segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"A Cruz dos Anos" - by Leo McCarey - 1937

"Um filme que faria até as pedras chorarem" - Orson Welles




Realmente nos anos 30 Leo McCarey nos presenteou com uma obra cuja sensibilidade e humanismo em plena era da depressão e da desvalorização familiar não era só essencial,como tambem digna de reflexão.A historia de dois velhos pais que são desterrados pelo banco e ignorados pelos filhos só encontrou obra passivel de comparação em 1953 com "Era Uma Vez em Tóquio"(1953) de Yasujiro Ozu,roteirizado por Kogo Noda que assistiu "A Cruz dos Anos" em 1937,que por sua vez teve grande sucesso no Japão.A diferença mais crucial portanto é que no filme de Ozu os pais são vitimas do esquecimento dos filhos diante do homem moderno e suas ocupações enquanto que no filme de McCarey os pais não são só vistos constantemente como obstaculos,mas têm suas vidas separadas para sempre.

O filme começa com o casal de idosos interpretados pelos veteranos e excelentes Victor Moore e Beulah Bondi reunindo os filhos para contar a tragica noticia de seu despejo.Os filhos passam essa situação de um para outro decidindo por ter que separar os pais pela "impossibilidade" de cuidar dos dois juntos de uma vez,ficando  a mãe na casa do filho George(o excelente Thomas Mitchell) e o pai na casa da desprezivel filha Cora( a inglesa Elizabeth Risdon),a milhas de distancia.

Dificilmente nos anos 30 a câmera ficou tão a serviço do seu excelente elenco e suas sensiveis atuações num tema moderno à epoca,do ponto de vista social,e tão pungente,mostrando o humanismo de seu diretor.Os velhos são vistos como impertinentes como na cena em que a mulher de George tenta dar uma aula de bridge enquanto a velha mãe faz barulho na cadeira de balanço;quando ela atende o telefone e com uma voz alta conversa com seu distante marido,os elegantes alunos assistem e escutam no background mudando suas expressões do amuo à tristeza a medida que vão sentindo  a dor e a angustia na voz da velha senhora.Ou quando ela encontra na correspondencia a carta do asilo e a câmera acompanha sua face triste com a chegada de George para dar a noticia,sendo interrompido pela renuncia da propria ao perceber a impossibilidade de continuar com seu velho amor ou de ser realmente amada por quem se ama,seus proprios filhos.A neta barulhenta e putinha que a abandona na sal de cinema pra se relacionar com um homem mais velho,os valores modernos eram tratados sem receio como nas grandes obras de McCarey.O casamento moderno e seus superfluos valores de George junto com os problemas financeiros e a neura egoista de Cora que põe seu pai doente pra dormir no sofão ,o transferindo para a cama após a chegada do médico,são retratos sociais que mostram a indiferença familiar a que  estava sendo conduzida o mundo naquela época,até o caos total do pós-guerra.


Quando eles se encontram para uma despedida antes da viagem do velho para California para motivos de saúde(na verdade uma desculpa para Cora o abandonar),McCarey os coloca lado a lado de braços dados num passeio final em que as horas tem que ser contadas,num desespero apaixonante de dois jovens amantes.A lembrança dos velhos tempos surge na visita de ambos ao hotel onde passaram sua lua-de-mel,onde são bem atendidos,onde a valsa é retocada para dançarem...onde a nostalgia e o amor na vida de duas pessoas condenadas ao esmagamento que o desprezo causa no destino de dois velhos,toma corpo na forma de lagrimas de quem assiste.
Aquela honestidade,solidariedade e compaixão dignos do humano mais sensivel e que não se encontra em seus filhos,ironicamente toma corpo nos desconhecidos como o vendedor de carro que promove uma tour pela cidade,o funcionario do hotel,ou o dono do armazem Sr. Reubens(que não consegue conter ao choro ao ler a carta,e em seguida chama sua mãe por pelo menos poder avista-la após ser testemunho de um terrivel descaso).Leo McCarey fez o filme logo após seu pai morrer,e se encontra tal familiaridade na entrega de alma que o diretor oferece atraves da despedida de um trem,triste como nenhuma despedida....

domingo, 13 de novembro de 2011

"Diabo a Quatro" by Leo McCarey - 1933

 Anarquia cômica sonora e visual.

Em 1933 a inclusão do som e da fala no cinema teria uma reviravolta na comédia mundial com Groucho Marx usando de ofensas,atitudes non-senses e tiradas inteligentes de forma debochada  e seus irmãos Harpo e Chico,donos de incriveis e perturbadoras gags visuais.

Leo McCarey ,um californiano,começou sua carreira como assistente de Tod Browning nos anos 20,(Browning foi diretor de obras-primas como "O monstro do Circo"(1927))antes de assumir a cadeira em produções cômicas de Hal Roach.
McCarey na época teve a importante decisão histórica de unir Stan Laurel e Oliver Hardy e criou o "O Gordo e Magro",a maior dupla comica do cinema.
O estilo cartoonesco adotado por McCarey em curtas da dupla como "We Faw Down"(1928) e "Liberty"(1929),junto com as experimentações surrealisticas que exercitou em dois curtas que dirigiu do comediante Charley Chase,são utilizadas em prol da originalidade do humor dos Marx.Um dos filmes de Gordo e Magro supervisionado por Leo McCarey ja se chamava "Duck Soup"(1927),uma giria que poderia ser vista como "facil de fazer,ou "barbada"...uma duck soup.

Groucho Marx faz Rufus T. Firefly,o lider anarquico e ditador da nação de Freedonia escolhido pela rica Mrs.Teasdale(a sempre vitima de Groucho,Margaret Dumont),que sofre tentativas de sabotagem do embaixador Trentino(Louis Calhern),de uma dançarina e dos espiões atrapalhados Chicolini(Chico Marx) e Pinky(Harpo Marx).
Groucho se sobressai de forma genial como um metralhadora de frases inteligentemente ofensivas e de conotação sexual onde dança,canta,insulta,da tapa na cara...seu numero cantando  "Just Wait 'Til I Get Through With It"onde desfila as leis ditatoriais de seu Estado como permissão de adulterio,aumento de impostos,etc. tudo de forma tão hilaria é tão genial que Mussolini proibiu o filme achando que fosse diretamente direcionado a ele.Talvez a ascenção de Hitler na Alemanha e Mussolini na Italia ligado a Depresão de 1929 contribuiu pro filme ser o menos favoravel economicamente dos filmes dos Marx.Tirar sarro de tudo isso rendeu um flop nas bilheterias e um desacordo com a Paramount,onde eles ja haviam filmado alguns ótimos filmes.Apesar dessa sátira politica conseguir atingir apices de brilhantismo de ironia denunciativa,a história é pano de fundo para o humor verborragico e ofensivo de Groucho em contraste com o humor visual de Chico e Harpo(que fala com buzinas e utiliza tesouras para cortar tudo o que vê pela frente).


A experiencia de MacCarey em conduzir gags e experimentar novas possibilidades são devidamente equilibradas com grandes canções escritas por Bert Kalmar e Harry Ruby como a incrivel cena após o absurdo julgamento de Chicolini onde todos cantam "This Country's Going To War",inclusive o irmão Zeppo em sua ultima aparição;cena usada como elixir de otimismo no final de "Hannah e Suas Irmãs"(1986) de Woody Allen(diretor que tambem filmou "Bananas"(1971) que muitos consideram uma homenagem sequencia de "Diabo a Quatro").A incrivel gag do chapéu do vendedor de amendoim(Edgar Kennedy),cuja velocidade e sincronia de movimentos faz com que chapéis sejam trocados e a vida do vendedor destruida( a cena da banheira é engraçadissima);a tatuagem viva de Harpo;a cena do espelho,uma aula...imitada em varias midias;e o final na guerra onde Groucho encontra o auge da inspiração desfilando em diversos uniformes,de escoteiro-mestre a soldado sovietico até a cena final,uma obra-de-arte,um dos melhores finais de todos os tempos(como MacCarey sabe fazer como ninguem).
Um filme onde a coleção de frases geniais é grande e que mostraria o caminho pra futuras comedias numa transição dos comediantes da era muda pra nova geração da era falada.Uma comédia importantissima pra historia do cinema.

domingo, 6 de novembro de 2011

"Uma Janela Para o Amor" by James Ivory - 1985

A união do americano James Ivory,o produtor indiano Ismail Merchant e a roteirista alemã Ruth Prawer Jhabvala resultou em pelo menos 4 grandes filmes perfeccionistas e absolutamente perfeitas adaptações de romances.
Parece ser uma grande melosidade,filmes de época ingleses não encontra lugar na exigencia dos jovens brasileiros por exemplo,mas James Ivory e suas produções são nomes a serem considerados e não só por adoradores do Oscar cujas varias estatuetas foram para seus filmes,alêm das indicações é claro.
O livro de E.M Forster foi escrito em 1908 na época em que o Rei Eduardo VII incentivava as artes e o sufragio feminino numa transição da sociedade inglesa visando a modernidade.
E claro,ingleses jogando tenis nos gramados ao sol eram imagens frequentes desse periodo.

