1/2".
Fellini foi um homem que comentava de uma forma ou de outra,as mudanças sociais de seu presente,mostrando a evolução e o onirico não como valvulas de escape,mas como uma leve observação ao alienatorio processo de divulgação de falsas ideologias e ao materialismo do consumismo capitalista.Um quebra-cabeças de pensamentos dispersos de forma poética e que juntos constroem uma historia em que a cidade é a principal atriz,e não Magnani que vira as costas à Fellini.
"Roma" é o retrato definitivo da visão de alguem que sempre a provocou.