domingo, 9 de outubro de 2011

A trapaça de Fellini-"Il Bidone"

Em seus primeiros filmes Fellini se utilizou de uma maneira de mostrar sua Italia decadente apenas como pano de fundo para aquilo que seria o plot principal do filme.É o que acontece em " A Trapaça".
Um ano depois do seu sucesso "La Strada", Fellini queria Humphrey Bogart para interpretar um filme sobre um trapaceiro ja velho que se encontra a procura de um sentido real pra sua vida.Infelizmente o icone americano ja estava com cancer de pulmão e tragicamente inapto(apesar que se for pensado agora,seu jeito cansado nessa fase da vida era propicia até demais pra esse personagem).Broderick Crawford foi escolhido depois de ser visto num poster de "A Grande Ilusão" ,filme pelo qual ele ganhou o oscar em 1949.
A pelicula começa mostrando a execução de seu golpe mais comum,que ironicamente eles cometem contra a parte pobre da população,tirando tudo o que elas possuem
Como ter simpatia pelos personagens?
Num pais pos-guerra todos vivem como podem.Fellini  quase sempre se posicionou do lado do marginalizado.As vitimas desses malandros são o mote pra denucia neo-realistica do filme.
Fellini ja começava a cutucar a igreja como nenhum italiano antes fizera e que acabaria com qualquer apoio que teria dela nos posteriores filmes,aqui o conto-do-vigario é levado ao pe da letra.
Em seguida somos apresentados à vida particular de cada um desses ladrões, como Picasso(Richard Baseheart)o pai de familia sensivel e aspirante a pintor possui uma adoravel filha e uma mulher fiel(Giulieta Masina num efemero mas importante papel) ;Roberto(Franco Fabrizi,o Cary Grant italiano ainda como um sedutor barato como em "I Vitelloni") como o mulherengo sem etica ou moral; e Augusto como o mais velho de todos atormentado pela falta de objetivo na vida e cerne de todo o filme.
A interpretação de Crawford não é menos que excelente,ele carrega uma cruz.Como disse Trouffaut:"Eu vi Broderick Crawford morrer por todo o filme!"

Com a chegada de seu amigo Reinaldo(numa sensacional entrada de cena),um amigo ladrão da antiga que se encontra bem sucedido e posicionado na cúpula da alta sociedade,Augusto muda sua vida.Na festa de Reinaldo,absolutamente felliniana,Augusto encontra a humilhação em ser aos 48 anos apenas um reles patife.Sua unica esperança de ser aguem é sua filha,que ele não tem o costume de encontrar,mas que apos um breve reencontro ele se prontifica a ajudar a pagar sesus estudos.
Tanto Augusto como seus amigos são o maximo do reles atacando de forma tão crua os miseraveis e mesmo assim é dificil irmos contra o ponrto de vista deles.Essa aproximação por sua vez é alcançada pelo humanismo da camera de Fellini.Como na cena em que eles invadem uma favela,mostrada com um realismo denunciativo,como John Ford e Tolland fizeram em  "Vinhas da Ira".Enfim,mais uma classe de pessoas que Fellini nos joga pra ser analisada,mesmo que não haja pre-julgamentos em seu conceito final,apenas uma demonstração da realidade da epoca.
Mais um anti-heroi sem redenção,mais uma vez a realidade vence o sonho em Fellini.

"La Strada"

Quando Fellini filmava "I Vitelloni",o roteirista Tulio Pinelli voltou em uma viagem que ele fez pelas montanhas, pela falta de auto-estrada que ligasse Roma à Turin.
Disse ter visto um homem com problemas mecânicos numa estranha "carruagem" e uma pequena mulher a empurrando.Quando retornou contou a Fellini o sucedido e disse que a historia àrdua desses dois seria um otimo argumento pra seu proximo filme.Seria o ideal para uma tematica/estilo neo-realista  do qual Fellini ainda era adepto;uma viagem,um road-movie com a Italia de background.
Porem Fellni teve aquilo que os deuses chamam de inpiração da alma e resolveu transformar eses dois personagens em Zampano e Gelsomina.
Zampano(inspirado por um açougueiro de Rimini,da infancia do diretor,que apesar de brutamontes levava todas as mulheres pra cama)é um monstro que carrega consigo um espetaculo itinerante em que ele arrebenta correntes com o peito.
Gelsomina,um dos personagens mais complexos de todos os tempos.Uma das vitimas  da pobreza do pós guerra,sequelada pela fome,vendida pela mãe para Zampano por 10.000 liras,vivendo num mundo proprio,mundo esse que sera violentado e corrompido por Zampano.
A partir dai seremos brindados pelas atuações magistrais de Giulietta Masina(que vai do amor ao odio com um movimento dos olhos,não os olhos de qualquer um,mas de alguem da inocente complexidade de Gelsomina) e de Anthony Quinn,um violoncelo carnal de paixão e violencia.
A mente fraca,timida,inocente e ludica de Gelsomina sofrerá a violencia moral e física de Zampano.Gelsomina será o seu cachorro.Quando aprende à base de varadas a ser sua assistente e descobrir o prazer de se viver em entreter um publico,é arremedada com imprecações.Quando o sexo pode se tornar um elo de ligação entre os dois,ela descobre que Zampano despudoradamente leva outras mulheres para a cama,relegando ela a segundo plano.Nessa sucessão de desventuras e aprendizados da louca Gelsomina,Fellini mistura o realismo e vulgaridade das mulheres,das ruas,da multidão e de Zampano(como se a Italia fosse ela toda um caldo de desespero e vulgaridade)com a esperança de amor que personagem de Masina por si só ja representa.O real negativo,o sonho como salvação e o amor lutando para surgir entre os dois.
Quando Gelsomina foge de Zampano e percorre o centro da cidade sozinha,ela é mostrada do ponto de vista de quem não pertence ao mudo dela e de Zampano.Quantos de nós não nos colocamos no lugar daqueles jovens que a bulinaram chamando-a de louca e se assustaram com o estranho Zampano chegando para recolhe-la com insolitas ameaças e imprecações.Como esses jovens,percebemos que estamos presenciando o retrato de duas personas unicas.Nunca conheceriamos a vida de alguem como Gelsomina e Zampano se não vivendo no mundo deles;ou num filme.

Richard Basehart é outro ator que merece menção honrosa com sua interpretação de "Il Matto",um personagem cigano que representa a loucura da alienação referente tanto à realidade quanto à arte.Ao contrario de Gelsomina ele conhece a realidade,e por isso usa do anarquismo para "combate-la",atormentando Zampano com sucessivas sacanagens que acabam resultando na tragedia conclusiva.

Por fim Fellini não se contenta em contar uma ótima e original historia,mas seu estilo,sua camera,sua edição,seus atores e Nino Rota(principalmente com o pungente e importante tema "Travelling Down a Lonely Road"tocado por Gelsomina no trompete)tornam concretos os sentimentos,desejos e decepções desses personagens,nos tornando testemunhas de algo que pertence aos nossos sonhos pela consciência coletiva
e transformando o melodrama em fruto do real visto pelos olhos do magico.
A cena em que Zampano percebe que a solidão foi resultado de sua propia ignorancia e desprezo pelo amor que ele sempre teve capacidade de sentir mas sempre renegou;os olhos de Quinn mostrando a unica brecha de fragilidade do personagem,vale a revisão do filme como obra absolutamente sensitiva.