Conhecido no Brasil como "Uma Noite Alucinante 3",é importante ressaltar o título original pois comprova o distanciamento da abordagem em relação à "Evil Dead"(1981) e "Evil Dead 2"(1987).Enquanto o primeiro foi uma obra-prima do trash que literalmente tocou horror em Cannes,uma aula de cinema e de técnica de manipulação emocional;o segundo consegue afundar o anti-herói Ash(Bruce Campbell) num universo de horror ainda mais assustador com o uso de efeitos mais elaborados provindo da frouxa produção já concedida para Sam Raimi,e equilibrando o humor com o terror com uma maestria que seria difícil de se igualar em tristes tentativas vindouras.Em "Evil Dead 2" Raimi incorpora o seu amor pelo humor slapstick ao gore,mas impossibilitado pelo ainda baixo orçamento,não conseguiu seguir a sua vontade de colocar Ash na Idade Média,usando de um sensacional e ambíguo epílogo que ficou como gancho para a possível seqüencia.
Sam Raimi decidiu,já com grana, passar para a tela o espírito das histórias em quadrinhos em "Crimewave"(1985),uma associação com os Coen onde a falta de sucesso veio da primeira experiência com a intervenção de produtores no seu conceito.Impossibilitado de adquirir os direitos do personagem pulp dos anos 30 "O Sombra"(que viraria filme com Alec Baldwin),ele decide criar o seu próprio herói em homenagem aos filmes de horror da Universal no ótimo "Darkman"(1990).
É com esse espirito de comic-magazine e com o dinheiro obtido com o sucesso de "Darkman" que Raimi consegue criar um universo paralelo com "Army of Darkness",pegando o promissor personagem Ash e definitivamente o transformando num ícone,dentro de um dos maiores exemplos do "terrir" de qualidade dos anos 90.Comparar com os outros filmes da franquia,que continham um poder low-budget autoral e uma claustrofobia monocênica que possibilitava o uso extensivo das piruetas técnicas do diretor em construção de climas e sustos,seria injusto com o "Army of Darkness",que apenas usa a força do carisma de Bruce Campbell e dos elementos que dão continuidade à trama para mostrar o que Raimi realmente poderia fazer com um alto orçamento,se mostrando como um dos grandes tradutores em película do universo dos quadrinhos,que resultaria mais tarde em sua escolha para assumir o controle de Spider-Man,sendo "Homem Aranha 2" um dos melhores exemplos de uma adaptação de super-heróis transformada em arte."Army of Darkness" é um daqueles filmes que ficaram numa época,e que mesmo que continue delicioso e divertido ainda hoje,não poderia ser refeito com o mesmo charme - vide "Arraste-me para o Inferno"(2009).
O uso de Introvision que transforma mitologicamente o rico cenário e as atuações propositalmente out-of-the-real com a canastrice heróica de Bruce Campbell conseguem manter o clima do filme não pelo medo que o espectador possa ter,mas pelas desventuras do protagonista,que amadurecendo após apanhar tanto dos demônios,adquire um caráter badass com a mão amputada substituída por uma moto-serra e uma invejável habilidade de manuseio de carabinas com a mão esquerda.A direção frenética e imaginativa se funde com a alma pulp de terror/cômico com Ray Harryausen sendo homenageado à altura com o exército de esqueletos que interagem de forma surreal com os humanos,fazendo jus ao estado puro de arte cinematográfica de filmes como "Jasão e os Argonautas"(1963).Ainda uma carta de amor à cultura pop,o filme não tem medo de referências abruptas à clássicos da literatura como "Viagens de Gulliver" ou "Um Americano na Corte do Rei Arthur" misturados à famosa gag do "dedo-no-olho" dos Três Patetas e à frase klatu barata niktu de "O Dia em Que a Terra Parou" .Bruce salva qualquer cena da displicência inútil embarcando com Ash o cerne psicológico da criação de qualquer herói de HQs,com a cena final no supermercado o igualando na dicotomia homem comum/super-herói com um simples funcionário de super-mercado deixando de ser o tedioso nerd rotineiro para se tornar rei ao seu jeito.Clássico.