terça-feira, 28 de agosto de 2012

"Nossos Parabéns ao Freitas"(2003)- Felipe Marcondes Sant'Angelo


Apesar de ter ganhado vários prêmios,principalmente de caráter universitário(é um filme da USP),muitas pessoas viram a cara para esse filme.
Por quê?

Muita gente acha que só porque o Brasil mostra bundas nuas de milhares de mulatas no Carnaval,por ser um país festivo,por ser um país de suor e cerveja,por ser um país que se livrou da Ditadura...ele é um país livre da hipocrisia e da intolerância.
Muito pelo contrario.
É um país que sofre os resquícios da ditadura.
É um país que se esbalda em falsos conceitos.
É um país que proíbe comediantes de fazer humor em época de eleição.
É um país retrógado onde o monopólio cultural não é o cinema,nem a literatura,nem o teatro,nem a música...mas a tv Globo.
É o quinto maior pais do mundo em extensão e não consegue mais que 3 medalhas de ouro nas Olimpiadas...porque não há incentivo governamental.
É um país feito de peões de firma...onde o que importa não é a cultura,mas uma grande quantidade de alienados que cheguem do trabalho para poderem assistir sua novelinha descansado.
Uma grande quantidade de gente que não se preocupa em votar no justo,mas naquele que te consiga um cargo de confiança.
A falta de incentivo não é só no esporte,mas o monopólio da televisão evita o desenvolvimento do cinema.
A falta de incentivo à leitura faz com que escritores passem fome(conheço moleque cujo pai pagou 11 anos de colégio particular,e ainda assim o moleque saiu da escola sem saber o valor da literatura).
A música brasileira vive ainda nos nostálgicos anos 70 da MPB enquanto hoje em dia o que importa é um refrão grudento com que a mídia alimenta uma industria superficial.
O povo brasileiro é rebanho e se serve de um patriotismo sem-noção pra se acomodar e dizer
"-Está tudo bem.O Brasil está melhorando!" ou " - Fazer o que?!A vida é assim!".
O povo brasileiro é aquele que quem faz acontecer...tem que suar pra ver resultado.Aquele que reclama...não tira o rabo da frente da tv pra tornar seus reclames públicos.
E a grande maioria se ilude com um governo que vive dando aperitivos sócio-democratas,não quer mudar,não quer pensar...mas mesmo assim gosta de dar opiniões infundadas em prol da BURRICE INSTITUCIONALIZADA.

Por isso tudo não é de se espantar que um curta de apenas 11 minutos como "Nossos Parabéns ao Freitas" passe despercebido.O protagonista é um cara fissurado em comer cú de puta.
Varios sentiriam seu mundinho superficial ofendido por semelhante herói,por semelhante argumento,ou por desfechos "infames".
Se o filme fosse superficial,banal,mal-feito e inútil...tudo bem.Mas não é o que acontece aqui.Esse curta faz a gente pensar e muito mais do que novelinha das oito,revistas retrógadas de esquerda ou jornais manipulativos.Tem como objetivo esclarecer fatos simples da sexualidade humana,da "má-educação",do antigo axioma "Olhe para si mesmo antes de falar dos outros!", de um modo irônico..não é nada ofensivo. Mesmo assim permanece na obscuridade devido a cegueira hipócrita dos intelectuais brasileiros.É muito mais fácil assistir filmes legendados dos Farrely e não se sentir ofendido por aquilo que não se  entende..ou ir escondido se masturbar na internet devido à rotina de um casamento frustrante.
Mas valorizar um curta como esse?!Ha hahahahahhha.A gente ainda não vive num país como esse...e visto como anda,ainda vai demorar muito para podermos ser considerados intelectualmente(e não pseudo-intelectualmente) dignos.
O Brasil esta se desenvolvendo economicamente tendo nós como gado para isso...e o gado não pode pensar.

O curta abre com um monólogo de Freitas sobre sua obsessão por cú,diretamete pra câmera,cagando numa privada.Usando da vulgaridade proposital,o curta se mostra contra o machismo verborrágico e desenfrado de Freitas e seus amigos para dar a lição final de que: "As mulheres não são objetos.Aprenda a lidar com a sociedade à sua volta!".
Afinal é legal pagar de comedor de cú,fodedor,chupador de buceta...mas e quanto às mulheres que estão a sua volta em sua familia?Sua filha?Sua irmã?Existem pessoas que vão pensar a mesma coisa em relação à elas.E é aí que surge o aprendizado de Freitas da pior forma possível e nas mãos do cara considerado mais infame do Brasil,Alexandre Frota,que aparece para desferir a frase de efeito:"Passarinho que come pedra sabe o cú que tem".O comedor de cú se mostra um reprimido...um reacionario.

Feito de uma maneira profissional com uma edição maravilhosa(com direito à jump-cuts),atuações profissionais,trilha sonora certeira e fotografia esperta,o filme é uma pérola do cinema de curta-metragem brasileiro.E visto a característica de "bundão" do cinema nacional atual(dominado pela Globo filmes),acaba sendo valioso dentro do cinema nacional de maneira geral.É uma comédia de costumes que beira o surreal.Com tantos críticos de cinema tendo o background suficiente pra fazer ótimos curtas e fazendo porcarias com falta de originalidade mascarada como referencias e textos pretensiosos que beiram à imbecilidade como o péssimo "A Ética" do irrelevante Pablo Villaça...esse curta não só mostra como filosofar de forma cômica sobre comportamentos aparentemente banais do ser humano,como tambêm ensina a como ser um artista original em apenas 11 minutos.
Excelente.


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

"O Velho e o Novo"(1929) - Sergei Eisenstein



Antes de morrer em 1924 Lenin criou a NEP(Nova Politica Econômica) que entrou em vigor em 1922 com o objetivo de recuperar a economia em crise após a Guerra Civil.Considerado um recuo tático,misturava traços capitalistas,como privatização de pequenas propriedades,livre iniciativa e investimento extrangeiro.Isso fortalecia o surgimento dos kulaks(ricos proprietarios),ou seja,uma burguesia rural,e claro que deixava insatisfeitos os comunistas ortodoxos que não cairam muito na onda de "Um passo atrás para dois à frente" de Lenin.
A NEP permitiu uma sobrevivência da economia russa diminuindo a fome e o desemprego,mas acirrou as divergencias entre os diferentes setores produtivos como camponeses e operarios.

Stalin,sucessor de Lenin no poder,instituiu o "socialismo integral" e seus Planos Quinqüenais a partir de 1928 em respota à NEP que visualizando a planificação da economia obrigava os camponeses a aderirem à coletivização agrícola,às cooperativas,e incentivava a maquinaria para apoio dos agricultores.Essa imposição georu o extermínio dos kulaks e uma terrível fome à favor da reorganização social;muitos populares se tornaram prisioneiros nos Gulags para que com o trabalho escravo acelerassem o plano socialista de 5 anos.
Quem discordasse ou parecesse discordar de Stalin...era morto.

A primeira versão de "O Velho e o Novo" clamava por uma restituição de algumas das idéias mistas da NEP porque Eisenstein não estava a fim de apenas fazer panfletagem politica mas mostrar o que era necessario para o bem do povo.Interrompendo as filmagens para filmar "Outubro",o seu filme sofreu todo o tipo de intervenção direta de Stalin no roteiro,que mudou o seu nome que antes se chamava "A Linha Geral",e impôs que visões positivas referentes à sua politica economica fossem adotadas mascarando a cruel verdade de sua ambição sanguinária e ambiciosa.

Diferente de "A Greve","Encouraçado Potekim" e "Outubro"(uma obra-prima que explicita como nenhum outro filme a sua "montagem intelectual"),"O Velho e o Novo" deixa de ser um filme com a massa popular como protagonista de um fato histórico( uma característica de seus filmes ferrenhamente criticada pelo Partido Comunista), para se concentrar na ação de um individuo feminino(em oposição ao patriarcalismo capitalista)em um background fictício.
Com isso a sua montagem intelectual se volta para momentos de fluxo de consciência jamesjoyciana abrindo novos caminhos para a teoria de Eisenstein.

Já de começo a camponesa Marfa Lapkina se põe como observadora e participante das limitações sofríveis do campo,onde a falta de cavalos e bois fazem com que um casal de anciões sofregamente puxem o arado com as próprias costas,ou uma vaca tenha um colapso assustador por não conseguir fazer um trabalho que não é o dela.Tomando uma atitude,ela decide formar uma cooperativa leiteira indo atrás não só dos animais,como de toda a maquinização necessária para um novo modo de se viver.