Miss Lucy Honeychurch é um exemplo de garota que encontra a liberdade de escolha,o poder e a possibilidade da escolha em meio a sua descoberta sexual.O começo em Florença onde Lucy se encontra como turista com sua prima Charlotte(a tipica inglesa conservadora interpretada pela sempre competente Maggie Smith)em um hotel cujas presenças de diversoso outros personagens são compartilhadas,como os turistas ingleses Mr Emersom(um desbocado progressista fã de Thoureau) e seu filho George(absolutamente filosofico e aventureiro a ponto de extremas divagações),alêm do vigario malicioso Beebs(o sempre otimo Simon Callow),as duas velhotas Allans e a escritora libertaria Eleanor Lavish(que puta aparição de Judi Dench,cada momento seu é sublime) de uma importancia quase que metafisica no enredo final do filme,que leva Charlotte para uma divagação sobre o fogo escondido em Lucy numa viagem por Florença sem o Baedeker.
Após a visão da violência num homem esfaqueado (numa cena que me fez lembrar "O Atalante" de Jean Vigo)ela é acolhida por George e atraida por seu jeito selvagem.
Nota-se que o trunfo da produção do filme vai do figurino à direção de arte,a direção de Ivory tem o trunfo de harmonizar a edição e a fotografia a ponto de apresentar seus personagens através do estilo quadrinesco-literario que a sétima arte pode alcançar como ponto maximo de equalização com a literatura e o modo de se digerir um historia sem contar com excessos cansativos ou bordas gordurosas.
Os filmes de Ivory são polidos mesmo transpondo na decada de 80 um romance cujos temas ja eram pouco ligados por si só à contemporaneidade,mas que devem ser julgadas dentro da sua proposta.
Se direcionar ao romance e aprofundar tudo o que estiver ligado a ele,não importa se moderno ou não.
Prazeroso é ver Bonham-Carter linda como nunca em seu debut detonando como Lucy,uma mulher no fio da navalha entre o conservadorismo tedioso de se casar com Cecil Vyse(Daniel Day-Lewis,cuja atuação sublime lhe alçou ao patamar dos grandes talentos),que não sabe beijar,não sabe o que é uma mulher,não sabe jogar tênis...
Valores individuais são jogadas pro alto no romance de E.M. Forster que queria retratar a transição feminina à época, a queda da Belle Époque e dos costumes aristocraticos eram iminentes num comportamento mais a favor do livre -arbitrio feminista.Como Ivory nos mostra de forma brilhante no paralelo do beijo com pegada,demorado e verdadeiro de George em Lucy em meio as flores,com o beijo de Cecil,engraçadissimo,torto,seco e erratico.
Bonham-Carter passa de forma descomunal a tensão sexual e a dúvida do comportamento a favor do desejo verdadeiro de querer seu homem verdadeiro.E o final na janela com uma vista exala de forma orgasmica o final triunfante de uma mulher representando uma época,veja aí a riqueza de profundidade que seus personagens principais adquirem.
James Ivory é a prova através de suas adaptações que o cinema não é só travellings e piruetas mas a conjugação de musica,edição e fotografia(alem de figurino,direção de arte...)para se contar uma boa historia sem a pretensão senão de contar uma boa historia.
A de uma garota cujo Beethoven tocado com um fogo no piano,lhe falta na vida real.
Um terno,profundo e engraçadissimo filme.Importante!

"A Rotina Tem Seu Encanto" by Yasujiro Ozu - 1962

Nesse ultimo filme de Ozu o Japão pós-guerra que serviu de pano de fundo e catalisador das situações de "Era Uma vez em Tóquio",sua obra-prima,encontra aqui a exata personificação do modernismo como objeto de retrato do olhar de Ozu.Os quadros que intercalam as imagens que compõem a historia principal e que são cuidadosamente construidos com chaminés industriais simetricamente verticais,os cartazes luminosos e pisca-pisca da cidade,os corredores,todos esses com uma significação pictorica,são em si só um filme dentro de um filme.Alias uma das maiores qualidades de Ozu era compor esses quadros,que ja diziam muita coisa por si só.São eles por si mesmo a visão critica do diretor em relação ao desgaste de valores familiares no mundo moderno e a  guerra repetidamente  se mostra o motivo principal pela qual Ozu culpa essa mudança.
Em 1962 Ozu dá seu ultimato juntando temas que recorrem à solidão,à velhice,à manutenção dos laços familiares,como na maioria de suas obras-primas.Porêm em meio a reunião de Shuhei e seus amigos assuntos como remedio para "animar",a inveja do amigo que é casado com uma jovem mulher,tudo são temas que Ozu incorpora da onda de modernidade que estaria ainda para surgir com mais força,mas a qual ele não sobreviveria.
Ao mesmo tempo que conta a historia do viúvo Shuhei e sua indecisão de arranjar ou não o casamento para sua linda filha Michiko,visto que só ela e o filho mais novo são seus companheiros pós-viuvês,Ozu sobrepõe cenas do casamento de seu filho mais velho Koichi repleto de situações tipicas do casamento moderno e do feminismo latente,com discussões sobre onde e como colocar o dinheiro de cada um,brigas e decepções.Genial o modo imparcial ou ironico como Ozu distribui suas ideias de casamento,com a possivel futura esposa Koichi estando muitas vezes como observadora passivel,até se divertindo com as birras de seu irmão e sua cunhada,ao mesmo tempo que um casamento esta sendo arranjado pra ela de forma apressada,colocando Koichi até mesmo como uma possivel vitima de um virus anti-social e anti-tradicional moderno.Esse equilibrio entre ironia e denuncia é acompanhado brilhantemente pela musica do subestimado Kojun Saitô.A epifania de que o certo é ver o lado da filha primeiro,vem depois do reencontro de Shuhei com o professor Sakuma(o ótimo ator Eijiro Tono) e descobrir o modo como Sakuma se entregou aos cuidados da filha após sua mulher ter morrido,destruindo indiretamente qualquer possibilidade de vida amorosa dela.O receio de possiveis semelhanças com Sakuma é acarcado com os conselhos repetitivos de seu amigo Kawai,"Você esta a caminho do mesmo...". A lembrança de algo que não volta mais ou o valor dessa lembrança,vem na figura do amigo de guerra que lembra a derrota na marcha da jukebox.


O filme lembra em muitos aspectos aquele que eu considero seu segundo melhor filme,"Pai e Filha"(1949),porêm como ja dito Ozu incorpora a cor como nunca aqui.Nota-se um perfeccionismo ao mesmo tempo que meticuloso,brando;sem qualquer neura ou paranóia.As cores das chaminés,dos neons,dos tonéis distribuidos em pilha pela cidade,dos objetos posicionados inteligentemente pelo espaço,seriam um componente a mais em possiveis filmes futuros do mestre em prol do retrato avassalador do consumismo amoral anti-familiar.A obra de Ozu ,parece clichê dizer,é uma lição de convivencia,uma lição de convivio que não se degusta mais na sociedade moderna.É o tipo de arte e ensinamento oriental que calmamente te conduz através da realidade pra reflexões absurdamente reveladoras e comuns vindo das decisões em prol do bem de quem se ama;seja na cena em que a filha de Sakuma derrama lagrimas ao ver o pai bebâdo como um motivo sem culpa de sua frustração ou na solidão final de Shushei,tendo mais uma vez Chishu Ryu como o iconico interprete do herói pai de familia vitima do distanciamento e da incomunicabilidade do homem moderno na terceira idade.

"Conspiração do Silêncio" by John Sturges - 1955

Planos abertos e edição frenética mostrando um trem chegando num vilarejo no meio do oeste americano.
Nenhum trem para ali ha anos,todos os moradores perplexos saem das casas pra ver quem vai desembarcar.
Quem desembarca?
Spencer Tracy com um braço só.

Durante o McCarthismo a paranóia se apoderava em Hollywood com varios de seus artistas vitimas do "caça as bruxas".Todas essas vitimas foram conjugadas em Macreedy,um senhor que perdeu o braço na Segunda-Guerra e desembarca na remota Black Rock para entregar uma medalha à um desaparecido fazendeiro japonês.
A causa desse desaparecimento parece preocupar Smith e seus capangas que lideram a cidade na base do medo e da violencia.Quando Macreedy pões os pés na cidade,os homens terrivelmente durões de Smith começam a atormenta-lo.
Terrivelmente durões?
Sim,quem manja do universo cinematografico sabe que Ernest Borgnine e Lee Marvin eram fodas.
Aqui Borgnine consegue um troco ainda melhor que a facada de Montgomery Clift em "From Here to Eternity" antes de se redimir da maldade no humanamente terno e revolucionario "Marty" de Delbert Mann,do mesmo ano.
Porêm se há algo que apenas o cinema pode oferecer é um vilão interpretado por Lee Marvin.A presença de Marvin no cinema é algo violentamente significativo na cultura pop-artistica contemporanea,o que se revelaria em papéis sublimes posteriores com filmes de Aldrich,Fuller,Ford,Boorman...só pra citar alguns.

