quinta-feira, 6 de setembro de 2012

"Um Corpo Que Cai"(1958) - Alfred Hitchcock



Assim como já tinha feito em "Janela Indiscreta"(1954),Hitchcock se debruça de corpo e alma na obsessão.Ao contrário do voyeurismo,o distúrbio da vez é a vertigem,o medo das alturas que começa a assombrar Scottie(James Stewart) após este presenciar a morte de um colega policial enquanto estava pendurado num telhado.
De licença do trabalho,ele é contratado como detetive particular por um antigo amigo seu para que siga sua esposa Madeleine(Kim Novak),obcecada por fantasmas do passado.Quando a loira Madeleine tenta o suícidio na baía de São Francisco e é salva por Scottie,começa uma relação de paixão e angústia,onde fica claro a loucura neurótica de Madeleine,que comete suicídio de cima da torre de uma igreja,sendo que Scottie estava impossibilitado de salvá-la devido a sua acrofobia.
"Um Corpo que Cai" foi uma das obras do mestre em que ele conseguiu acumular todos os elementos para conduzir,não um suspense de matinê,mas o aprofundamento psicológico doentio e obsessivo.Por isso talvez não tenha tido tanto sucesso nas bilheterias,visto que à partir de "O Homem Errado"(1956),Hitchcock estava disposto a abrir um leque maior de possibilidades temático-psicológicas em seus filmes.

Hitch estava disposto a interligar as diferentes elementos do filme numa visão só,numa intenção única:a vertigem e a obsessão
Pela primeira vez a trilha de Hermann estava casando perfeitamente com a intenção do diretor,sendo ela em separada uma paranóia em espiral vertiginosa,onde os momentos calmos são conduzidos por uma melodia de um coração destruído pela perda,mas ainda vivendo um pesadelo.Assim entram os créditos inicias pós-modernos de Saul Bass, em sintonia  com a música na definição do motivo psicológico principal.
O perfeccionismo do ritmo da narrativa é o que continua impressionando,dividindo o filme em duas partes distintas.O uso do recorrente macguffin para enganar o público,acaba sendo toda a primeira hora,onde uma série de mistérios são cuidadosamente desvendados,quase que em tempo real com Scottie,que segue aterrorizado os trajetos de Madeleine.

De repente o suicídio da loira.
Scottie doente e traumatizado com o inexplicável do sobrenatural,quando quase-recuperado,encontra por acaso na rua Judy Barton, uma mulher parecida com Madeleine,porém morena.A abordando,consegue conquistá-la,mas obsessivamente montando uma saudade sua,repaginando toda a mulher pintando os seus cabelos de loiro e comprando roupas idênticas da falecida.


A câmera de Hitchcock explicita ainda mais a intenção que o diretor tinha de descobrirmos por nós mesmos aos poucos as armadilhas da trama(indo do bouquet do quadro,para o bouquet nas mãos de Madeleine por exemplo),nos conduzindo no sentido do  que o detetive vai costurando.Truques visuais são cuidadosamente colocados em momentos dignos de nota:o dolly-out/zoom-in que representa o mal-estar de Scottie nas alturas;a sucessão de cenas surreais no pesadelo de Scottie quando ele despiroca total depois da morte de Madeleine;a ressucitação de Madeleine em Judy,que surge etereamente como um fantasma à partir do verde do neon que se espalha pelo seu quarto;a sucessão de giros que a câmera dá no impressionante beijo em que o background muda de acordo com as lembranças ressucitadas de Scottie;o escurecimento da imagem quando o livreiro conta a estória de Carlota Valdes;enfim uma sucessão de detalhes que convergem para um todo conceitual tão perfeccionista que superou os próprios trabalhos anteriores do inglês.
Até o figurino da sempre presente Edith Head foram dispostos em cores que ressaltavam o clima psicológico/espiritual dos personagens,com o cinza contrastando de forma berrante com os cabelos de Madeleine.

 Como novamente ele faria em "Psicose",Hitch joga com metade da narrativa,matando personagens importantes e repentinamente mudando o sentido que a estória,já envolvente,estava tomando.E essa genialidade de tentar ao máximo,seja em pesadelos surreais ou visões do além,retratar  distúrbios mentais em imagem e som no cinema,foi o que fez Hitchcock no final dos anos 50 começar mais uma nova etapa influente de sua carreira.Usando de todas as possibilidades da cor para construir um ambiente noir sem preto-branco,San Francisco nunca foi um cenário tão participativo na loucura de um dos seus heróis do dia-a-dia,com o vermelho e o verde iluminando a vida íntima de um policial apaixonado e atormentado .

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