Essa dicotomia "velho e novo" é mostrada durante o filme  de diversos pontos de vista: uma procissão religiosa durante uma seca se sente desapontada por segundos de esperança que uma nuvem passageira lhes proporciona/porem o bocal de uma simples desnatadeira e a expectativa da saida do leite tem um êxtase "religioso" muito mais satisfatório(note como Eisenstein torna através da montagem um fato tão aparentemente banal,como um caso de vida ou morte para o povo).


A religião supersticiosa dando lugar para o messianismo da máquina vai mais alem com a deificação do boi reprodutor nos sonhos de Marfa,que surge desproporcionalmente em relação aos outros animais...gigante em meio às nuvens.
Ou quando um velho considerado o maior ceifador da região disputa com um jovem que o desafia,e ambos se veêm derrotados pela maquina moderna.

O famoso final sintetiza toda essa idéia,com o homem da carroça se encontrando com Marfa ja dirigindo o tão abençoado trator e se confraternizando enquanto uma série de flashbacks mostra todas as realizações de Marfa e sua luta contra as adversidades do caminho,concluindo dessa forma a vitória da fraternal e libertária juventude socialista.

Agora...não se esqueçam...isso tudo foi uma utopia.A verdade se resumiu em fome,genocídio,e com Eisenstein se mandando para o exterior só voltando anos depois para beliscar de forma perigosa o ego de Stalin com seus filmes "Ivan ,o Terrível Parte 1 e 2".

A supra-citada seqüencia da desnatadeira:

  

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"A Marcha Nupcial"(1928) - Eric von Stroheim



Erich von Stroheim foi um dos diretores mais egocêntricos da Hollywood muda.
Alêm de dirigir e escrever, gostava tambem de atuar como protagonista.
Era um carrasco com os atores.
Seus filmes custavam milhares de dólares devido à uma mania de reconstituição perfeccionista do cenário.
Ele dificilmente saia da sala de edição com menos de 4 horas de filmagem.
Resumindo,ele era uma dor de cabeça para os produtores,mas um gênio autentico.
Uma figura de passado enigmático que gostava de dizer que tinha descendência aristocrática mas cujo sotaque denunciava uma posição baixa na hierarquia austríaca.
Um homem esmagado por ter sua visão sempre cortada...cortada 2 horas a menos,3 horas a menos,etc.

No cinema americano desde que fez o papel de figurante em "Intolerancia"(1916) e dirigindo desde 1919,Erich inaugurou com "Esposas Ingênuas"(1922) uma visão bem particular da natureza humana no cinema,aliando um pessimismo irônico com uma auto-referencia sarcástica,e o seu despudor anti-tabus  e convenções sociais são postos a favor do jogo das paixões mais supérfluas do ser humano,das paixões materiais e carnais acima do amor e da paixão.
"A Marcha Nupcial" foi seu sétimo filme,depois de ter filmado inclusive aquela que é considerada a sua obra-prima,"Ouro e Maldição"(1924).
Conta a historia do principe austriaco Niki,um idolente e mulherengo fanfarrão que vive se metendo em dívidas mas que sabe que só um casamento com uma mulher rica pode aliviá-lo visto que a sua familia se encontra numa queda vertiginosa,a queda aristocrática do seculo XX.Mesmo que o casamento com a rica(porêm aleijada) Cecilia ja tenha sido arranjado,ele se apaixona por uma pobre  e perfeita camponesa.

O filme duraria 4 horas como de praxe se dependesse de Erich,mas depois de ser enxutado percebe-se que permaneceu a resina do exagero do diretor.Dificil enxergar viabilidade numa versão mais longa ao se inteirar do enredo,percebe-se que dessa vez o filme se beneficia de não ser tão literariamente fiel como o gosto do diretor.Não foi necessário recriar Monte Carlo aqui como em "Esposas Ingenuas",não...dessa vez foi a Catedral de St. Stephan e as ruas de Vienna.A composição de cenários e figurinos estão delicadamente dispostos de forma maníaca.A cena do desfile de Corpus Christi foi uma das primeiras a usar cor,e é um deslumbre ver todo aquele resultado megalomaniaco ter seu ápice com a colorização.

O principe não é tão covarde e pervertido quanto o seu pseudo-aristocrata vigarista de "Esposas Ingenuas"(que chegava ao ponto de tentar estrupar uma criança com deficiência mental),mas não dá o braço à torcer para o sentimento humano,concluindo a historia com a prova de que o egoismo é capaz sim de vencer o amor.Afinal Erich não filma Cinderela ou qualquer coisa parecida,ele filma a ironia das posições humanas e o quanto é suja a disposição do homem para valores materiais.Ele nos engana com a  falsa esperança da redenção.




"O Homem-Mosca"(1923) -Fred C. Newmeyer e Sam Taylor - O Devido Lugar De Lloyd


Harold Lloyd tem muito mais a ver com Buster Keaton do que com Charlie Chaplin,já que é impossivel deixar de comparar os 3.
Crime seria equalizar suas intenções,e tiraria o mérito que cada um tem dentro de sua persona.
Chaplin faz mais do que nos fazer gargalhar,nos faz chorar,se indignar com uma realidade,e sair do seus filmes pensando.
Keaton nos faz torcer para que ele não morra  a qualquer instante com suas acrobacias inacreditaveis aliadas ao tratamento absolutamente visual da arte cinematográfica e claro,uma irônica crítica social.
Lloyd segue mais a linha do acrobata humano de Keaton,do que o conceito filósofico-comico dos filmes de Chaplin.
Enquanto Chaplin é o vagabundo-pantomima e Keaton é o homem que não quebra e que não ri,Lloyd é o rapaz normal apaixonado que sempre quer se dar bem na sociedade como qualquer outro cidadão de otimismo inspirador.Seu visual pré-Buddy Holly aumenta ainda mais o nível de simplicidade de seu caráter, que faz com que ele se aproxime muito mais dos comediantes que viriam posteriormente com a onda de comédias romanticas de costumes,como Jack Lemmon ou até mesmo o retardado do  Jerry Lewis em seus bons momentos;do que com mestres do disfarce da comedia física como Peter Sellers e derivados.

"O Homem Mosca" é o filme em que ele define a sua identidade se consolidando como um mestre em gags.Um rapaz comum que vai à cidade pra tentar se dar bem como vendedor numa loja de tecidos enquanto sua namorada espera em sua cidade natal ele ser promovido para poderem começar uma vida juntos.
Ao mentir por cartas que já se encontra como gerente da loja,ela decide lhe fazer uma visita.
Se virando como pode,Harold tem que ao mesmo tempo que manter a mentira,arranjar dinheiro para o casamento.
É quando ele decide,numa proposta de seu chefe de fazer aumentar a clientela na loja,propor uma atração em que seu colega de aluguel subirá o prédio de 16 andares do local.No dia,com a multidão toda na expectativa,a festa bombando,o amigo se encontra impossibilitado de subir o edificio(por motivos que eu não vou explicar aqui,vejam o filme)e quem tem que tomar as rédeas da situação é Harold por si só.

Antes de eu assistir aos filmes de Lloyd eu tinha um pé atras porque ja era familiarizado com Keaton e Chaplin e não esperava muita coisa de um terceiro com cara de abobado.Mas a surpresa foi agradabilíssima.Um dos motivos da suspeita foi a diferença de divulgação que Lloyd tinha em relação aos seus dois rivais,mas o que acontece é que Lloyd tinha certas manias na hora de distribuir suas obras,tanto para cinemas que se recusavam a acompanhar seu filme com um órgão(ele não admitia pianos),quanto para a televisão( e foi nessa recusa para a televisão que sua obra se obscureceu um pouco mais).
Porem durante sua época ele foi rei dos longa-metragens nos anos de 1920(fazendo 20 contra 3 do Chaplin por exemplo),e sua produtividade em uma série de filmes,um mais genial e bem dirigido que o outro,lhe garantiu uma posição nas bilheterias igualmente superior à de Keaton ou Chaplin.
Afinal Lloyd era amigo associado de Hal Roach,um dos nomes mais importantes da comedia no cinema mudo,responsável por vários filmes de "O Gordo e o Magro".

O filme tambem é famoso por ter uma das cenas mais icônicas do cinema que mostra ele escalando o prédio e se pendurando num ponteiro de relogio.Cena que foi referencia em "De Volta pro Futuro"  e que teve a sua iconicidade fortalecida depois de uma aparição no  filme-carta-de-amor-chorosa "Hugo" do Scorcese.A tensão que Scorsa mostra no filme é real e se foi tenso na época...continua até hoje.Uma das cenas mais cheias de expectativa que eu tive o prazer de desfrutar,ao mesmo tempo que se rói unhas se deita de rir.
Visto que da mesma forma que Keaton,Lloyd era um atleta que não usava dublês,as cenas se tornam ainda mais fodas.
O mérito maior vem da sofisticação realística de suas comedias romanticas ao contrario da pantomima surreal de seus colegas,ou seja, o  germe de um dos motivos principais da comedia moderna:o homem comum e a ascenção social.





Eu recomendo assistir ao filme inteiro,mas pra quem quiser vai a cena mais famosa e a mais desafiadora da película.

"Entreato" -René Clair(1924) O Dadaísmo Audio-Visual

Tristan Tzara,um dos pais do Dadaísmo,disse em seu "Manifesto Dadá" que era  por principio contra os manifestos,como era tambêm contra os princípios.O Dadaísmo foi a despirocagem total,o pai do surrealismo que viria a surgir na quarta-feira de cinzas do entre-guerras,a negação da razão,o grito sofrido dos refugiados de Zurique no Cabaret Voltaire de Hugo Ball;o uivo das dores crispadas,entreleçamento de contrários.

A humanidade toma um rumo que parece ser escrito por alguem,onde realmente são os contrarios os produtores da verdade e da existencia.
Afinal se não existisse a guerra no inicio do seculo 20 não se reuniriam tantos artistas em desespero para se exprimir de forma original e condizente com o espectro da sua propria personalidade inserida no contexto social.
A dor produz belas artes,a dor é tão humana quanto o bem,e são esses opostos interagindo o verdadeiro motor da realidade?

Essa questão ja gerou diversos questionamentos em alguns momentos da historia da metafisica filosofica,mas os grandes desastres geopoliticos e sociais que a modernidade trazia naquela época fazia com que a negação do mal fosse a negação do bem,que o momento era de nós,como questionadores,nos elevarmos acima da razão e partir do nada para o nada sem se importar com quem analisa ou até mesmo com o que realmente esta sendo analisado.

"Entreato" é o grande filme dadaísta da historia,sendo obscurecido popularmente por "Cão Andaluz" filmado em 1929 e tambêm fruto da colaboração de um grupo de artistas de uma mesma escola em diferentes meios(no caso de Buñuel e Dalí era o surrealismo,o dadaísmo rompido).
Quando Francis Picabia,um francês pintor que se associou com todas as vertentes modernas possíveis,encena seu balett "Relache",temos ali junto com ele Erik Satie(genio de compositor,um dos precursores do minimalismo e do Teatro do Absurdo) e Rene Clair,como responsavel pelo entreato cinematografico,representante audio-visual dadaista.
O filme ja começa com a imagem de Satie e Picaba disparando um canhão.Em seguida todas as possibilidades que o cinema podia oferecer à epoca foram enfileiradas em uma série de imagens belamente orquestradas durante 20 minutos compactados na edição exposta em Cannes em 1971.Absolutamente à frente do seu tempo,misturando câmera lenta,com sobreposição,diferentes angulos de camera,edição jogada como cartas de baralho e momentos magicos fornecidos por efeitos visuais brilhantes,com o espirito de um Meliés depois de comer um cogumelo,e que viria a refletir não só no surrealismo,como tambem em filmes mais ecléticos em sua conduta e de contexto mais racional,embora acima do real,como "Zero de Conduta"(1930)  e "O Atalante"(1934)de Jean Vigo.

Marcel Duchamp e Man Ray jogando xadrez em cena de "Entreato"





"Berlin - Sinfonia de uma Grande Cidade"(1927) - Walter Ruttman,o Vertov alemão



Os anos 20 foram absolutamente revolucionarios no cinema.
Diversos estilos conviviam mutualmente na Europa como o Impressionismo frances,o Expressionismo alemão,a montagem soviética e o surrealismo.
De começo cada um no seu quadrado.
Walter Ruttman,um alemão muito louco que fazia filmes graficos e experimentais envolvendo conceitos musicais,se opôs à aderir ao vigente expressionismo de seus conterrâneos e adotou idéias soviéticas de Vertov e cia. para montar o nascimento e morte de uma cidade em um único dia mostrando todos os vieses e opostos de um cotidiano aparentemente banal.

É um filme que pega referencias do cine-olho vertoviano para construir uma poética da imagem de contrarios do constante movimento,e acaba por influenciar aquele que seria o ápice da realização de seu influenciador,"O Homem com a Camera"(1929) de Dziga Vertov.
Fica claro pra quem viu os dois filmes que o segundo veio a ser mais completo e ousado,alem de ter uma importancia tão significativa na teoria cinematografica que abafaria qualquer possibilidade de mérito original do filme alemão.
Ruttman não se concentra em ultrapassar os limites do conceito epistemológico da arte do cinema,mas se volta unicamente na utilização de métodos de montagem para levar adiante o seu proposito.O que o distancia e o coloca um degrau abaixo de Vertov,que usou de diferentes efeitos,edição dialética mais simbólica e uma metalinguagem surreal.

A idéia de movimento é uma constante desde o primeiro simbolo rítmico animado que aparece na tela (remetendo aos filmes malucos da série "Opus" do diretor),seguindo com o trem vislumbrando diferenciadas paisagens enquanto entra na cidade.
Os diferentes atos em que o filme é dividido diferem os momentos mais marcantes de uma rotina diária como se fossem membros de uma historia sempre igual com começo meio e fim.O acordar, o inicio da movimentação,a pausa pro almoço,a volta ao trabalho o entardecer e a noite.

É facil rotular de socialista um filme como esse devido à momentos de foco proletario que sua edição proporciona mas não há nada mais favoravel à um ideal socialista do que uma câmera que mostra a vida come ela é e esta sendo,numa sociedade destruida pela guerra,se recuperando,imersa num mundo dividido em dois, indecisa,alimentando futuros partidos genocidas.As maquinas industriais enquadradas como gigantes que possuem uma participação quase que primordial no movimento da cidade como um organismo inteiro mostra o quanto que o cinema puro fala sem emitir palavras e impõe a sua ironia e indgnação apenas com sucessão de planos e enquadramentos febris,independente se for um humanista socialista ou apenas um ser humano solidario mostrando a realidade de um ponto de vista documental.
Uma grande aula.


"O Grande Desfile" (1925) - A Guerra do Rei Vidor


Antes da Segunda Guerra estourar,antes dos filmes pós-Vietnã da New Hollywood demonstrarem um brilhantismo no seu modo de denunciar os conflitos, antes de blockbusters como "Tubarão" ou "Titanic" ficarem por meses nas salas de cinema,lá nos pioneiros anos 20 King Vidor dirigiu "O Grande Desfile",primeiro grande filme de guerra que viria a formar as bases de um subgênero tão cheio de possibilidades de erros do que de acertos.
Filmes tendo como ponto de partida uma familia destroçada pela guerra ja existiam desde "O Nascimento de uma Nação" de D. W. Griffith.Mas o individuo alienado que é pego pelo patriotismo e acorda para uma realidade avassaladora e mortífera tem  a sua epopéia exposta primeiramente por esse filme de King Vidor.

Pressionando Irving Thalberg,cabeça-chefe genial da MGM,para que produzisse um filme tão realístico quanto ambicioso,Vidor e o roteirista Harry Behn adaptaram o romance autobiográfico "Plumes" de Laurence Stallings o transformando no filme que o faria um dos diretores top de sua época.

Antecipando "O Franco Atirador",a primeira hora do filme se concentra na apresentação dos personagens e suas diferentes nuances psicológicas misturando romance e humor e se distanciando de qualquer ato de violência.Uma hora lúdica.Conhecemos o protagonista James Apperson(Lewis Gilbert,que se tornaria um dos maiores astros da época),um jovem rico e mimado que a principio não vê muita vantagem em se alistar no momento em que os EUA entram na Primeira Guerra Mundial,mas como o patriotismo surge em cada esquina através de bandeiras,confetes e desfiles,como o seu pai se sentiria mais orgulhoso com seu alistamento e na tentativa de se juntar à freneticidade empolgada de seus amigos ao mesmo tempo que tenta agradar a namorada,James acaba cedendo à "honra"estabelecida pelo dever à patria.
Vivendo num stand-by com o resto de sua tropa num vilarejo francês,James se apaixona por Melisande, atraente dentro de sua vulgaridade,estranha a um rapaz acostumado com patricinhas da alta sociedade.Junto com mais dois de seus amigos James vai aprendendo a compartilhar,a viver conforme a necessidade,e a fortalecer seus laços com a  francesinha cobiçada pelo resto da tropa devido ao distanciamento sexual que a guerra proporciona.
Assim somos mergulhados num clima absolutamente lúdico com a mistura de versatilidade tanto de Vidor quanto de Gilbert que contrabalanceiam o humor físico com o romance,enquanto que o personagem se desenvolve psicologicamente com o nosso acompanhamento.