Agora imagine um invalido sofrendo nas mãos desses caras a todo minuto.

Aí é que entra a atuação de Spencer Tracy(ganhadora do prêmio em Cannes) onde cada olhar é significativo,cada gota de suor escorrendo da testa é convidativa à tensão do espectador.
Um personagem que sente medo sim,como Gary Cooper em "Matar ou Morrer",por enfrentar a covardia e a desvantagem;mas que se mostra misterioso o suficiente a ponto de desvendar certas habilidades como brigar,pliotar um jeep numa perseguição,ou improvisar um molotov...tudo com um braço.
Uma história tão visceral,tão denunciativa(mesmo que simbolicamente),e que se sobrecarrega da tensão vinda do medo que o homem tem da violencia do proprio homem,a eminecia da morte aqui encontra um status artistico dentro do modo como John Sturges conduz a narrativa.Sturges se mostraria mestre em tensão,violência e sobrevivencia em filmes absolutamente dignos de um lugar no museu das emoções viscerais transformadas em arte.Obras como "Sem Lei,Sem Alma"(1957),"Duelo de Titãs"(1959),"Sete Homens e um Destino"(1960) e "A Grande Escapada"(1963).

Uma das maiores obras a retratar a paranóia do pós-guerra nos anos 50,"Conspiração do Silencio" é uma puta crônica.Onde rostos te encarando a todo momento são apenas mascaras de gente fraca não sabendo lidar com uma responsabilidade criminosa provindo do preconceito e da ignorancia patriotica.
Politicamente contemporaneo à sua época.

"Quero ser John Malkovich" by Spike Jonze - 1999

Em 1999 esse foi o ápice da originalidade cinematografica.
Um filme sobe um titereiro que descobre o portal para a mente de John Malkovich.
Quem é John Malkovich?
O primeiro roteiro de Charlie Kaufman,uma das mentes mais brilhantes a surgirem em meio ao repetitivo meio cinematografico norte-americano do final da decada de 90.
Um roteiro passado pra tras por varios,uma historia absurda,e de pouco apelo comercial.
Chegou nas mãos de Copolla e esse passou pro seu genro Spike Jonze,um diretor de videoclipes.
Videoclipes?!
Sim,o que seria mais apropriado senão uma cria do mundo surreal da MTV?
Não se mostrou apenas apropriado,mas surpreendente.
Seria a escolha certa pra conseguir fazer alguem cair do nada na auto-estrada de New Orleans,filmar o ponto de vista de um chimpanzé   tendo que salvar seus parentes da captura de caçadores,ou fazer varias personas malkovichianas se esbarrarrem num restaurante...mas o mais incrivel foi a habilidade Jonze de manter o pé na realidade em uma sobriedade que equilibra todo o aspecto surreal da trama numa sensação de veracidade e realismo,como se aquilo pudesse realmente acontecer.
Se o roteiro de Kaufman é responsavel pela parte teórica e espiritual  do desenvolvimento de seus personagens,Jonze é responsavel em dar vida à esses personagens dirigindo seus atores de forma tão magistral a ponto de fazer alguns sairem de sua costumeira persona cinematografica.
Como Cameron Diaz,aqui toda relaxada e de cabelo desgrenhado;assim como uma atuação impressionante de John Cusack com seu jeito largado passando a sensação de fracasso e frustração suficiente para que haja uma identificação profunda com seu aspecto deploravel de artista sem apoio estrutural.
John Malkovich acaba sendo um personagem interessante por si só com a atuação deste indo da comica auto-referencia inicial até o brilhantismo de quando é manipulado pr Craig.

As metaforas visuais são usadas em prol de questões referentes ao desejo obscuro de se estar na pele de alguêm,de se manipular uma pessoa a beneficio proprio.
A cena introdutoria do filme ja é uma mini obra-de-arte,com  a marionete de Craig dançando a dança do desespero em movimentos que refletem(como na cena em que o boneco olha pra cima em direção ao seu manipulador)toda a alma conturbada de Craig.
E por mais que passe os anos o frescor ainda continua.
E se até hoje a falta de originalidade é um grande pecado recorrente no mundo artistico do cinema norte-americano isso não se deve nem a Jonze e nem a Kaufman,que juntos meio que inauguraram uma série de filmes metalinguisticos e metaforicos envolvendo a mente e as emoções humanas.

"Quero Ser John Malkovich" é um filme que te manipula como uma marionete do começo ao fim.

sábado, 5 de novembro de 2011

"A Festa de Babette" by Gabriel Axel - 1987

A pessoa de Isac Dinesen,escritora do livro no qual o filme é baseado,está fortemente ligada à adaptação de Axel,visto a presença constante de uma narradora e o caráter estritamente literario do roteiro.Axel conduz a historia com a complacencia do preparo ao esturpor final de um Dreyer de "Ordet"(1955),uma das grandes contribuições dinamarquesas para o cinema.A mudança do vilarejo  com casas coloridas da Noruega do livro para um cinzento amontoado de tijolos num constante céu nublado da Jutland aumenta o exilo,a solidão e a alienação a qual seus habitantes vivem.

A descrição inicial das irmãs após um plano aberto desse minusculo vilarejo ja fortalece a situação de austeridade moral quando seus nomes são apresentados:Martine(batizada após Martinho Lutero) e Phillipa(batizada após Philip Melanchton).
Aquela comunidade aparentemene soturna é embalada pela esperança da fé em reuniões tristes compostas por gente velha e feia.
De repente a aparencia selvagem de Setephane Audran e sua Babette(escolha sugerida por Chabrol,seu ex-marido).
A sua origem em meio a um ecossistema tão estranho é explicada por um brilhante flashback que mostra as duas irmãs no auge da beleza dinamarquesa onde eram adoradas por jovens,e o destino que elas tiveram na vida de um general e um cantor de ópera.
A presença constante do pai ,tido como um lider daquela sociedade,reprime qualquer possibilidade de relacionamento e é claro que elas querem sexo.
Um jovem soldado sueco foge do estilo de vida levado por elas mas nunca esquece de Martine.
Nota-se o lado imparcial e levemente ironico que Axel filma os diversos personagens estereotipados,do pai pastor às exageradas continencias do soldado,ironia que traz ao filme um grande toque comico até a libertação final.
Mas a aparição mais fulgurante artisticamente é de um tenor que se enamora da voz de Philippa na igreja e pede a seu pai que lhe conceda dar-lhe lições de canto.Essas lições representam o tronco estutural de um dos temas abordados,a arte;alêm da vida e da religião.As aulas de canto são cenas de um sublime apuro artistico,o que releva  condição do cinema sueco e dinamarques como obras absolutamente sensitivas.Nós entendemos a paixão do tenor e do soldado,as garotas dinamarquesas são lindas;e assim como entendemos a paixão acabamos por entender a repressão sexual e religiosa na qual elas vivem sem perceber.

 Ambos o tenor e o soldado vão ter as suas vidas e 35 anos depois,após a morte de seu pai(que se tornou praticamente o messias daquela sociedade)elas recebem em casa Babette,fugida da França,a pedido do tambem envelhecido tenor.
Babette se mostra servil por 14 anos até o principal mote do filme acontecer:Babette ganhar 10.000 francos na loteria.
Martina  e Philipa se tornaram herdeiras de seu pai no comando religioso da comunidade,ambas com atitudes quase iguais as de um anjo.
Só o fato de Babette ser uma mulher fugida da França,cujo marido e filho foram assassinados,ja demonstra não ser ela uma pessoa qualquer.O deslumbre final fica por conta de um banquete de despedida oferecido por Babette antes de ela retornar a França após ter ganho o prêmio.Depos de desembarcar codornas,tartarugas e uma poção de especiarias e bebidas caras pra deslumbre dos austeros moradores serventes da humildade daquele minusculo vilarejo,o assombro toma conta das irmãs que profetizam o ato final e diabolico de uma pessoa que veio não se sabe porque ou daonde.
Se todo o retrato da fé e religião é visto como opressor e anti artistico,a surpresa da descoberta de quem é Babette se mostra na tão falada festa dada aos discipulos do falecido pastor na data de seu aniversario de morte.E é deslumbrante ver todos aqueles velhos irritadiços que apena mencionam a Biblia descobrir a cada minuto da festa o quanto a verdadeira libertação se encontra na paixão,no amor e na boa comida.
A cena do banquete é uma aula de interpretação e simbolismo.Com a presença do soldado agora coronel,antigo amor de Martine e suas observações auspiciosas e experientes sobre codornas no sarcofago e uma cozinheira magica do Cafe Anglais.Depois do café com licor,o beijo na boca e o excelente céu estrelado em contraste com os telhados pitorescos se reunem em prol da celebração da vida como ela dever ser,com o fogo do vinho fazendo antigos conhecidos cantarem de mãos dadas em volta do poço.
Um dos mais belos filmes dinamarqueses desde Dreyer(vejam o modo como Axel nos traduz a fé nos olhos de uma discipula procurando Deus no firmamento),"A Festa de Babette" traz no final uma daquelas epifanias otimistas que poucas obras conseguem trazer.
Mesmo que a realidade daquelas pessoas sejam diferente das nossas,sabemos que temas como fé,arte e vida são universais.A grande mensagem é,não se deixe levar pela alienação hipocrita,o grande viver está no viver sem medo,muito menos medo de Deus.O verdadeiro amor é que salva.

