domingo, 2 de setembro de 2012

"A Noviça Rebelde"(1965) - Robert Wise



Depois de filmar seu primeiro musical,"Amor,Sublime,Amor"(1961),e praticamente restituir o gênero à uma nova posição,Robert Wise decidiu voltar ao intimismo do romance de "Dois na Gangorra"(1962) ou o horror psicológico de "Desafio do Além" (1963).Mesmo que o musical da dupla Rodgers and Hammrstein's já fizesse sucesso intenso na Broadway,a sua fama de açucarado demais não só afastou o próprio diretor no início,como nomes como Donen e Gene Kelly também recusaram o projeto,que esteve nas mão de William Wyler  e que ao fim de tudo largou de mão para filmar "O Colecionador".Essa batata quente voltou nas mão de Wise que como de costume,usou de seu profissionalismo para extrair o máximo do cerne da obra.
É aí que entra a indignação quanto ao título brasileiro,já que a noviça rebelde nada mais é do que o instrumento da verdadeira protagonista do filme,que é o som da música.O que move o filme é a paixão pela música e na sua capacidade de  transformação espiritual,porque é a música que constantemente durante a historia se encontra como a heroína tanto nos conflitos de relacionamento familiar,quanto no êxtase hiperativo e sexual da noviça nas colinas,seja na forma como a noviça se integra ao convívio com as crianças,ou quando serve de mote pra a fuga politica no final.O som da música e sua influencia são o que interessa aqui.

Se formos comparar com "Amor,Estranho,Amor",enquanto a música de Bernstein é meio tradicional e acomodada demais,a música de Rodgers e Hammerstein já nasce com a pretensão de se unir um excelente arranjo com uma melodia envolvente,alcançando o objetivo.Musicas realmente brilhantes como "Do-re-mi"(com uma edição invocando o êxtase da liberdade através da escala musical),"My Favorite Things"(que virou peça de jazz de 14 minutos nas mãos de John Coltrane),constrastam com despreziveis letras-de-puberdade de "16Goin On 17"(cantada na inútil cena da chuva tendo a descoberta sexual de Liesl como mote de conservadorismo irritantemente canastrão na forma do primeiro beijo)ou as poucas inspiradas cenas de cantoria das freiras no inicio do filme.Assim como "Amor,Estranho,Amor",o modo de Wise conduzir os momentos de cantoria contando com montagem repleta de sinapses temporais é o que dá o grande prazer emocional ao filme,e assim soube-se retirar o que há de pungente em cada uma das grandes músicas."Sound of Music" por exemplo,é tão auto-afirmativa em seu poder melódico de exaltação,que Wise só se contentou em introduzi-la no filme,antes dos créditos iniciais,no estupendo plano filmado de um helicóptero onde a câmera sobrevoa as colinas e encontra Julie Andrews de forma brilhante cantando "The hills are alive,with the sound of music...".É "Sound of Music" que descongela o Capitão Von Trapp.Afinal,é essa canção que dá nome ao filme(plim!) representando consequentemente a intenção supra-citada de mostrar como a música insere o amor e a esperança no ser humano através de uma melodia tocante.

Como o Capitão Von Trapp  é um viúvo Capitão da Marinha Austríaca,anti-nazi,que vive no final da década de 30 quando a Austria está prestes a ser invadida pelo Nazismo,e recebe como nova governanta a espirituosa noviça Maria que traz de volta o amor ao seu coração congelado através das cantorias e brincadeiras,os defeitos do filme começam quando a transição do efeito da musica sai do caráter individual dos corações da pessoas em seu retorno ao carinho familiar,e pula para a visão politica do nazismo,que não tem um desenvolvimento tão completo,ao ponto de ser baseado num relacionamento tosco e superfical de Liesl com o mensageiro Rolfe circundado de personagens caricatos que resumem o autoritarismo à ameaças kafkianas.Enquanto o enredo se torna uma ode ao catolicismo e ao conservadorismo, esses vilões/caricaturas vão surgindo em situações que destoam do caráter metafísico e redentor da primeira metade.Seria o facismo do conservadorismo do casamento,contra o facismo politico.

Alem da música,Julie Andrews tem o carisma necessário para uma heroína,e aqui as atuações dos adultos supram sobremaneira as previsíveis crianças.O carisma não foi o suficiente para omitir a clara mudança de seu personagem depois do casamento,numa obvia renúncia patriarcal que não condizia com o aspecto mais libertário de sua personalidade pura do convento,onde o êxtase sexual se resumia só a cantarolar e se atrasar às igualmente facistas obrigações do convento.Com filosofias anacrônicas e hipócritas tanto pro seu tempo quanto para o tempo em que a historia se desenrola,foi essa esperança no conservadorismo que o panico do mundo capitalista do pós-guerra proliferou que fez do filme um sucesso-família.
Se nos concentrarmos apenas no poder da música conduzida pelas imagens do Wise  e na santificada presença do talento de Andrews,pode-se sem dúvida extrair um imenso prazer acima das questões morais e políticas que o destino da historia insere na humanidade e em diversas manifestações artísticas que se tornam retrógadas com o passar do tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário