sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"A Marcha Nupcial"(1928) - Eric von Stroheim



Erich von Stroheim foi um dos diretores mais egocêntricos da Hollywood muda.
Alêm de dirigir e escrever, gostava tambem de atuar como protagonista.
Era um carrasco com os atores.
Seus filmes custavam milhares de dólares devido à uma mania de reconstituição perfeccionista do cenário.
Ele dificilmente saia da sala de edição com menos de 4 horas de filmagem.
Resumindo,ele era uma dor de cabeça para os produtores,mas um gênio autentico.
Uma figura de passado enigmático que gostava de dizer que tinha descendência aristocrática mas cujo sotaque denunciava uma posição baixa na hierarquia austríaca.
Um homem esmagado por ter sua visão sempre cortada...cortada 2 horas a menos,3 horas a menos,etc.

No cinema americano desde que fez o papel de figurante em "Intolerancia"(1916) e dirigindo desde 1919,Erich inaugurou com "Esposas Ingênuas"(1922) uma visão bem particular da natureza humana no cinema,aliando um pessimismo irônico com uma auto-referencia sarcástica,e o seu despudor anti-tabus  e convenções sociais são postos a favor do jogo das paixões mais supérfluas do ser humano,das paixões materiais e carnais acima do amor e da paixão.
"A Marcha Nupcial" foi seu sétimo filme,depois de ter filmado inclusive aquela que é considerada a sua obra-prima,"Ouro e Maldição"(1924).
Conta a historia do principe austriaco Niki,um idolente e mulherengo fanfarrão que vive se metendo em dívidas mas que sabe que só um casamento com uma mulher rica pode aliviá-lo visto que a sua familia se encontra numa queda vertiginosa,a queda aristocrática do seculo XX.Mesmo que o casamento com a rica(porêm aleijada) Cecilia ja tenha sido arranjado,ele se apaixona por uma pobre  e perfeita camponesa.

O filme duraria 4 horas como de praxe se dependesse de Erich,mas depois de ser enxutado percebe-se que permaneceu a resina do exagero do diretor.Dificil enxergar viabilidade numa versão mais longa ao se inteirar do enredo,percebe-se que dessa vez o filme se beneficia de não ser tão literariamente fiel como o gosto do diretor.Não foi necessário recriar Monte Carlo aqui como em "Esposas Ingenuas",não...dessa vez foi a Catedral de St. Stephan e as ruas de Vienna.A composição de cenários e figurinos estão delicadamente dispostos de forma maníaca.A cena do desfile de Corpus Christi foi uma das primeiras a usar cor,e é um deslumbre ver todo aquele resultado megalomaniaco ter seu ápice com a colorização.

O principe não é tão covarde e pervertido quanto o seu pseudo-aristocrata vigarista de "Esposas Ingenuas"(que chegava ao ponto de tentar estrupar uma criança com deficiência mental),mas não dá o braço à torcer para o sentimento humano,concluindo a historia com a prova de que o egoismo é capaz sim de vencer o amor.Afinal Erich não filma Cinderela ou qualquer coisa parecida,ele filma a ironia das posições humanas e o quanto é suja a disposição do homem para valores materiais.Ele nos engana com a  falsa esperança da redenção.




"O Homem-Mosca"(1923) -Fred C. Newmeyer e Sam Taylor - O Devido Lugar De Lloyd


Harold Lloyd tem muito mais a ver com Buster Keaton do que com Charlie Chaplin,já que é impossivel deixar de comparar os 3.
Crime seria equalizar suas intenções,e tiraria o mérito que cada um tem dentro de sua persona.
Chaplin faz mais do que nos fazer gargalhar,nos faz chorar,se indignar com uma realidade,e sair do seus filmes pensando.
Keaton nos faz torcer para que ele não morra  a qualquer instante com suas acrobacias inacreditaveis aliadas ao tratamento absolutamente visual da arte cinematográfica e claro,uma irônica crítica social.
Lloyd segue mais a linha do acrobata humano de Keaton,do que o conceito filósofico-comico dos filmes de Chaplin.
Enquanto Chaplin é o vagabundo-pantomima e Keaton é o homem que não quebra e que não ri,Lloyd é o rapaz normal apaixonado que sempre quer se dar bem na sociedade como qualquer outro cidadão de otimismo inspirador.Seu visual pré-Buddy Holly aumenta ainda mais o nível de simplicidade de seu caráter, que faz com que ele se aproxime muito mais dos comediantes que viriam posteriormente com a onda de comédias romanticas de costumes,como Jack Lemmon ou até mesmo o retardado do  Jerry Lewis em seus bons momentos;do que com mestres do disfarce da comedia física como Peter Sellers e derivados.