Eu não sei se acredito em Deus,mas acredito no cinema dinamarques.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Tampopo-Os Brutos Tambêm Comem Spaghetti" by Juzo Itami - 1985

 Juzo Itami é considerado por muitos o maior diretor artista japonês desde Akira Kurosawa.Um titulo brilhante visto que depois de atuar em filmes diversos ele começou a dirigir aos 50 anos em 1984 com o filme "Ososhiki".
Mas ao analisarmos essa brilhante obra que foi o seu segundo filme,percebe-se  o uso de diversas vertentes estilisticas ocidentais em contraste com qualquer rigor oriental contemplativo;realmente sua maestria tecnica de contar uma historia com a camera e manter uma narrativa coesa com o uso diverso das mais variadas ferramentas cinematograficas é o mais proximo de um Kurosawa que o Japão se propos a oferecer.
A influencia de Itami é o cinema,e sua possibilidade de contar uma verdadeira historia com as mais variadas emoções.Se o "Tampopo" é considerado um western-spaghetti por reverenciar diversos recursos estilisticos de Leone ou conter as qualidades narrativas de tal gênero,surge a pergunta:
Da onde vem a origem da influencia?
Se os filmes de Leone eram totalmente tributos italianos ao um genero americano inspirados pelos filmes de samurai de Kurosawa?

"Tampopo" é a prova viva de que as influencias artisticas transcorrem como ondas no inconsciente coletivo.Um filme gastronomico que usa o talharim como mote satirico do diretor em sua visão dos costumes da sociedade japonesa.O talharim e sua mega-popularidade é o cerne da historia central em que Tampopo(a excelente atriz e mulher do diretor Nobuko Miamoto) é dona de um restaurante cujo talharim é feito com total despreparo.
Com a chegada de Goro(Tsutomo Yamazaki,um forasteiro a la Clint que em vez de chegar a cavalo chega num caminhão)e seu ajudante Gun(um jovem Ken Watanabe),sua vida passará por uma transformação evolutiva dentro da arte de se preparar um noodles.Por cuidar de Goro depois dele defender ela numa briga perdida,ele aceita a dificil decisão de ajuda-la a achar a receita perfeita pro seu talharime pro visual de seu restaurante(numa especie de Gordon Ramsay japones),encontrando nessa curiosa jornada diversos personagens pitorescos,ironicos e profundos.

O filme é vendido como uma comédia,mas não é uma comedia de apelo comico-visual,o humor vem do modo sagaz e ironico do diretor em relação aos seus conterraneos(de gangsters da yakuza à mendigos) e ao modo como a comida e seus prazeres podem ser inseridos dentro de uma sociedade.
A introdução do filme ja é por si só criativa,com uma sala de cinema onde um gangster de terno branco começa a conversar com a camera perguntando "O que vocês estão comendo agora?".
De repente as luzes se apagam e a historia de Goro e Tampopo se desenrola na tela grande.
Essa metalinguagem de cinema dentro do cinema e arte dentro da arte continua logo apos os creditos iniciais quando percebemos que a excelente descrição artistica de como se comer e apreciar um prato de talharim por um mestre ao seu aprendiz nada mais é que um livro lido por Gun.
 A qualidade do cinema japonês de filmar rituais cotidianos como se fossem eles mesmo uma arte é usada aqui como uma saudavel auto-parodia,como o modo em que os restaurantes levam a serio suas receitas,o seu preparo e o profissionalismo de seus restaurantes.
O alimento na vida social é retratado de forma surreal em diversas vinhetas que intercalam a historia principal.Tais vinhetas fogem do aspecto western da historia de Tampopo e são misturadas com o amalgama estilistico presente na mente de Itami e com o surrealismo perversamente ironico de um Buñuel,só pra fazer uma comparação.Aspectos vistos como uma cronica-social tendo como base a alimentação do homem moderno.
Como uma das principais qualidades do brilhante roteiro,escrito pelo diretor,está tambem o modo como ele intercala essa vinhetas com a vida de outros personagens dando uma sensação de vida corrente,como se tudo tivesse acontecendo ao mesmo tempo, o que é reforçado com a presença constante do trem.
Por exemplo:o subordinado que dá um show de conhecimento culinario num restaurante chique em contraste com o descaso de seus superiores em relação ao cardapio ja é intercalado(com a camera seguindo o maitre)com a outra parte do restaurante onde temos uma aula de etiqueta sobre como sugar um talharim sem fazer barulho;o gangster(do inicio do filme e que reflete o lado erotico-violento-perverso da comida)que faz sua amante atingir o orgasmo com uma gema de ovo seguido de uma cena simbolica envolvendo sangue,ostra e...tesão;o homem com dor de dente que após se livrar da dor e ter a possibilidade de degustar loucamente um sorvete ajuda um moleque com uma placa no pescoço dizendo:"Só como alimentos naturais,mensagem da minha mãe.";a mãe de familia que cozinha sua ultima refeição antes de morrer;todas historias conduzidas com uma maestria original e brilhante.

Se ha uma forma de qualificar o filme de modo geral é:
um grande trabalho artistico,original em seu tema e fruto de um auteur provindo de uma geração que costumava usar uma colcha de retalhos do cinema dos mestres.A emoção que o diretor consegue tirar de um bando de mendigos cantando em homenagem ao seu benfeitor,a homenagem chapliniana na cena em que um desses mendigos entra clandestinamente num restaurante pra fritar um omelete de arroz, a violencia,o amor,o humor, todas as emoções são extraidas por Itami de sua propria historia assim como o os mais diversos termos da linguagem do cinema de verdade.Meu texto é pouco pra aprofundar todos os temas tocados por Itami,mesmo que levemente.

Se reverencia Kurosawa,Leone,Buñuel,Ford(como nas brigas de soco,ou na despedia final do herói) ou até mesmo Kubrick(no modo como posiciona as lampadas em prol de um cenario autentico artisticamente e na trilha sonora) não importa.O que importa é que Juzo Itami é um nome a ser reconhecido e reconhecido pelas novas gerações,e que seu segundo filme é uma das principais obras a surigirem do universo cinematografico nos anos 80.
A cena dos creditos finais resume a origem de tudo o que o filme se propos a relatar a seu modo:a veneração da humanidade pela comida e sua conotação quase que sexual.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"Apertem os Cintos......O Piloto Sumiu!" by David Zucker,Jim Abrahams e Jerry Zucker - 1980

A Revista Mad nunca exerceu uma influência tão grande no mundo do cinema como em David Zucker,Jim Abrahams e Jerry Zucker e sua obra-prima "Apertem os Cintos,o Piloto Sumiu!".
A catarse anárquica de situações díspares e esquetes satiricos provindo de todas as partes e dialogos,possui uma influencia na posterior comedia norte-americana em outras grandes obras do coletivo ZAZ como "Corra que a Policia Vem Aí!"(1988),até os derivados caça-niqueis nauseantes como "Disaster Movie"(2008).
A Mad tinha o habito de satirizar em seus inteligentes quadrinhos os blockbusters de sucesso,com cada quadro apresentando uma piada em cima de um clichê ou anarquisando o conceito geral da obra tida como "séria".
Assim ZAZ fez aqui,com referências culturais diversas à filmes de catastrofe tão comuns na decada de 1970,misturadas com diversas outras citações que vão da excelente cena remetendo aos "Embalos de Sabado a Noite"(1977),à "Tubarão"(1975),como na cena introdutoria(filmes,aliás,que recentemente tinham derramado sua magica na tela grande).

Não há momento sem piada e não há ritmo igual ao trio de diretores assim como a facilidade em transformar em observações irônicas piadas pré-Farrelys,como o piloto pedófilo,a frase "Prefiro preto,como os meus homens" dita por uma criança,mais crianças doentes(na sensacional cena do violão),freiras,negros falando seu proprio "dialeto",religiões..dentro do cenario de um avião em queda após  o desmaio dos pilotos por terem comido peixe.