Enfim as tropas são chamadas para a guerra,e num choque atmosférico somos levados ao inferno de Vidor.
Com a idéia de expor de forma crua e sangrenta o que uma guerra realmente é,ele constrói cenas magníficas em uma tour de force inédita.
Os soldados invadindo uma floresta cheia de metralhadoras e snipers assim como o momento em que seu amigo Slim sai da trincheira se escondendo entre sinalizadores para cumprir uma missão cujos resultados respondem à todo o destino que a vida de James toma pela frente estão entre as maiores do cinema de guerra conseguindo aproximar o espectador da tensão que o momento representado proporcionaria e fazendo com que julguemos por nós mesmos a decisão que iríamos tomar em tal situação,ao mesmo tempo que nos colocamos do lado do protagonista de uma forma indgnada ao ver que o que está sendo mostrado na tela é uma arbitrariedade comum na politica humana.

O senso de cenário e iluminação de Vidor proporcionam pela primeira vez a guerra como forma de arte,o que seria repetido por "Apocalypse Now"(1979),"Gloria Feita de Sangue"(1957) e por "Sem Novidade no Front"(1930,um filme mais recente à esse e injustamente mais conhecido).
As ruinas de um bombardeio dispostas no background como um quebra-cabeças gigante,o flashback no abraço de sua mãe quando James retorna com seus olhos frios fazem desse filme não só uma das grandes obras de arte anti-bélicas como tambêm dá o grande chute necessario para que um dos maiores diretores de sua época deslanchasse sem ser uma marionete-capitalista,mas um dos primeiros autores a imporem uma marca propria ao mesmo tempo que lidavam com grandes estudios : King Vidor.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

"O Gabinete das Figuras de Cera" (1924) - Paul Leni e Leo Birinski

Leo Birinski dirigiu os atores.
Paul Leni criou a ambientação e os cenarios.
Portanto o mérito maior desse filme é de Paul Leni,como um dos fantásticos exemplos do expressionismo.
A trupe de atores é a mesma que veio do grupo de Max Reinhardt e ajudou a fundar as excelentes atuações do cinema,como Emil Jannings,Conradt Veidt e Werner Krauss.

Muito longe de ser apenas um filme de horror o filme é uma antologia semelhante à "A Morte Cansada"(1921) de Fritz lang e passa por diferentes gêneros.
Um poeta(interpretado pelo futuro diretor Wiliam Dieterle) é contratado pelo admnistrador de um museu de cera e sua linda filha,para escrever mini-biografias de seus bonecos,mais exclusivamente do Califa Harun al-Rashid,de Ivan O Terrivel,e de Jack O Estripador.
Somos então mergulhados nas historias escritas pelo poeta,sempre protagonizadas por ele e pela linda filha do chefe,como um casal vitima dos biografados.

Primeiro nas arabias onde a mulher de um padeiro é cobiçada pelo Califa(Jannings em um excelente papel cômico).


Segundo na Russia,onde um casamento é interrompido pelo rapto da noiva sob ordens de Ivan O Terrivel(numa atuação de Veidt que explora a paranóia sanguinaria que inspiraria a visão de Eisenstein sobre o czar no futuro).O filme ganha uma tonalidade avermelhada para acentuar ainda mais o rastro de mortes que Ivan deixa por trás de si,envenenando pessoas  e deixando-as sofrerem seus últimos segundos de vida em frente à uma ampulheta.
Ivan é tão terrivel que convidado para um casamento,fica responsavel pela morte do pai da noiva,rapta a noiva,tortura o noivo e põe a noiva pra assistir.


Mas a parte mais brilhante do filme é a ultima,onde o casal é perseguido por Jack the Ripper(Krauss) num sonho do poeta.
Nessa parte a sobreposição de imagens que coloca o casal em fuga num parque de diversões sobre imagens desconexas do assassino os perseguindo,transforma a representação onírica do pesadelo do personagem na representação pura do Expressionismo visual no cinema...e por si só ja é um bom motivo pra se assistir o filme.


Esse foi o ultimo filme alemão de Leni antes de vir pros EUA dirigir filmes de horror e  esse foi o seu manifesto expressionista máximo,uma das grandes heranças imediatas de "O Gabinete do Dr.Caligari" contando inclusive com o dois atores dessa produção(Krauss e Veidt) e com cenários diretamente inspirados por ela.
Um dos grandes exemplos de amor ao fantástico da Alemanha dos anos 20.

"A Marca do Zorro"(1920) e "O Pirata Negro"(1926) - As aventuras de Douglas Fairbanks

"A Marca do Zorro" deixou sua marca mesmo,sem trocadilhos.
Amantes de super-heróis e de filmes de ação que levianamente desprezam o cinema mudo estão cuspindo na origem de muita coisa.
Fairbanks ja era um artista de sucesso se destacando em comedias e fundando com Chaplin,Mary Pickford e Griffith a United Artists que evitava controle de grandes estudios e os dava controle artistico total sobre seus filmes.Com uma persona de sucesso e um casamanto com Pickford que lhes renderiam o status de primeiro casal celebridade do cinema(o PickFair),Fairbanks muda os filmes de aventura com um personagem que estaria dai por diante sempre presente no imaginario popular.

Zorro foi criado pelo escritor Johnston McCulley num conto em série num jornal chamado "A Maldição de Capistrano",mas foi o filme que rendeu tanto sucesso,e graças a ele que a serie foi romanceada e o personagem se tornou popular.
As suas entradas inesperadas em cena,o seu estilo dinâmico com a espada e seus voos acrobáticos se misturando ao cenário abrem as portas para um novo tipo de herói que seria muito explorado pelo cinema desde então.Um herói irônico que não se contenta em ferir com a espada o rosto de seus inimigos,mas ainda tira onda e ri da cara.
A historia se passa no seculo XIX,na Califórnia hispânica,onde Don Diego,o filho de um poderoso rancheiro local,volta da Espanha e se depara com o povo sofrendo nas garras de um governo sujo e de uma policia cruel.
Assim como Batman quase 20 anos depois,ele se reveste de um personagem para combater os inimigos enquanto que como Don Diego ele não passa de um playboy mimado fazendo magicas bobas,inclusive na frente de sua amada.
Todas as suas lutas são bem coreografadas e sua elasticidade só era comparável à de Buster Keaton na época,fazendo com que a torcida pelo herói atinja o publico e tornando Fairbanks como o fundador de um gênero enchendo a sua conta bancaria.
Divertidíssimo.










"O Pirata Negro" foi um dos filmes que se seguiriam após o sucesso de Zorro e que entra pra historia tambêm por ser o que primeiro contou uma historia envolvendo piratas e a transformou num subgênero.O conto de um duque que após sobreviver à um assalto de piratas que matam seu pai e decide se vingar se infiltrando  no meio dos inimigos como o invencivel Pirata Negro,ainda contem os mesmos elementos de falsa identidade e maniqueismo bem contra o mal.
Para se manter no grupo ele desafia o melhor lutador e assalta sozinho um navio cheio de canhões.E claro, ainda tem que salvar uma garota refêm do perigo.

Assistir aos filmes do Fairbanks,principalmente na sua época,é como ler "As Viagens de Gulliver" ou "A Ilha do Tesouro" com 8 anos.
É a arte que tem que ser apreciada com olhos de criança.São historias em que a coragem individual é usada para o bem de quem se ama,ou para se firmar com a honestidade brigando contra os vicios de uma sociedade ruim.

"Anjo das Ruas"(1928) -Borzage e os planos





A influencia do cinema autoral do cinema alemão no cinema em Hollywood é incontestável.
Principalmente Murnau,que desembarcou nos EUA e filmou "Aurora" filme de 1927 com Janet Gaynor e que viria a influenciar até mesmo John Ford.
Um dos mais influenciados por ele foi Frank Borzage,que coincidentemente faria sucesso no final dos anos 20 com dois filmes tendo a Janet Gaynor como protagonista e sendo ambos presença na primeira festa do oscar junto com o filme do alemão.
A atriz seria a primeira laureada...pelos três filmes.

