Nesse ultimo filme de Ozu o Japão pós-guerra que serviu de pano de fundo e catalisador das situações de "Era Uma vez em Tóquio",sua obra-prima,encontra aqui a exata personificação do modernismo como objeto de retrato do olhar de Ozu.Os quadros que intercalam as imagens que compõem a historia principal e que são cuidadosamente construidos com chaminés industriais simetricamente verticais,os cartazes luminosos e pisca-pisca da cidade,os corredores,todos esses com uma significação pictorica,são em si só um filme dentro de um filme.Alias uma das maiores qualidades de Ozu era compor esses quadros,que ja diziam muita coisa por si só.São eles por si mesmo a visão critica do diretor em relação ao desgaste de valores familiares no mundo moderno e a guerra repetidamente se mostra o motivo principal pela qual Ozu culpa essa mudança.
Em 1962 Ozu dá seu ultimato juntando temas que recorrem à solidão,à velhice,à manutenção dos laços familiares,como na maioria de suas obras-primas.Porêm em meio a reunião de Shuhei e seus amigos assuntos como remedio para "animar",a inveja do amigo que é casado com uma jovem mulher,tudo são temas que Ozu incorpora da onda de modernidade que estaria ainda para surgir com mais força,mas a qual ele não sobreviveria.
Ao mesmo tempo que conta a historia do viúvo Shuhei e sua indecisão de arranjar ou não o casamento para sua linda filha Michiko,visto que só ela e o filho mais novo são seus companheiros pós-viuvês,Ozu sobrepõe cenas do casamento de seu filho mais velho Koichi repleto de situações tipicas do casamento moderno e do feminismo latente,com discussões sobre onde e como colocar o dinheiro de cada um,brigas e decepções.Genial o modo imparcial ou ironico como Ozu distribui suas ideias de casamento,com a possivel futura esposa Koichi estando muitas vezes como observadora passivel,até se divertindo com as birras de seu irmão e sua cunhada,ao mesmo tempo que um casamento esta sendo arranjado pra ela de forma apressada,colocando Koichi até mesmo como uma possivel vitima de um virus anti-social e anti-tradicional moderno.Esse equilibrio entre ironia e denuncia é acompanhado brilhantemente pela musica do subestimado Kojun Saitô.A epifania de que o certo é ver o lado da filha primeiro,vem depois do reencontro de Shuhei com o professor Sakuma(o ótimo ator Eijiro Tono) e descobrir o modo como Sakuma se entregou aos cuidados da filha após sua mulher ter morrido,destruindo indiretamente qualquer possibilidade de vida amorosa dela.O receio de possiveis semelhanças com Sakuma é acarcado com os conselhos repetitivos de seu amigo Kawai,"Você esta a caminho do mesmo...". A lembrança de algo que não volta mais ou o valor dessa lembrança,vem na figura do amigo de guerra que lembra a derrota na marcha da jukebox.
O filme lembra em muitos aspectos aquele que eu considero seu segundo melhor filme,"Pai e Filha"(1949),porêm como ja dito Ozu incorpora a cor como nunca aqui.Nota-se um perfeccionismo ao mesmo tempo que meticuloso,brando;sem qualquer neura ou paranóia.As cores das chaminés,dos neons,dos tonéis distribuidos em pilha pela cidade,dos objetos posicionados inteligentemente pelo espaço,seriam um componente a mais em possiveis filmes futuros do mestre em prol do retrato avassalador do consumismo amoral anti-familiar.A obra de Ozu ,parece clichê dizer,é uma lição de convivencia,uma lição de convivio que não se degusta mais na sociedade moderna.É o tipo de arte e ensinamento oriental que calmamente te conduz através da realidade pra reflexões absurdamente reveladoras e comuns vindo das decisões em prol do bem de quem se ama;seja na cena em que a filha de Sakuma derrama lagrimas ao ver o pai bebâdo como um motivo sem culpa de sua frustração ou na solidão final de Shushei,tendo mais uma vez Chishu Ryu como o iconico interprete do herói pai de familia vitima do distanciamento e da incomunicabilidade do homem moderno na terceira idade.
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