A genialidade do filme em não poupar o espectador em nenhum segundo de piadas visuais toma personalidade na aparição absolutamente fora do lugar comum de Stephen Stucker e seu personagem Johnny cujas aparições delirantes resumem conclusivamente o espirito non-sense da falta de linearidade e interrupção do humor de comic-con que o filme nos brinda atraves da linguagm da sétima arte.

Muitas das ferramentas estilisticas cinematograficas ja usadas a epoca a exaustão em prol da proliferação de clichês são revistas e chacotadas com competencia tecnica como zoom-ins melodramaticos,planos sequencias,trilha sonora previsivel(aqui dentro do mesmo espirito satirico do filme numa excelente composição de Elmer Bernstein)...assim como personagens e situações comuns no subconsciente pop,principalmente depois da chegada avassaladora da televisão.
O primor do profissionalismo dos envolvidos vão da seriedade forçada mas convincente de suas atuações,do sempre impassivel Leslie Nielsen num papel que lhe renderia quase que uma aura icônica em trabalhos posteriores,o heróico passional Robert Hays(numa dança travoltiana impecavel),a heroina Julie Hagerty(numa incrivel candice patética),assim como Lloyd Bridges cheirando cola e Robert Stack auto-ironizando o machismo idolatrado do herói salvador.
Só constata mais ainda o valor de obra surreal cômica fundamental do seculo XX as intervenções do imaginario sendo atropelado pelo real como nos lampejos de genialidade de Kareem Abdul-Jabbar sendo reconhecido pelo moleque assediado por Peter Graves(da serie original de "Missão Impossivel") e Ethel Merman como uma tenente enlouquecida que pensa ser Ethel Merman.
Um filme detalhistico,excelente com maconha,salgadinho e pé descalço no carpete....mas detalhistico.           .

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"O Veludo Azul" by David Lynch - 1986

Um dia David Lynch sonhou com um titulo: "Veludo Azul".
Um dia David Lynch imaginou uma orelha humana perdida no gramado.
Um dia David Lynch,quando criança,chorou ao ver uma mulher nua correndo pela rua desesperada.
Um dia David Lynch teve o obscuro desejo de espiar uma mulher de dentro de um armario e descobrir pistas de um crime.
Um dia ele ligou isso com a imagem da orelha e o titulo Veludo Azul atraves da canção homonima "Blue Velvet" de Bobby Vinter,retrato de uma doce geração.

Ironizar o "american way of life" foi o próximo passo depois do subestimado "Duna"(1984) e de ter feito sucesso cult com "Eraserhead" (1977),e figurado entre o mainstream com "O Homem Elefante" (1980).
As cercas brancas rodeadas por rosas vermelho-vivo,as crianças brincando no gramado,o bombeiro acenando para nós,e todo esse otimismo pregado pela alienação social norte-americana não é dessa vez invadido por um psicopata como em "A Sombra de uma Duvida"(1943) de Alfred Hitchcock ou "O Estranho"(1946) de Orson Welles;nem tão devastadoramente destroçada emocionalmente como nos posteriores filmes de Sam mendes como "Beleza Americana"(1999) e "Foi Apenas um Sonho"(2008).Aqui Lynch prefere defrontar o bem com o mal dentro do que seria a visão dele desses opostos pertencentes a qualquer ecossistema,do pré-fabricado ao natural.
Se a idealização da felicidade utópica é corrompida por um ataque(do pai de Jeffrie,causa da sua volta),e um ninho de insetos nojentos sendo usados como metáfora para o que se esconde por tras da fachada de um lindo gramado,assim como um cachorro brincando com o dono enquanto esse pode estar morrendo é o que se esconde por tras de um aparente amigo fiel;vemos que Lynch mostrará atraves de simbolismos o confronto entre esses dois pólos.
Através de uma orelha humana descoberta por Jeffrie no quintal,como que um portal ela nos levara junto com ele numa odisseia de aprendizado da vida como ela realmente é e pode ser:o mundo dos insetos.


Muito se diz da luta entre o bem e o mal nesse filme mas o que se vê é uma ironia sarcastica gritante do modo de se ver o mundo pela inocencia alienatoria.O casal de protagonistas são tidos como os heróis desde o inicio porêm são totalmente aquêm de qualquer conceito de violência,e logo Jeffrey se depara com sadomasoquismo,estupro ritualistico,fetiche,psicose,perigo imediato,assassinato,tudo em pouco tempo,na figura do psicotico inalador de nebulizador afrodisiaco delirante Frank Booth(Dennis Hopper que aceitou o papel dizendo que o personagem era ele?!)e a cantora Dorothy Vallens(Isabella Rossellini totalmente negligenciada fisica e moralmente,no bom sentido...).Impressionante como Lynch constrói a cena em que Jeffries conversa com Sandy no carro,os atores com uma interpretação propositalmente forçada,mostrando a patética visão de mundo deles,deparados com o mal:
- "Porque existe alguem como Frank?!"
Seguido por um bobo discurso de Sandy sobre um sonho onde pintarroxos representavam o amor.
Há de se notar a ironia que Lynch se reveste nesse sentido(e que resume sua mensagem),até no epilogo do pintarroxo com um inseto no bico com mais uma metáfora simbólica do bem vencendo o mal e frases como "Que mundo estranho esse que vivemos!".


Um sonho sim é o que parece ser o filme a todo momento,com Frank levando Jeffrey a um passeio de descoberta onde estranhos personagens vão surgindo de forma quase que Felliniana(mesmo que Lynch tenha inventado uma linguagem propria,a influencia de Fellini e Kubrick é obvia).
Dean Stockwell surge brilhantemente como uma bicha psicotica e misteriosa afetada,assim como Roy Orbinson embala um espancamento após a primeira reação a violencia de Jeffrey.
O misterio policial é apenas um mote referencial ao noir e forma de conduzir o que importa,que é o modo comico-ironico-perversivo com que Lynch retrata a jornada de pessoas pertencentes à um conceito harmônico pateticamente publicitario,para o underground do mal escondido em qualquer um de nós.

domingo, 30 de outubro de 2011

"Ginger e Fred" by Federico Fellini -1986

A televisão surgiu como um furacão pós-moderno perverso e engolidor da verdadeira arte no seculo 20.Suas artimanhas publicitarias e seu entretenimento vazio,forçado e alienatório foi uma das principais causas da decadencia cultural moderna.Nada mais satisfatório do que ver Fellini em seu ultimo grande filme agir com um sarcasmo cortante e engraçadissimo contra essa midia tão despudorada,lidando com temas pessoais seus como a propria "decadência", sua velhice e o medo do futuro.

Amelia(Giulietta Masina) e Pippo(Marcello Mastroianni) são dois veteranos artistas que costumavam imitar Ginger Rogers e Fred Astaire 40 anos antes e decidem se reencontrar depois de um convite feito por um programa de televisão.O mundo se encontra diferente,o aparelho televisor surge como um imã cerebral.Ninguem consegue largar os olhos dela.
O humor é a ferramenta de Fellini.Quando Amelia desembarca em Roma o maremoto cultural moderno ja a engole na figura de funcionarios da televisão,sósias dos mais variados artistas,figuras excentricas como um travesti,um velho heroi de guerra...
Amelia (Masina tão naturalmente perfeita e auto-referenciativa como em "Julieta dos Espiritos"(1965)) se encontra apavorada com todo aquele assalto de perversão e superficialidade,onde as pessoas não conversam,apenas mandam..;e numa Roma perigosa como nunca.
A direção de Fellini  por mais convencional que seja,nunca é convencional.O modo como ele distribui esse bando de personagens emergentes de um novo mundo é com a mesma quadrinização anterior.A musica de Nino Rota não existe mais ali,mas parece que Nicola Piovani(oscarizado por "A Vida é Bela")segue a mesma linha picaresca,visto que a correspondencia psicologica da musica-Fellini ainda é a mesma.

Mas o que carrega realmente o filme é Marcello Mastroianni em uma puta interpretação.O seu Pippo é um verdadeiro artista desbocado,cinico,debochado e frustrado,mesmo que procure não não deixar transparecer em meio a piadas sarcasticas.O ator se joga em seu personagem com sua voz catarrenta e constantes tosses em meio à resmungos e atitudes de escarnio.Um divertido personagem que carrega Amelia pela mão em sua erratica decisão de voltar ao passado ou não,em um programa de televisão de espetaculos passageiros e superfluos(que tem como apresentador Franco Frabrizi,ator recorrente nos primeiros filmes de Fellini como "Os Boas-Vidas" e "A Trapaça").

Enfim o final se mostra ao mesmo tempo que lindo e emocionante,uma lapide na sepultura de um artista.O rock'n roll ja tinha dominado,a televisão extrapolado,sacos de lixo espalhados por toda a cidade.Fellini se despede com sua ultima visão satirica de um futuro incerto...