Quanado eu digo influenciar eu não estou dizendo que ele se ajoelhava aos pés do expressionismo alemão e copiava descaradamente,muito pelo contrário.
O que ele fazia era se prover da ideia de auteur/diretor e fazer com que o elemento puro do cinema seja tirado de uma historia,seja com movimentos de camera,fotografia deslumbrante e efeitos ópticos;seja com grandes atuações.
Os planos-sequencia de Borzage eram sensacionais e iam muito alêm do que o cinema alemão fazia,a apresentação do cenário da viela no inicio do filme,ou quando Gino sai desesperado no meio da multidão a procurar a fugitiva Angela.
Não é a toa que Scorcese ama Borzage.
O mais expressionista do filme  é a fotografia cheio de névoas e escuridão tendo como o auge o momento em que Gino sai com um fosforo procurando o rosto de uma mulher no final do filme.
Os enquadramentos tambem são obras de arte à parte seja para colocar os personagens numa posição hierarquica(como a camera por tras dos juizes no tribunal),seja pra posicionar os personagens distantes numa mesma situação(quando Angela está  se equilibrando antes de cair,tendo Gino ao longe com um policial à assistindo),um grande trabalho de profundidade de campo.

A historia se passa na Italia e conta a historia de Angela,uma garota que resolve pedir esmolas pra salvar a mãe moribunda.Num roubo ela é pega pela policia e numa sequencia de acrobacias se esconde numa trupe circense.Junto com essa trupe ela viaja como equilibrista e se apaixona por um pintor optando por levar uma vida de casada.Quando tudo parece estar realmente bem,um dos policiais a reconhece e o passado volta pra atormentar.

Esse filme mostra toda a capacidade dramatica da atriz que vai da garota de rua corajosa e durona sempre comendo uma maçã pra pagar de fodon, à uma mulher sensivel e apaixonada como qualquer outra.Uma das maiores atrizes de sua época compondo um personagem bem diferente da esposa sofrida e indefesa de "Aurora".
Como comum na maioria dos filmes do diretor,o tema acaba se distanciando de uma realismo denunciativo(principalmente antes dos filmes anti-nazi dele)e descamba para uma paixão avassaladora e carnal sendo separada pelo destino.Mas a técnica e o conjunto tanto histórico como artístico atemporal do filme salva de qualquer lugar comum melodramatico.

"O Leque de Lady Windermere"(1925) - Lubitsch encontra Oscar Wilde

Nada mais viável ter uma obra do satírico dândi Oscar Wilde sendo adaptada no cinema por Lubitsch.
Mas na época muda isso era um desafio para o diretor que só contava com os intertitulos e com a atuação dos atores para tentar passar a fleuma dos diálogos que a peça original proporcionou em 1892.
O resultado nesse caso foi uma das grandes obras do cineasta alemão em solo americano.

A maioria dos cinefilos-listas-de-web conhecem Lubitsch de filmes falados onde ele soube usar ao seu favor o recurso para se destacar ainda mais como o sofisticado das comedias de costumes.
Mas dentre  o grande àpice do cinema alemão da era Weimar ele ja fazia filmes considerados como os melhores de sua época.Se distanciando do expressionismo de seus colegas ele conseguiu com obras históricas,como "Madame Du barry"(1919) e "Anna Boleyn"(1920) ser o primeiro a ter uma distribuição norte americana;em 1922 ja se encontrava em Hollywood.

"O Leque de Lady Windermere" foi um dos seus filmes para Warner e está entre os que melhor exemplificam atraves do sarcasmo de Oscar Wilde ao vitorianismo hipócrita,o talento do diretor em reações humanas que descambam em situações cômicas envolvendo tabus,sexo,casamento,adultério,..tudo isso em um simples enredo.
Num resumo a historia é a seguinte:
 a linda Lady Windermere tem um feliz  e bonitinho bem-visto socialmente casamento com Lord Windermere até começar a desconfiar que seu marido tem um caso com a notória e mal falada Mrs. Elynne
.Antes disso o filme nos mostra que Mrs Elynne na verdade é a mãe de Lady Windermere que entra em contato com o genro pra revelar sua identidade;receoso de que o choque da descoberta iria afetar muito sua esposa que tem a mãe como morta,Lord Windermere decide entrar em um acordo e envia um cheque para que sua sogra permaneça calada.
Quando Mrs Elynne é convidada por Lord Windermer para a festa de aniversario de Lady Windermere,esta resolve se vingar dando chance para o conquistador Lorde Darlingnton(Ronald Colman muito bom como o fura-olho).Ao saber disso,a mãe Mrs Elynne corre contra o tempo para salvar o casamento da filha e resolver o mal-entendido.

Como eu disse,um grande feito para o cinema mudo conseguir de forma não menos que brilhante,adaptar uma peça tão mordaz e tão humana .
E o leque?
O leque serve como leitmotiv do filme.
É com o leque que Lady Windermere ameaça dar na cara de Mrs Elynne causando toda a tensão do primeiro encontro entre elas na festa.
É o leque que causa o desfecho angustiante e que pode causar todo o caos,assim como pode salvar.Ainda mais se depender do amor de mãe mesmo que escondido.
O titulo inteiro da peça de Wilde é "O Leque de Lady Margarida:Uma Peça Sobre Uma Boa Mulher".
Sim ,uma boa mulher que foi guiada por instintos verdadeiros sem se abater por convenções,sem baixar a cabeça para o adultério e vendo que quando era traida resolve responder na mesma moeda.Assim como boa mulher é tambem a tão mal falada Mrs Elynne que não se abstem de sua maternidade não revelada para por em jogo o seu proprio futuro.
Um grande filme de um mestre das relações urbanas.





segunda-feira, 20 de agosto de 2012

"Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse"(1921) - Rex Ingram

Depois da Segunda Guerra surgiu uma quantidade considerável de filmes que constituiriam um subgênero interessantíssimo.Mas desde " O Nascimento de uma Nação"(1915) de Griffith que o cinema americano gosta de contar epopeias envolvendo familias destroçadas pela guerra.
A recente Primeira Guerra rendeu o primeiro filme a arrecadar 1 milhão de dólares e um ícone pop: Rudolph Valentino.

Alias foi Valentino que correu atras do papel pra esse filme,como o jovem italiano em busca de fama que era,e descobriu que os direitos do livro de Blasco Ibañez estavam com a Metro.
Encontrando sua incentivadora June Mathis( a primeira grande empresaria e roteirista do cinema e uma das celebridades  mais pagas da época)ele consegue papel mesmo com a total falta de fé do diretor Ingram.
Desse filme em diante a força de Valentino ia ser tão grande que seu funeral depois de sua morte precoce 10 anos depois ia causar suicidios de mulheres e vandalismo indgnado de fãs.

Rex Ingram tinha mérito proprio,era o ídolo de Erich Von Stronheim...ja basta.

A historia começa contando a historia de um patriarca latifundiario argentino que possui duas filhas casadas uma com um francês(que ele aprova),e outra com um alemão(que ele praticamente rejeita).O seu neto Julio(Valentino),filho do francês,cresce se espelhando no avô libertino e mulherengo até que este morre deixando sua fortuna dividida entre as duas irmãs.Tanto o francês quanto o alemão acabam retornando para os seus paises de origem levando consigo suas respectivas familias.
Enquanto o alemão Karl cria seus três filhos de uma maneira arrogante,militarista e disciplinada(com uma clara ridicularização dos alemães)...o francês Marcelo passa o tempo em leilões em seu anseio de adquirir um castelo fora de Paris enquanto Julio entra pra escola de artes e, entre inúmeras mulheres,se apaixona pela esposa de um importante amigo de seu pai.
Quando a guerra estoura,ambos os lados da familia se encontram lutando numa oposição territorial com Julio tendo que observar tudo como um estrangeiro argentino nulo que é,enquanto o destino vai construindo e destruindo tudo ao seu redor.

O começo do filme nos pampas argentinos tem uma das maiores introduções de personagem do cinema com Rudolph vestido de chapéu de boiadeiro e bombacha,quase um gaúcho,dançando um tango sensual e magnético.Eu como gaúcho,aceitando o fato de haver muitas similaridades com a cultura daqui com a da Argentina e Uruguai,principalmente nos locais rurais,fiquei impressionado ao saber que o primeiro frisson causado por um sex symbol do quilate de Valentino foi nesses costumes e nesse contexto...de bombacha e tudo o gaudério argentino.


"Amores de Colegial"(1927) - Buster Keaton e James W. Horne

Buster é o defensor dos nerds aqui mais do que nunca,apesar de sempre representar o garoto apaixonado que vive num mundinho(seja o amante de trens rejeitado pelo alistamento em "A General",o playboy tendo que lidar com um barco à deriva em "The Navigator",o filho mauricinho de uma marinheiro durão em "Steamboat Bill Jr" ou um projecionista sonhador em "Sherlock Jr.").

