"Interlúdio" é passado no Brasil,é o maior romance de Hitchcock,a maior trama de espionagem,e um de seus filmes mais completos.
Livre do produtor David O. Selznick,que vendeu o filme para a RKO,o gordinho se juntou ao roteirista Ben Hecht e juntos desenvolveram a história da mulher que se apaixona por um agente que praticamente a joga na cama de outro,por motivos políticos de dever.A história de dois homens em lados opostos se apaixonando pela mesma mulher.Um romance de confiança e um suspense de espionagem,que usava o urânio como macguffin 1 ano depois da bomba de Hiroshima.
Ben Hecht era um dos roteiristas mais prolíficos e versáteis de Hollywood,foi o homem que botou vários personagens numa diligência em "No Tempo das Diligências"(1939) de John Ford e criou a verborragia alucinada de "Jejum de Amor"(1941) de Hawks.Numa demonstração de respeito pelo diretor,as opiniões de Hitchcock eram amplamente aceitas resultando numa história que exploraria o melhor do diretor.
Como disse Truffaut :
"Tirando o máximo de efeito dos mínimos detalhes,o resultado foi tão perfeito quanto um desenho animado."
Sim,o máximo do mínimo é o que se percebe desde a primeira cena no tribunal quando o pai alemão da americana Alicia(Ingrid Bergman em uma de suas melhores atuações) é condenado por espionagem nazista.Sabidamente contrária aos ideais paternos,ela é contactada pelo agente Devlin(Cary Grant)para ir ao Rio de Janeiro num trabalho de cooperação,onde acabam se apaixonando.Isso até Devlin descobrir que tem que persuadir Alicia a seduzir Alex Sebastian(Claude Rains),ex-amigo de seu pai e que é lider de um grupo de cientistas-nazi que operam escondido no Brasil.Assumindo o poder do dever acima do amor,Devlin assume uma posição fria enquanto Alicia se vê obrigada à casar com Alex e a arriscar a sua integridade física num triângulo amoroso observado pela suspeita opressora da maquiavélica mãe de seu novo marido.
Poucos cineastas da época se dedicavam tanto para extrair o máximo de cada cena,de construir um todo autoral que correspondesse com sua visão do que Hitchcock..."Interlúdio" é um exemplo disso.Estudando de forma perfeccionista cada pormenor do filme na pré-produção em storyboards,o filme se esbalda de subterfúgios visuais: o ponto de vista bêbado de Alicia virando Cary Grant de ponta-cabeça,o reflexo do espelho retrovisor do carro,o lento envenenamento de Alicia com a xícara mostrada em primeiro plano,a presença dominadora da mãe de Alex surgindo lentamente de encontro à câmera quando desce a escada,etc...
O elemento-chave mais conhecido do filme é,sem trocadilhos,uma chave.A chave da adega que contém provas de urânio escondidas em garrafas de vinho e que Alicia tem que passar paras as mãos de um Devlin disfarçado durante uma festa na mansão de Alex,para que esse possa entrar,vasculhar e sair,antes que falte bebida e que o vilão tenha que descer para suprir o estoque.Numa famosa cena a câmera se aproxima lentamente de cima e vai descendo até a mão nervosa de Alicia segurando a chave.
O brilhantismo da atuação de Rains está no carisma que ele passa mesmo sendo um nazista.O seu amor é verdadeiro,a sua decepção é verdadeira,as suas nuances são variadas,e o seu medo é exasperador na cena final.A mãe dominadora,um dos aspectos freudianos mais recorrentes em Hitchcock,tem a sua primeira grande presença nesse filme abrindo mais uma etapa do psicossexual em filmes.
O que mais me impressionou portanto foi o modo erótico que Hitchcock retrata a paixão de Devlin e Alicia com o uso constante de closes e jogos de luz e sombra em meio a beijos e amassos.O Codigo Hayes permitia só 3 segundos de beijo num filme,Hitchcock filma 2 minutos e meio de beijo,usando 3 segundos de beijo intercalados por narigadas e assim vai....O fato da confiança quebrada,da resignação face ao inevitável em meio ao tumulto do ciúme,torna essa produção um filme quente,com o tão conhecido clima brasileiro servindo de afrodisíaco para um triângulo de díspares paixões.