"E la Nave Va" by Federico Fellini - 1983

Em 1983 Fellini ja tinha se tornado um marco historico no mundo do cinema.Seus filmes sempre satirizavam a sociedade e o ser humano com sua visão particular e extravagante.O termo "Felliniano" pode ser encontrado até em dicionarios.
Porem em seus derradeiros filmes dos anos 80 ele ja parecia se preocupar em abrir mão de muito de suas caracteristicas estilisticas antigas para equilibrar sua tecnica e sua inventividade narrativa  com arroubos artisticos moderados.Sempre exaltando a visão,a mensagem, e a arte em si.

Aqui Fellini conta uma historia que se passa quase inteiramente num grande navio fretado por principes,artistas de teatro,dançarinas,cantores de ópera,condes,barões,grão-duques,paranormais,...com destino na ilha de Erimo onde(como pedido em seu testamento),as cinzas da ilustre e gloriosa cantora Edmea Tetua devem ser espalhadas.
A chegada dos passageiros no porto na cena introdutoria é apresentada por Fellini como um daqueles documentarios mudos do inicio do seculo passado em uma clara metafora fílmica.Logo surge o personagem de Orlando (interpretado pelo ingles Freddie Jones),um jornalista intrometido que será nosso guia em meios aos caricatos personagens e situações dentro do navio,o famoso personagem bufo de Fellini,o mestre de cerimonias.Orlando conversa com nós olhando diretamente pra câmera,sujeito a gags comicas forçadas que quase me decepcionaram nos primeiros 15 minutos.
A musica e o som são tratados de forma quase metafisica nessa obra,onde experimentos aparentemente casuais permite uma interação psiquica com quem assiste.A cor do som da voz,a orquestra de copos nivelados com agua,a galinha hipnotizada.São situações expostas como uma curiosidade que esta sendo partilhada diretamente com nos.

A ironia vem do retrato satirico da belle époque do pre-guerra em meio a personagens quase que todos excentricos em seus comportamentos como o barão  sendo constantemente traido pela sedenta baronesa,o gordo grão-duque e sua prima cega(interpretada por Pina Baush,famosa bailarina artistica daquele numero em que ela sai atropelando as cadeira que está em "Fale Com Ela" do Almodóvar),os cantores de ópera(grandiosos na cena em que cantam pros operarios do navio em meio aos barulhos da caldeira e trabalhadores numa grande alegoria musical).

Na segunda parte o filme dá uma reviravolta ritmica genial com a subida à bordo de um bando de camponeses pobres turcos fugidos do exercito do Império Austro-Húngaro logo após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e o inicio da primeira guerra.
Fellini se veste de uma sutil denuncia e ironia à la Buñuel mostrando o contraste desses dois mundos.A cena em que eles comem enquanto os camponeses famintos ficam assistindo é brilhante,alêm de nos apontar quais são as reações de cada personagem...mesmo que depois das cortinas serem fechadas a unica que se prontifica a alimenta-los é a ninfomaniaca baronesa,logo encontrando um oasis do seus sonhos no rosto rude dos turcos.
 No apoteótico final em meio a vozes,tiros,mares de lona,e cenarios de estudio a camera se distancia no climax da ação pra mostrar todo o aparato do set de filmagem em um longo plano sequencia que fecha num close da camera principal do diretor.
Fica aquela sensação de vazio e pretensão,diferente de outros inumeros filmes do diretor,mas mesmo assim uma bela experiencia de poesia,humanismo e tour de force do Fellini.
Alem de ter a belissima e inebriante "Clair de Lune" de Debussy e a simbolica presença de um rinoceronte fétido e doente.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Amarcord" by Federico Fellini - 1973

"Amarcord" é "Me Recordo" se traduzido do dialeto de Rimini,cidade natal do diretor,pro português.A lembrança protagoniza o filme;mesmo que Fellini insista em dizer que não tenha caráter autobiográfico,suas recordações são distribuidas em vinhetas dispersas,porêm ligadas à um nexo rigoroso,mais rigoroso do que muitos dos filmes dele.
 
Não se concentra em nenhum personagem em especial,porêm numa gama de acontecimentos dramaticos,historicos  e comuns em sua magica técnica artistica.O filme talvez se concentre mais em Titta(inspirado num amigo se infancia de Fellini),um endiabrado rapaz que acaba sendo o espelho da adolescência,ou os olhos do proprio  diretor à época.
Se Fellini tinha um dom,era o de filmar tudo como se fosse uma nova descoberta,o que casa com a visão que os jovens tem da puberdade,da masturbação,da bunda da mais gostosa da cidade,da ninfomaniaca que ronda a cidade como um zumbi sedento( a ninfomaniaca era um personagem recorrente de Fellini vide "Roma"(1972) ou "Satyricon"(1969)),das incriveis corridas de carro("Olhem,eu achei uma orelha!!"),dos filmes de Gary Cooper,da escola,...e consequentemente da alienação que a Igreja e o Fascismo de Mussolini exercia nas pessoas.
O modo como Fellini expõe de forma sincera o olhar jovem nesse filme,o torna um pré-teenmovie(tão difamado),repleto de cenas "grotescas" de descoberta sexual e afins,como ja tinha rabiscado em seu segundo filme "Os Boas-Vidas(1953)".

Situações inesperadas como os enormes seios da dona do armazem,a punheta coletiva no carro com direito a briga de quem pensa em quem,a culpa imposta pela igreja na hora da confissão,o discurso do padre sobre o "se tocar",as peraltices na escola(que remete à Jean Vigo),o amor impossivel do personagem gordo(com a sensacional cena da gigante armação de flores com o rosto falante do  Mussolini),....são situações que são extraidas da memoria do aprendizado existente no subconsiente do diretor,isso é palatavel,há um senso de experiência ali,mesmo que não estritamente ligado a vida real de Fellini,mas tão verdadeiros que podem ter nexo as vezes como as nossas proprias lembranças.


O fascismo com toda a sua promessa e capacidade de arregimentar partidarios é visto aqui como algo que está sendo presenciado e não julgado, como um acontecimento de uma época.Sabemos que foi duro pra todos,o pai de Tita sendo obrigado a tomar oleo de ricino até se cagar,o tiroteio maluco contra a torre onde esta um gramofone tocando o "Hino Socialista",a diferença dentro da propria familia,os jovens sendo instigados inocentemente a serem guerrilheiros fascistas e a figura do Dulce sendo idolatrada são vistas aqui como fruto da alienação politica compartilhada ironicamente somente com a  Igreja Católica.Alienações constituidas pelo proprio autor como os famosos "lapsos de consciência".

Se um dia Fellini foi cartoonista e essa qualidade de quadrinização e distribuições de personagens dentro de um quadro são vistas em quase todos seus filmes,em "Amarcord" isso se mostra mais latente devido a sublimação da utilização da cor e do estilo dinamico,sincopado e coerente de Ruggero Mastroiani e sua edição supervisionada(obviamente) pelo conceptor da obra.Em momentos como a corrida de habitantes locais pra poder avistar um cruzeiro belissimo em alto-mar,ou as sequencias de relatos como as do hotel,a visão de um pavão,o tio maluco de Tita em cima de uma arvore atirando pedra em todo mundo e gritando "Eu preciso de Mulher!",nota-se um ajuntamento de iluminação,figurino e ferramentas narrativas visuais com cada cor em seu detalhe emulando a qualidade onirica de um filme de animação.Assim como quando Fellini se utiliza somente da trilha de Nino Rota pra fazer os personagens dançarem com o vento,ou um caricato sanfoneiro cego começar a tocar pra finalizar o filme.

Enfim "Amarcord" foi a prova final da maestria tecnica de Fellini,e que era natural à ele,capaz de transformar qualquer cena do roteiro em belas e memoraveis imagens,o que contribui em absoluto para a força da sua mensagem.
Por tão complexo e grandioso que possa parecer o amalgama de  personagens do filme,o roteiro tem o cuidado de dar a cada um a atenção devida,sendo que ao final da projeção nos lembraremos de todos com a mesma familiaridade que vizinhos de cidades como Rimini possuiam entre si mesmo numa época perdida e nostalgica,testemunhas de fatos e acontecimentos históricos e pessoais que possam causar reviravoltas em seu cotidiano.
O termino desse filme revela um sentimento artistico de despedida de uma era,pois no começo dos anos 70 todos queriam um cinema diferente do artistico,que perdia seu apreço popular.Porêm "Amarcord",com seu doce humor e humanismo,deixou seu status de obra-prima não se perder nos furacões da superficialidade moderna.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