Em "Amores de Colegial" ele faz um CDF que chega na sua formatura todo molhado da chuva e acompanhado de sua mãe para ser desprezado pela audiencia ao fazer um discurso condenando o esporte como fomentador da ignorancia.Virando piada na boca da maioria de seus colegas atletas e sendo desprezado como um fracote pela sua namorada,ele decide se esforçar para ser um ótimo esportista na faculdade com o unico objetivo de não ser um solteirão pro resto da vida.
Apesar de não arriscar a vida com a coragem e habilidade de seus outros filmes,as gags visuais conferem grandes risadas como as tentativas de se dar bem como barman,ou o momento "Pateta nas Olimpiadas" de seu percurso pelo estadio de atletismo e hilarias tentativas frustradas de jogar baseball,correr,lançar pesos,etc.

Eu particularmente antes de assistir um filme do Buster sei que vou rir muito e que não vou  me decepcionar e foi o que aconteceu mais uma vez.No final pra salvar sua amada de ser humilhada por um pretendente Buster mostra toda a sua capacidade de correr,pular,cair e se detonar...para nossa alegria.





"Uma Pagina de Loucura"(1926) - Teinosuke Kinugasa

Imagina tu filmar uma obra-prima,síntese do pensamento da época que tentava achar a forma pura da arte cinematografica,e simplesmente perder o filme.
Décadas se passam e outras obras mudas ganham reconhecimento e influenciam gerações posteriores.
O roteirista Yasunari Kawabata ganha o Premio Nobel de Literatura em 1968.
O diretor ganha a Palma de Ouro e um Oscar por "O Portal do Inferno" em 1953.
Somente em 1971 é que Teinosuke Kinugasa encontra o filme e desde então nós somos brindados com a  mais inovadora,assustadora e brilhante obra de arte ja feita,tanto no Japão como no mundo.

Contemporâneo de Murnau e Eisenstein,Teinosuke Kinugasa mescla a ambientação psicológica do primeiro com a edição angustiada e frenetica do segundo.Os corredores cinzentos e a iluminação expressionista de um manicômio servem de pano de fundo para a historia de um marinheiro que vira zelador para estar próximo de sua mulher que sofreu um colapso no passado e se encontra internada no local.
Quando sua filha chega para contar à mãe de seu noivado,o passado vem à tona.
Passado em único ambiente tudo converge para que esqueçamos qualquer referencia literária para mergulharmos numa convergência de loucura de personagens que dançam esquizofrenicamente e gritam com suas bocas sujas e  escancaradas.A câmera é a única referencia que teremos junto com a coleção de inspirados subterfúgios visuais e ausência de limite como flashbacks apresentados em forma de sobreposição de imagens e movimentos de câmera acompanhando a espiral de desespero de seus personagens.
O filme não possui intertitulos.Assim como o Kammerspielfilm alemão que defendia o uso da camera subjetiva como condutor psicologico de um personagem realistico e a ausencia de texto explicativo,Teinosuke Kinugasa vai alêm usando elementos surreais e coreografias visuais para conseguir aliar o objetivo de usar apenas a câmera pra contar sua historia e levantar questões sobre a natureza da loucura usando e abusando de delirios e closes puros anteriores ao de Dreyer.
Talvez o único filme que conseguiu superar a "A Ultima Gargalhada" em sua época.
Jóia rara do horror.


"Too-Rye-Ay"(1982) -Kevin Rowland and Dexy's Midnight Runners

Eles são de Birmingham,Inglaterra e gravaram apenas 4 albuns desde 1980 sendo que o ultimo foi num retorno em 2012 e eu ainda não tive a oportunidade de ouvir,enquanto os outros 3:"Searching for the Young Soul Rebels"(1980),este "Too-Rye Ay" e o esquizofrenico porem belissimo "Don't Stand me Down"(1985),entraram pros meus preferidos de primeira.

Mas muita pouca gente conhece Dexys por aqui,o que é compreensivel para uma banda que sumiu ja na segunda metade dos anos 80 e  nunca teve a popularidade merecida,pelo menos entre o pessoal que eu conheço aqui no meu microcosmo.
Escutar esse album novamente foi muito bacana porque Kevin Rowland era um perfeccionista invocado e sua mistura de musica celta com naipe de metais e violino disputando frases casavam perfeitamente pela sua voz originalissima cheia de agudos estranhos e gorjeios sentimentais.

"The Celtic Brothers" foi o grande single e abre o album,mas que coisa que eu tenho comigo de não preferir quase nunca os singles.Pra mim é quando o naipe tropical abre "Let's Make this Precious" que o album começa pra valer.Mas o desespero vocal junto com o baixo soul e violino ja mostra o que é o Dexys.
Quando começa "All in All" com aquela linha de violino repetitiva e o lamento sentimental de Kevin em cima de um ritmo de valsa e um backing vocal poderoso eu ja to extasiado de emoção,que capacidade de compor canções pop que esse cara tinha.
De repente palmas abrem um cover de Van Morrison,"Jackie Wilson Said "que só o estribilho "diga a ling/dig a ling..." ja faz a viagem valer a pena.
Todo esse contagio termina e abre espaço pra mais uma balada,"Old",que graças a deus não deixa a dever na capacidade da banda de conduzir uma canção por todas as possibilidades de arrancar autenticidade de sua melodia.Dessa vez o piano-bar é importantissimo pra levar uma canção em tom elegiaco de maneira arrastada  até explodir no coração de Kevin saindo do seu peito.E o violino sempre dando a facada.
Pulando duas faixas,"Plan B" e "I'll Show You",que não considero tanto,vamos pra "Liars to A and E",que foi um single que não vendeu muito bem mas que merece menção pelo coro maravilhoso estilo Aretha Franklin.
A penultima faixa "Until I Believe In My Soul" é uma epopéia de 7 minutos coberta pelos delirios vocais e sentimentais de Kevin Rowland,mostrando uma versatilidade incrivel.Talvez a música mais soul mesmo,lembrando Ottis Redding e Motown.
E por fim pra terminar o single mais vendido naquele ano,"Come On Eileen",uma musica maravilhosa,despretensiosa com o piano fazendo uma percussão rítimica e um refrão de verão.
Dexys Midnight Runners merece sempre ser lembrado.

Lei 1° = pra se conhecer uma banda deve-se assisti-la ao vivo e sem playback.



"Paris Adormecida"(1924) - O Primeiro de René Clair

René Clair foi sem dúvida um dos mais mágicos diretores da historia do cinema mundial,e seus filmes falados do inicio dos anos 30 foram os mais importantes e originais na utilização do som e da musica como linguagem cinematográfica.
Filmes como o "O Milhão" e "A Nós a Liberdade"(ambos de 1931) são conhecidos de qualquer cinéfilo que se preze como musicais inovadores,ironicos e engraçadíssimos.Porêm foi nos anos 20 que René Clair começou a fazer nome como um dos grandes pioneiros do cinema avant-garde frances com esse seu debut e outros curtas como "Entr'acte"(1924).

Em menos de uma hora  "Paris Adormecida" contêm elementos diversos que se conectam como referencias do passado em favor de uma visão absolutamente vanguardista e influente.Ele junta elementos da raiz francesa como o espirito julioverniano,o inspirador pré-surrealista Feuidalle e a deificação de Paris,para construir uma ficção cientifica tecnicamente inovadora.

Um cientista resolve lançar um raio que paralisa Paris deixando seus habitantes estáticos.Os únicos sobreviventes foram aqueles que estavam no momento fora do alcance do raio sendo eles um habitante da Torre Eiffel e 5 passageiros de um avião:o piloto,o detetive,a viajante,o ladrão e o empresario.
Inicialmente agindo de forma lúdica usando do ocorrido para irem saqueando a cidade aos poucos o tédio vai tomando conta deles(ao ponto de brigarem pela viajante,a única mulher disponivel) até receberem uma chamada da sobrinha do cientista para que a ajudem a fazer a cabeça de seu tio para fazer com que tudo volte ao normal.

Apesar de todo o contexto interessante e cheio de possibilidades do enredo o que mais chama a atenção é o avanço de Rene Clair na maneira de mover a camera em efeitos de verticalidade e travelings,usar efeitos especiais de edição e filmar em locação não só as ruas de Paris como o interior da Torre Eiffel,que surge como cenário principal servindo de proteção para os sobreviventes do raio que se empoleiram por entre suas ferragens numa relação simbiótica proposital.
Esse realismo citadino é uma das marcas registradas da França e podem ser vistas tantos em filmes de Renoir como "Boudu Salvo das Águas" e "A Cadela" como na Nouvelle Vague.

