Um dia David Lynch sonhou com um titulo: "Veludo Azul".
Um dia David Lynch imaginou uma orelha humana perdida no gramado.
Um dia David Lynch,quando criança,chorou ao ver uma mulher nua correndo pela rua desesperada.
Um dia David Lynch teve o obscuro desejo de espiar uma mulher de dentro de um armario e descobrir pistas de um crime.
Um dia ele ligou isso com a imagem da orelha e o titulo Veludo Azul atraves da canção homonima "Blue Velvet" de Bobby Vinter,retrato de uma doce geração.
Ironizar o "american way of life" foi o próximo passo depois do subestimado "Duna"(1984) e de ter feito sucesso cult com "Eraserhead" (1977),e figurado entre o mainstream com "O Homem Elefante" (1980).
As cercas brancas rodeadas por rosas vermelho-vivo,as crianças brincando no gramado,o bombeiro acenando para nós,e todo esse otimismo pregado pela alienação social norte-americana não é dessa vez invadido por um psicopata como em "A Sombra de uma Duvida"(1943) de Alfred Hitchcock ou "O Estranho"(1946) de Orson Welles;nem tão devastadoramente destroçada emocionalmente como nos posteriores filmes de Sam mendes como "Beleza Americana"(1999) e "Foi Apenas um Sonho"(2008).Aqui Lynch prefere defrontar o bem com o mal dentro do que seria a visão dele desses opostos pertencentes a qualquer ecossistema,do pré-fabricado ao natural.
Se a idealização da felicidade utópica é corrompida por um ataque(do pai de Jeffrie,causa da sua volta),e um ninho de insetos nojentos sendo usados como metáfora para o que se esconde por tras da fachada de um lindo gramado,assim como um cachorro brincando com o dono enquanto esse pode estar morrendo é o que se esconde por tras de um aparente amigo fiel;vemos que Lynch mostrará atraves de simbolismos o confronto entre esses dois pólos.
Através de uma orelha humana descoberta por Jeffrie no quintal,como que um portal ela nos levara junto com ele numa odisseia de aprendizado da vida como ela realmente é e pode ser:o mundo dos insetos.
Muito se diz da luta entre o bem e o mal nesse filme mas o que se vê é uma ironia sarcastica gritante do modo de se ver o mundo pela inocencia alienatoria.O casal de protagonistas são tidos como os heróis desde o inicio porêm são totalmente aquêm de qualquer conceito de violência,e logo Jeffrey se depara com sadomasoquismo,estupro ritualistico,fetiche,psicose,perigo imediato,assassinato,tudo em pouco tempo,na figura do psicotico inalador de nebulizador afrodisiaco delirante Frank Booth(Dennis Hopper que aceitou o papel dizendo que o personagem era ele?!)e a cantora Dorothy Vallens(Isabella Rossellini totalmente negligenciada fisica e moralmente,no bom sentido...).Impressionante como Lynch constrói a cena em que Jeffries conversa com Sandy no carro,os atores com uma interpretação propositalmente forçada,mostrando a patética visão de mundo deles,deparados com o mal:
- "Porque existe alguem como Frank?!"
Seguido por um bobo discurso de Sandy sobre um sonho onde pintarroxos representavam o amor.
Há de se notar a ironia que Lynch se reveste nesse sentido(e que resume sua mensagem),até no epilogo do pintarroxo com um inseto no bico com mais uma metáfora simbólica do bem vencendo o mal e frases como "Que mundo estranho esse que vivemos!".
Um sonho sim é o que parece ser o filme a todo momento,com Frank levando Jeffrey a um passeio de descoberta onde estranhos personagens vão surgindo de forma quase que Felliniana(mesmo que Lynch tenha inventado uma linguagem propria,a influencia de Fellini e Kubrick é obvia).
Dean Stockwell surge brilhantemente como uma bicha psicotica e misteriosa afetada,assim como Roy Orbinson embala um espancamento após a primeira reação a violencia de Jeffrey.
O misterio policial é apenas um mote referencial ao noir e forma de conduzir o que importa,que é o modo comico-ironico-perversivo com que Lynch retrata a jornada de pessoas pertencentes à um conceito harmônico pateticamente publicitario,para o underground do mal escondido em qualquer um de nós.
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