"Roma" by Federico Fellini - 1972

Roma mais uma vez por Fellini,após "La Dolce Vita " e "Satyricon";após ser ele na decada de 40 um dos roteiristas a mudar o cenario do cinema com os filmes neo-realistas,mostrando ao mundo uma cidade corrompida com a destruição deixada no pós-guerra.
Em 1972 Fellini ja tinha se tornado dono de um estilo ha muito definido por completo.Em "Roma" a quantidade de situações sobrepostas como uma antologia de memorias dispersas reflete  ao mesmo tempo que a já comum viagem temporal sobre as raizes de sua personalidade se misturam à comparação denunciativa do presente com a nostalgia do passado.
As primeiras cenas revelam a capacidade de Fellini de catar no espaço suas memorias e traduzir em imagens exaltando o simbolo que mais força causa impacto na sua lembrança.Como o ensurdecedor papa no radio,ou os filmes com Garbo,ou os moleques de cabeça raspada aderindo à uma moda fascista.
A tentativa de não se prender às mesmas ferramentas estilisticas de filmes anteriores faz-se perceber num Fellini mais preocupado na construção de quadros perfeitamente construidos como uma pintura,mas movimentados por zoom-ins e travellings lentos como uma possivel aproximação do espectador com a imagem.
O jovem Fellini desembarca no trem e se torna passivo no restante de sua jornada pela capital.O que importa é o que acontece a sua volta.A Roma do passado prioriza a lembrança,personagens e situações.
Subitamente entra o mundo moderno na figura de auto-estradas,carrors,motos e o proprio diretor se conduzindo junto com sua trupe para uma filmagem de Roma.A metalinguagem não é a toa.A Roma do filme é de Fellini e cabe a ele mostrar com seu proprio dedo apontado a modernidade com fabricas pegando fogo,acidentes automibilisticos,prostitutas de estrada,monumentos em ruinas.É como se botassemos o nariz na janela do carro ,e com ele participarmos de uma tour pela desgraça.A Roma moderna sofre a intrusão direta das gruas e câmeras do diretor,com hippies sendo contestados,com jovens pressionando o diretor para uma abordagem mais politica-trabalhista no filme,estudantes apanhando da policia(como não poderia deixar de ter).
Inumeros elementos se contradizem poeticamente no espaço-tempo.A roma dos anos 30 é o teatro,o cinema, e a tranquilidade quebrada pela Guerra.A Roma moderna é o caos capitalista.
Os tidos intocaveis aqui são profanados pela critica audaz de Fellini mais uma vez ,como todo o inebriante desfile de moda eclesiastico,ja aqui um ensaio sublime de criatividade ao se criar um espetaculo alegorico-satirico.A visão temivel do papa a todo instante,a audacia pouco singela de Fellini,seu desprezo pela convenção religiosa seja de qualquer patamar se encontra enraizada em sua memoria,como se vê em seus filmes auto-analiticos.
Os ancestrais romanos vistos como o fruto de uma possivel existencia do inferno na Terra de "Satyricon",de frente à ameaça concreta(em todos os sentidos),se tornam afrescos apagados "pelo ar que vem de fora" diante daqueles que ousam corromper o subterraneo romano,aceitando o esquecimento com o temivel olhar de superioridade e condenação.Assim como as putas do escondido bordel da era fascista,na sua maioria putas fellinianas em sua vulgaridade e feiura,contrastando com o bordel visitado pelo seu alter-ego,e a comparação que o autor faz do sexo livre da decada de 70 com a dificuldade de consegui-lo no passado.

"Roma" é Fellini transformando lapsos memoriais em nostalgia imagetica,e modernidade num semi-realismo letargico.Um pré - "Amarcord" dentro de sua proposta auto-biografica mais conduzida pela vida como ela foi,do que a mente como ela é,no segundo caso como fez em sua inigualavel obra-prima "8 1/2".
Fellini foi um homem que comentava de uma forma ou de outra,as mudanças sociais de seu presente,mostrando a evolução e o onirico não como valvulas de escape,mas como uma leve observação ao alienatorio processo de divulgação de falsas ideologias e ao materialismo do consumismo capitalista.Um quebra-cabeças de pensamentos dispersos de forma poética e que juntos constroem uma historia em que a cidade é a principal atriz,e não Magnani que vira as costas à Fellini.
"Roma" é o retrato definitivo da visão de alguem que sempre a provocou.

domingo, 23 de outubro de 2011

"Satyricon" by Federico Fellini - 1969

"Eu estou examinando a Roma Antiga como se essa fosse um documentario sobre os habitos e costumes dos marcianos."
Fellini.



Realmente sua visão sobre a Roma Antiga não só revela uma caracterização picaresca e exotica unica,como uma idealização de caos infernal decorrente da liberdade perversa dos contemporaneos à Nero.Fellini sempre se utilizou da satira e ironia pra descrever aspectos da sociedade moderna.O escritor Petronius tambem se utilizou dessa mesma forma de linguagem pra retratar aspectos da sociedade de sua época em seu romance "Satyricon",criando em sua literatura um desenvolvimento de personagens e alusões sobre esse periodo historico,dificeis de se achar na literatura antiga.
Fellini releu Petronius durante a recuperação de uma doença e se encantou com o aspecto fragmentado da narrativa(dado que varios pedaços do manuscrito se perderam com o tempo),o que casava diretamente com sua visão onirica e divagante.
O chamado Verão do Amor,o Woodstock,a libertação pós-guerras,a revolução sexual e as diversas manifestações artisticas europeias que exploravam a falta de limite expressivo que uma obra pode ter,casam diretamente com o homossexualismo dos protagonistas(como a maioria dos personagens de romances classicos da Antiguidade,sua vontade não possui limites),com o erotismo pedofilo,com a depravação e caldo de loucuras com os quais Fellini faz paralelo com Petronius.
O filme de Fellini brinca com algumas questões.
Como seria o entretenimento naquela época?
Como seria o amor naquela época?
Como seria a riqueza naquela época?
Como seria a maldade naquela época?
Como seria a arte naquela época?
E constroi uma resposta a cada uma dessas questões subentendendo paralelos com a civilização atual.
Seus personagens surgem rasteiramente,como sobreviventes cada um a seu modo de uma sociedade sem lei e moral.As interligadas e desconexas aventuras de Eucolpious nos dão a sensação de ocorrencias ilogicas como acontece em produções dispares como "Evil Dead 2" ou em alguns episodios de "Twilight Zone".A intenção de Fellini é causar estranheza,é fazer você querer entrar num novo mundo.Não há a simbologia junguiana ou de teorias exotericas,mas uma visão propria de uma era.
O conceito de produção artistica tem seu auge aqui,com Fellini  e seus colaboradores construindo sets extensos e contratando freaks e mais uma quantidade incrivel de figurantes que são colocados de forma importante quadro-a-qaudro.Nesse filme o diretor italiano superlativiza o papel de figurante.Notem como alguns olham estranhamente pra camera como estranhassem nossa intrusão.

A excelente edição do mestre Rugero Mastroianni distribiu essas apariçoes unicas de forma a aumentar o devaneio sensorial de quem esta presenciando essas cenas.Como na cena do Bordel,onde a camera passa de porta em porta apresentando todos os tipos de figuras inimaginaveis em uma ilustre coreografia de atores.Algo jamais visto.Como o banquete do famoso personagem Trimalchio aonde se desenrola uma quantidade unica de situações que dançam entre o improviso e o ensaiado.Com a originalidade indo do figurino a trilha sonora.
Nino Rota aqui faz o mesmo que Bernard Herrman em "Os Passaros" de Hitchcock passando de compositor principal a consultor de compositores experimentais(o produtor de Charles Mingus,Ilhan Mimaroglu)  e  eletronicos(Tock Dockstader cujo album "Eight Eletronic Pieces"  foi utilizado)contratando-os para dar ao filme um aparencia cosmica-espacial.Com sons pinkfloydianos da fase Pompeii misturados com climas sci-fi.
Apesar de tentar não ser um filme auto-referenciativo,muito das problematicas de Fellini se encontram aqui,como o dilema artistico de Emolpious e a anti-valorização da fé.Mas acima de tudo a sexualidade masculina e o subconsciente,com Encolpious(um estudante aqui em vez de um gladiador no livro)lutando contra o minotauro numa metafora de auto-busca numa sequencia inexistente no livro e que  remete a lenda de Teseu,tendo como obejtivo mor em sua peregrinação a cura de sua impotencia sexual.
Enfim "Satyricon" não só é um dos filmes mais originais e criativos da historia do cinema,como é uma daquelas obras  a serem pegadas constatemente na biblioteca da historia da evolução da humanidade e de sua cultura social.Um marco.Um trabalho detalhistico e perfeccionista onde cada elemento,por menor que seja,é colocado contra o exagero e à favor da proposta idealizada pelo auteur.Um dos fimes de Fellini mais Fellini de todos,visto de forma mais abrangente agora,depois de 40 e poucos anos,onde podemos nos contextualizar historicamentea e analisa-lo de modo geral.
Talvez o retrato do amor e da arte em uma sociedade ainda em desenvolvimento moral com aparencias pos-apocalipticas só encontre paralelo em "Andrei Rublev" de Tarkovsky que foi lançado coincidentemente no mesmo ano.E a figura dantesca do protagonista felliniano esta no inferno apropriado dessa vez,na mesma Roma ironizada por ele em "A Doce Vida".
A magnifica cena final traduz de forma magica e misteriosa,a reticencia narrativa do passado.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Giulietta dos Espiritos" by Federico Fellini - 1965

"Giulietta dos Espiritos" é um filme dedicado à descoberta sexual.
O primeiro filme de Fellini colorido  tambem é um filme dedicado aos anos 60,uma absorção felliniana de conceitos new wave.Representativo de uma época,assim como varios dos filmes dele.
Esse filme é dedicado tambem(ou principalmente) à Giulietta Masina,sua mulher e protagonista deste filme, alêm dos filmes da época neo-realista dos anos 50 como "A Estrada da Vida" ou "Noites de Cabiria.
Excepcional atriz que se entrega à um sutil porem perfeito retrato de uma mulher de casa normal,reprimida sexualmente e casada com um homem ausente que a trai;o mais divertido é que seria Giulietta interpretando Giulietta.Os pontos autobiograficos podem ser dificieis de reconhecer,mas o casamento de Fellini andava em polvorosa devido à sua personalidade dificil de artista,e como a trajetoria de Giulietta é repleta de frustrações e desejos reprimidos,os sets do filme ficaram cheio de faiscas do casal.