E claro que vindo de René a critica à modernidade dentro daquele socialismo romântico chapliniano tambêm aparece como o cerne da questão:
Como seria se de repente esse rush crescente parasse?
O que fica claro no bilhete do suicida cujo raio o salva segundos antes dele pular e que diz :
"Foi o ritmo dessa vida moderna que me levou a isso.Eu não posso aguentar a pressa e o barulho da vida nessa cidade."

domingo, 19 de agosto de 2012

"A Letra Escarlate"(1926) - Victor Sjostrom

Uma coisa é certa,independente das qualidades de seus filmes posteriores,Victor Sjostrom nunca superou sua obra-prima "A Carruagem Fantasma"(1921),um filme estupendo,influente,com uma filosofia profunda e um senso de direção ousado.Dos filmes que ele fez pra MGM são mais conhecidos "Vento e Areia"(1928,onde a melhor coisa no filme é o vento) e esse "A Letra Escarlate",onde todas as expectativas de uma obra que te atinja de uma forma tão metafisica quanto seu filme sueco são frustradas em prol de um melodrama bem filmado.
Lilian Gish está nos dois filmes e assisti-la é sempre um prazer.Uma das atrizes mais incríveis das primeiras décadas do cinema,o seu olhar a favor dos demorados planos de Victor que gostam de extrair do ator o verdadeiro sentimento do personagem não deixam insatisfeitos aqueles que apreciam boas atuações.

O problema é que "A Letra Escarlate" é baseado num romance de 1850,auge do Romanticismo Gótico americano voltado a questões como expiação,pecado e religião.E para ser adaptado às exigências de um povo de 1926,já cansado dos melodramas literários da era muda,seria necessario um roteiro enxuto,objetivo,e uma direção estimulante.
Contendo um diretor de tal calibre não é injustiça dizer que por muitas vezes a direção se arrasta em situações que poderiam ser melhor trabalhadas.Assim como o roteiro poderia aprofundar personagens que são importantíssimos pra historia mas que surgem apenas como coadjuvantes de um romance impossível.

O modo como o puritanismo é condenado não só pela historia original do livro de Nathaniel Hawthorne mas pelo comum humanismo dos filmes que Sjostrom filma,sempre será atual.A religião serve como refugio do medo e durante a historia da humanidade o medo do pecado,ocasionador do fanatismo e do extremismo religioso,é a ferramenta da hipocrisia que aponta o dedo para pessoas que apenas foram vitimas das convenções de seu tempo,do amor,e de pseudo-filosofias de sua época.
Hoje em dia isso ainda pode ser visto no modo como a igreja evangelica é homofóbica e preconceituosa,ou nos dogmas da igreja católica assim como nas leis assassinas de fundamentalistas orientais.É o que torna um romance melodramatico e antiquado digno de uma revisão e uma contextualização.


Os dedos aqui estão apontados para uma das grandes heroinas do imaginario literario americano da segunda metade do seculo XIX:Hester Pryne(Lilian Gish).
Ja mal vista pela comunidade desgraçadamente puritana da Boston-colonia do sec. XVII por agir de forma pouco convencional,ela é amparada pelo prestigiado pastor local Arthur Diemesdale(interpretado pelo ótimo ator sueco Lars Hanson).Os dois se apaixonam e ao descobrir que na verdade ela é casada com um médico desparecido ha anos ele decide não levar adiante seu affair e viaja pra Inglaterra.Um ano depois ele volta e descobre Hester sendo condenada brutalmente por ter dado à luz a um filho seu e obrigada a usar uma letra A de Adultera em cor vermelha bordada no seu peito.
Para não perder o seu posto de clérigo o segredo é mantido e Arthur é obrigado a conviver vendo sua amada como uma banida/expurgada tentando criar sua filha com uma dignidade isolada enquanto que no seu intimo a tortura se crava na forma de ressentimento e impotencia.

Um grande final surge como um desabafo mortal para um filme que deixa a desejar por ser de Sjostrom,mas  que mesmo assim ainda é a maior adaptação do livro(na época,desde 1908,ja haviam sido feitas 6)que merece ser assistido pelo amor que seus atores despejam em seus personagens numa historia que merece ser contada nos colégios.

"O Cavalo de Ferro"(1924) - John Ford

John Ford ja havia filmado dezenas de filmes em 1924 mas "Cavalo de Ferro" foi o ponto de partida da mitologia western num épico-historico.Uma produção caríssima com milhares de figurantes,indios,búfalos e duas cidades construidas o filme se provou um sucesso mundial arrecadando quase 10 vezes mais o seu custo.Não se deixem enganar por ser um filme da era muda do Ford porque,como eu disse,ele ja havia feito muitos filmes e filmar era quase como respirar;Ford apenas dirigia uma historia,as suas marcas registradas surgiam ao natural.

O filme começa com Miriam Marsh e Davy Brandon brincando enquanto crianças,sendo observadas por Abraham Lincoln.
O pai de Davy,um agrimensor,diz sonhar com o dia em que as ferrovias acalmem o territorio selvagem  de leste a oeste enquanto o seu amigo empreendedor  Marsh(pai de Miriam)duvida de seus sonhos.
Brandon parte com Davy pra começar seu sonho e descobre um atalho que encurtaria 200 milhas o caminho original, mas um incoveniente com os indios Cheyenne faz com que ele seja morto à machadadas por um renegado de dois dedos enquanto Davy assiste tudo escondido.
Os anos se passam e em 1864 o Presidente Lincoln,que assistiu a partida de Brandon,assina a autorização para o inicio da construção da Primeira Ferrovia Transcontinental.O inicialmente cético Marsh se encontra como o responsavel pelo empreendimento e sua filha Miriam esta noiva do engenheiro chefe Jesson.
Marsh precisa descobrir um atalho que se encontra justamente nas terras do poderoso Bauman que quer evitar o seus intentos subornando Jesson atraves de uma prostituta e de muito dinheiro.
Nisso reaparece Davy,agora como um mensageiro,para reacender o seu amor de infância por Miriam,causar ciúmes em Jesson e desiludir os planos de Bauman pois só ele sabe a localização do atalho encontrado com o seu pai anos atrás.

Ford filma uma historia de pioneiros sendo ele mesmo um pioneiro no cinema.Não só do ponto de vista homérico ao consolidar uma mitologia cinematografica mas tambem na maneira de contar uma historia.A camera na mão em cenas de batalhas e os indios no topo da colina ja se encontram desbravadores aqui.A locação de Sierra Nevada serve como pano de fundo de uma odisseia do povo americano no intuito de unir sua terra.O herói macho,a briga de soco,os momentos comicos-etilicos e o companheirismo fordiano ja parecem consolidados.George O'Brien faria ainda mais 6 filmes com Ford devido ao sucesso desse filme,e realmente seu Davy Brandon é quase um super-herói de testosterona e carisma.Durante o interminavel trabalho nas ferrovias surgem ataques de indios,grandes batalhas,revelações bombasticas e festas em bordéis.
Não foi o primeiro filme e nem o primeiro western de Ford(muito menos primeiro western do cinema sendo que Bronco Billy e Tom Mix ja eram sucessos)mas foi o inicio de uma nova era.
E viva o soco na cara!!

sábado, 18 de agosto de 2012

"Tempestade Sobre a Ásia"(1928) - A Aventura de Pudovkin

A Mongólia sempre teve que lutar arduamente pela sua Independencia.Desde que foi fundado o Imperio Mongol por Genghis Khan no final do seculo XII a sua dependencia em relação à outras culturas e povos foi desde os monges tibetanos na Idade Média,passando pela Dinastia Qing manchu que tinha dominado a China,e a União Soviética.
Durante a Guerra Civil Russa que se deu entre 1918 e 1921 a Russia se dividia entre Exercito Branco(ex-tzaristas e cadetes) e Exercito Vermelho( mais conhecidos como bolcheviques) que tinham instaurado um governo após a Revolução de Outubro de 1917.Os Aliados da Primeira Guerra como a Inglaterra e França mandaram tropas de apoio ao Exercito Branco com medo do avanço comunista dos bolcheviques.

É nesse contexto que se encontra as areias mongólicas desse maravilhoso filme de Pudovkin,areias que abrem o filme onde numa cabana um Lama faz sua oração para o chefe doente de uma familia de vaqueiros e caçadores que vivem de vender peles de raposa no mercado prinicipal.Impossibilitado ele manda seu filho ir no seu lugar revelando em sua posse uma magnifica pele que faz os olhos de todos quase lacrimejarem devido a sua beleza e aconselha a vender a um preço de 500 pratas e não menos que isso.O proprio Lama ao ver que recebia um pagamento mísero se agarra à pele numa briga hilaria e depois de tomar um empurrão e ser derrubado foge e na fuga deixa cair um amuleto sem perceber.A mãe vendo o amuleto e não conseguindo avisar o Lama que ja cavalgava ao longe deixa na posse do filho para servir de proteção durante a viagem.
Ao chegar no mercado os Capitalistas(Exército Britânico) são avisados que o jovem carrega uma valiosa pele,roubam ela numa injusta troca,o mongol não aceita,briga,perde,foge pras montanhas e entra para o exercito partisan dos bolcheviques onde um tempo depois ele é capturado pelos ingleses e mandado ao fuzilamento.Mas ao descobrirem que o  amuleto continha um escrito que dizia que o proprietario de tal era descendente direto de Genghis Khan( a figura mais venerada da Mongólia até hoje)os ingleses decidem usar desse prestigio natural para torna-lo um rei à favor de seus interesses politicos.


Interessante é perceber que enquanto Eisenstein vestia a camisa do comunismo ao ponto propagandistico e tendo o coletivo como protagonista,Pudovkin criava um individuo marginal de um povo que servia de rebanho para a  União Soviética e narra fatos que iam ser causas do proprio regime comunista,como a manipulação dos lideres politicos mongóis para aumentar a sua influência.Até porque os ingleses nunca tiveram na Mongolia e os opressores na verdade eram o Exercito Branco,mas como mostrar isso na Russia ja stalinista de 1928?
A idéia foi esquecer que haviam russos contrario aos bolcheviques e mostrar o extrangeiro como vilão.
Mas fica a pergunta:será que Pudovkin não estava desiludido com o esperançoso comunismo mas ainda desmascarando o predatório capitalismo?
Essa desilusão esta sutilmente encravada na direção que seus filmes tomavam rumo ao individualismo e às formas que o individuo,e não a massa,tinha de resistencia.Mas ainda assim à serviço do ideal bolchevique,claro.
Porque no mundo das idéias o comunismo continua mais honroso que o capitalismo,mas na pratica o socialismo se mostrou um sistema fragil e tirânico.Tanto que o Capitalista de Pudovkin é caricatura,olhos frios imersos em belas peles caras e generais assassinos sem coração usando da diplomacia hipocrita pra se estabelecer.Mas o socialismo aqui é visto apenas como um refugio,a unica opção de salvamento do personagem,de se salvar e de salvar o seu povo.Uma escolha individual e tambem de vingança,o que distancia o enredo aventuresco de Pudovkin do maniqueismo explicitamente panfletario de Eisenstein.O filme é muito mais um épico sobre um herói vitima das circunstancias.

Um pouco mais de 20 anos da invenção do cinema e os russos ja se debruçavam a escrever livros e livros sobre edição e suas diferentes formas de manifestação.
Pudovkin foi um dos que brilhantemente sistematizaram os diferentes tipos de edição e os aplicaram aos seus filmes.Portanto todas as principais leis se encontram aqui como nos filmes de seus conterraneos como Eisenstein e em outros filmes de Pudovkin como "A Mãe".
A base pratico-teorica da montagem construtiva que constroi o entendimento da cena de forma organica e que deve ser pensada ja na filmagem se ramificando numa montagem-da-sequencia onde a coesão deve gerar um estimulo de interesse no telespectador em relação ao seu desfecho gerando uma tensão incrivel.E isso percebe-se claramente em momentos magicos como quando o mongol é roubado no mercado e no excelente porem abrupto final.
Montagem por Contraste:como quando simultaneamente são mostrados o nosso herói sendo capturado enquanto o general e sua esposa estão se arrumando para diplomaticamente visitar o templo budista.
Até na apresentação de um cenario é a montagem que nos conduz como quando o templo nos é mostrado de seus diferentes angulos.
Mas Pudovkin se interessa no interesse causado pela narrativa,então são nas cenas de perigo,de divertimento e de suspense,que a edição se mostra um quebra-cabeças magico e até vertiginoso que influenciaria,como todo o cinema sovietico daquela época,futuras gerações.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

"A Caixa de Pandora"(1929) -Pabst,a Puta e a Nova Objetividade

Impressionante o quanto foi frutífera pro cinema a arvore do cinema alemão da Republica de Weimar.Mesmo com outros contemporâneos da era muda em outros lugares do planeta como Griffith,Feuidalle,Gance ou Sjostrom...não há como negar que uma visão de um cinema puro,sem ligação com outras vertentes,e de uma ampla conceitualização artistica, se daria com o expressionismo desses alemães.

A tal Republica de Weimar foi paradoxalmente a que mais fudeu com a Alemanha pós Primeira-Guerra e que queimou os filmes da democracia ineficiente que alimentava o fanatismo nazista.
A prova de que um povo falido,humilhado e destruido perante ao mundo produziu otimos filmes é de que o sofrimento causa dor e a dor é uma das bases da arte.Seja em cenarios neo-goticos associados à uma psicologia inerente à um enredo sombrio como em "Nosferatu" de Murnau e "O Gabinete do Dr. Caligari" de Robert Wiene ou ao retrato realista condenatorio de "A Ultima Gargalhada"   (um dos filmes mais importantes da historia do cinema),de novo do mestre Murnau,ou do futuristico "Metropolis" de Fritz Lang.
O cinema representava um povo tão sombrio como seus filmes,e  essa ligação filme sombrio/povo zumbi é que assusta até hoje.

Porêm....Pabst e seu "A Caixa de Pandora" é um refresco  dentro de sua fatalidade tão real quanto cínica mostrando os humanos despidos de qualquer hipocrisia.É um filme pós-expressionismo ou até melhor dizer,anti-expressionismo pois contraria todas as caracteristicas do primeiro em favor de uma sobriedade,a favor dos fatos.Esse movimento chamado de Nova Objetividade com grande destaque na pintura e na arquitetura conviveu nos anos 20 com o Expressionismo no cinema,mas Pabst no final dos anos 20 com este filme e "Diary of a Lost Girl" criou o que ele chamou de SEU momento Nova Objetividade em contraste com os exuberantes Lang e Murnau.
O cerne do melodrama não esta mais em uma epopéia esquizofrenica ,mas em uma puta e seus amantes e sua queda de uma maneira ao mesmo tempo divertida como o cinismo confere,e triste como todo o grande ciclo vicioso que se depara com o final infeliz pra cada individuo dependente da sorte em meio à paixões desenfreadas.Não importam mais os cenarios estilizados mas o que interessa agora são os movimentos de camera acompanhando os hormonios de Lulu quando ela corre feliz,saltita excitada,sorri inebriada ou bate em todo o mundo.O que importa é o ser humano.

Louise Brooks não resistiu ao cinema falado mas seu corte se chama Lulu até hoje e seu magnetismo foi descoberto por Pabst depois de meses de procura
Eu assisti um unico filme de Louise Brooks antes desse,"Beggars of Life"(1928),que ela fez nos EUA antes de fugir e que ela mostra um talento incrivel atuando como uma garota que se junta com um mendigo numa fuga pela ferrovia depois de matar o abusivo padastro.Mas em "A Caixa de Pandora" ela se supera e vira um mito se agarrando nos braços de homens fortes,se aproveitando de homens fracos e carregando todos num redemoinho que acaba em jogos,assassinato,fuga,prostituição e um encontro com Jack The Ripper.
Ela tem maldade?Não.O que ela tem é uma sexualidade maliciosa e despudorada tão latente (um "it" perverso de Clara Bow)que inevitalmente é usado pra atingir seus objetivos ambiciosos acompanhado de uma personalidade ciumenta,magnética e promiscua.E é sempre a pessoa "adorável" que se transforma em monstro,como se o amor que um homem sente por uma mulher como ela fosse a pior das maldições(vide "Sunrise" do Murnau e "O Anjo Azul" de Sternberg).E essa natureza feminina de inebriação e capacidade de destruição é representada na figura de Pandora da mitologia grega que Deus enviou com uma caixa repleta de vicios pra castigar a humanidade pelo roubo do fogo por Prometeu.

Nesse filme está  a prova da consolidação de um mito cinematografico influente e importante num contexto social.Até a  Condessa Geschwitz se apaixona por Lulu e possui olhares lesbicos excitantes e quentes o que transforma a sensualidade de uma Gloria Swanson em algo puritano perto da libido de Brooks capaz de atrair e subjugar ambos os sexos.

Pabst usou Louise Brooks para inaugurar uma forma de mostrar o mundo do ponto de vista dos dramas psicosexuais de uma sociedade REAL mas sem esquecer da poética da camera que seria seguido por Renoir,Lubitsch,etc.
Um marco.