  Após ter criado  "81/2", Fellini praticamente deu esse filme à Giulietta.Visto que o primeiro era um filme sobre a mente de um artista com traços autobiograficos,nada mais interessante que dirigir um filme sobre o auto-descobrimento libertario de sua mulher com a devida utilização de sonhos,arquetipos e situações que façam com que participamos na analise psicologica do protagonista.
Fellini como sempre da um passo a frente ao abordar influencias espiritas e misticas numa bela utilização da cor como o mais novo instrumento de sua sofisticação tecnico-artistica.A tecnica de Fellini sim estava no auge,logo nas primeiras cenas vemos que sua camera deslizará em um mundo novo,planos sequencias longos que seguem apresentando os personagens que vão surgindo numa dança picaresca.Nino Rota tambêm sempre da um passo a frente,agora com uma trilha digamos que mais psicodelica,ja que a decada de 60 começava a revolucionar em varios ramos culturais,filmes como o de Fellini não só acabavam absorvendo os temas recorrentes à sua época como tambem instigavam novas modas e tendencias filosoficas e artisticas.
O sexo era um dos temas principais da decada de 60 e é o tema principal desse filme visto que Giulietta corre atras de sua libertação sexual.Espiritos são ouvidos por ela em meio à um tulmutuoso caso de tentativa de descobrir se seu marido a está traindo,o que fica óbvio o filme inteiro.A causa seria sua repressão sexual contrastante até com a persona de sua mãe e suas duas irmãs.Ela é uma mulher docil e amavel,excelente dona de casa....mas e o sexo?Eis a causa da infidelidade do marido.É como diz o medico no inicio na cena da praia  "Diga para seu marido fazer mais amor!".Espirtos que fazem parte de sua infãncia,assim como espiritos intrusos,acabam sendo seus guias.Como na casa da vizinha Suzy,dona de uma excêntrica e  libertina mansão onde Giulietta conhece quartos com espelho no teto,com escorregadores pra piscinas,casas no teto...quando Fellini filma dois jovens subindo a casa da arvore para um menage a trois com Suzy,que ja aparece semi-nua,é uma total entrega do diretor à revolução de sua época.Há outros personagens que surgem como possiveis messias de Giulieta em sua libertação sexual como o guru que cita o kama sutra e ensina os sons do sexo;o amigo espanhol de seu marido que surge numa misteriosa sombra,como um ideal imaginado e que seria sua devida vingança.


Poderia dizer muita coisa ainda sobre o filme como as brilhantes recordações da infância de Giulietta assim como a ligação que essas lembranças tem com sua possivel estagnação pessoal.
Mas o que eu acho mais importante é ver como Fellini transforma um caleidoscopio de referencias psicologicas pessoais com temas universais referentes à epoca,se arriscando em retratar seu casamento como algo perturbador;é ver como Masina se entrega a seu marido,mesmo que brigando no set,aceitando com servilidade artistica a visão de Fellini sobre o problema de ambos,assim como a visão de Fellini sobre sua possivel personalidade.
Um grande filme do magico Fellini,mais uma coleção de temas a serem expostos oniricamente em tela sem demonstrar nenhuma pretensão.A grande duvida que fica é se o caminhar solitario de Giulietta no fim do filme significa sua libertação ou sua trajetoria em direção à completa solidão.Pode ser um conformismo como o de Guido em "8 1/2".
Os espiritos continuarão ali,e são amigos...ou não.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

"8 1/2" by Federico Fellini - 1963

Nunca cheguei a ler um livro sobre Fellini,sobre sua vida.Mas alêm das caracteristicas artisticas,plasticas,denota-se uma alma à procura de uma explicação para a existência,mas principalmente um auto-conhecimento.
Sei que ele procurou ler Carl Jung e consultar o I Ching,associou seus sonhos com as teorias junguianas,aprendeu sobre os arquetipos herdados em nossos subconsciente pelas gerações antepassadas.Arquetipos comum a todos,à um grupo de pessoas,ao incosciente coletivo de Jung.Podem ser simbolos,animais,plantas...mas podemn ser tambem a mãe,o pai,a morte,o sexo...todos eles inerentes à uma compreensão mais abrangente dos fantasmas que assombram uma mente.
A mente de um artista é normal?
Não sei.
Mas Fellini demonstrou que pode exorcisar seus demonios atraves de um filme
.Durante um bloqueio criativo apos o excepcional e igualmente revolucionario "A Doce Vida" ele se dedicou a isso,a uma analise em celuloide.Seria seu oitavo filme,mais uma co-direção = 8 1/2.Pronto!Se tornou nada mais nada menos que um divisor de aguas não só devido ao auge da tecnica do diretor assim como a tematica psicologica e metalinguistica conduzida sem pretensão,de forma redonda.

O filme em si é uma analise sobre a mente de Guido Anselmo,um diretor com bloqueio criativo com a saude prejudicada devido a pressão de todos aqueles que o cercam.Um homem sufocado como mostra o sonho da cena introdutoria...sufocante....quando consegue se libertar é pescado pelo pé por um burocrata de gravata à cavalo.Cenas de sonho e imagens de subconsciente encontram porem uma influencia do mestre Bergman,principalmente "Morangos Silvestres".
Sonhos como quando o arquetipo do pai e da mãe são postos juntos,mostrando o pai do lado do caixão(a ausencia),seu padrinho comendador(dependencia e substituição),o afastamento da mãe, e por fim o rosto da sua mulher na face de sua mãe numa obvia alusão ao complexo edipiano causador dos mais leves "disturbios".Outros fatores como a Igreja e sua incapacidade de ser monogamico tambem são explorados na obra.
A genialidade de Fellini tem seu auge em cenas como aquela que nos introduz ao spa embalado por um Wagner e todos aqueles personagens velhos e burgueses com sombrinhas,oculos e chapeis extravagantes cumprimentando a camera.A visão que Guido tem de sua musa ou salvação Claudia Cardinale(interpretando ela mesmo!).Tudo é filmado como um espetaculo e todas as particularidades devem ser aproveitadas,como o critico e roteirista que Guido contratou para ajuda-lo e cujas pedantes observações resultam num simbolico e divertido enforcamento no final..
Não são menos que geniais por exemplo a cena em que Guido lembra de Saraghina,puta que vivia na beira da praia na época em que ele estudava num colegio de padres.A dança do mambo( uma trilha imbativel de Nino Rota que nuca me cansarei de assobiar) e todo o castigo que ele sofre da figura da igreja,a influencia desta no seu subconsciente e o rosto de sua mãe chorando.

As mulheres de Guido rendem outra cena magnificamente orquestrada onde ele imagina um harem.Tudo é inebriante...tudo...o modo como a musica interage(como na dança da negrinha),o modo como as mulheres coreograficamente bailam em frente à camera,a sombra dele estalando o chicote controlando um motim num estilo pre-Indiana Jones,tudo...até o discurso final da vedete rejeitada.

Por mais que Guido tente,como a maioria dos herois fellinianos,ele não consegue plenos resultados.Após uma histeria e inebriante coletiva de imprensa(outra cena inacreditavelmente dirigida com louvor)ele sabe que seu suicidio como pessoa publica será o resultado.Fellini traduz simbolicamente e de forma quase comica esse suicidio em imagem.E mesmo que Guido não tenha feito filme nenhum,ou se redimido perante quem ama,seu discurso final é quase que um profundo suspiro de compreensão,confissão e entrega.
E todos aqueles arquetipos junguianos,ou apenas pessoas que contribuiram pra Guido ser o que é,no ruim ou no bom,surgem de branco numa passeata para juntos dançarem de mãos dadas sob a direção de Guido e a apoteotica trilha de Rota.Porque...apesar de tudo....a vida é curta e é pra ser vivida...façamos dela uma obra de arte!