"O Homem Mosca" é o filme em que ele define a sua identidade se consolidando como um mestre em gags.Um rapaz comum que vai à cidade pra tentar se dar bem como vendedor numa loja de tecidos enquanto sua namorada espera em sua cidade natal ele ser promovido para poderem começar uma vida juntos.
Ao mentir por cartas que já se encontra como gerente da loja,ela decide lhe fazer uma visita.
Se virando como pode,Harold tem que ao mesmo tempo que manter a mentira,arranjar dinheiro para o casamento.
É quando ele decide,numa proposta de seu chefe de fazer aumentar a clientela na loja,propor uma atração em que seu colega de aluguel subirá o prédio de 16 andares do local.No dia,com a multidão toda na expectativa,a festa bombando,o amigo se encontra impossibilitado de subir o edificio(por motivos que eu não vou explicar aqui,vejam o filme)e quem tem que tomar as rédeas da situação é Harold por si só.

Antes de eu assistir aos filmes de Lloyd eu tinha um pé atras porque ja era familiarizado com Keaton e Chaplin e não esperava muita coisa de um terceiro com cara de abobado.Mas a surpresa foi agradabilíssima.Um dos motivos da suspeita foi a diferença de divulgação que Lloyd tinha em relação aos seus dois rivais,mas o que acontece é que Lloyd tinha certas manias na hora de distribuir suas obras,tanto para cinemas que se recusavam a acompanhar seu filme com um órgão(ele não admitia pianos),quanto para a televisão( e foi nessa recusa para a televisão que sua obra se obscureceu um pouco mais).
Porem durante sua época ele foi rei dos longa-metragens nos anos de 1920(fazendo 20 contra 3 do Chaplin por exemplo),e sua produtividade em uma série de filmes,um mais genial e bem dirigido que o outro,lhe garantiu uma posição nas bilheterias igualmente superior à de Keaton ou Chaplin.
Afinal Lloyd era amigo associado de Hal Roach,um dos nomes mais importantes da comedia no cinema mudo,responsável por vários filmes de "O Gordo e o Magro".

O filme tambem é famoso por ter uma das cenas mais icônicas do cinema que mostra ele escalando o prédio e se pendurando num ponteiro de relogio.Cena que foi referencia em "De Volta pro Futuro"  e que teve a sua iconicidade fortalecida depois de uma aparição no  filme-carta-de-amor-chorosa "Hugo" do Scorcese.A tensão que Scorsa mostra no filme é real e se foi tenso na época...continua até hoje.Uma das cenas mais cheias de expectativa que eu tive o prazer de desfrutar,ao mesmo tempo que se rói unhas se deita de rir.
Visto que da mesma forma que Keaton,Lloyd era um atleta que não usava dublês,as cenas se tornam ainda mais fodas.
O mérito maior vem da sofisticação realística de suas comedias romanticas ao contrario da pantomima surreal de seus colegas,ou seja, o  germe de um dos motivos principais da comedia moderna:o homem comum e a ascenção social.





Eu recomendo assistir ao filme inteiro,mas pra quem quiser vai a cena mais famosa e a mais desafiadora da película.

"Entreato" -René Clair(1924) O Dadaísmo Audio-Visual

Tristan Tzara,um dos pais do Dadaísmo,disse em seu "Manifesto Dadá" que era  por principio contra os manifestos,como era tambêm contra os princípios.O Dadaísmo foi a despirocagem total,o pai do surrealismo que viria a surgir na quarta-feira de cinzas do entre-guerras,a negação da razão,o grito sofrido dos refugiados de Zurique no Cabaret Voltaire de Hugo Ball;o uivo das dores crispadas,entreleçamento de contrários.

A humanidade toma um rumo que parece ser escrito por alguem,onde realmente são os contrarios os produtores da verdade e da existencia.
Afinal se não existisse a guerra no inicio do seculo 20 não se reuniriam tantos artistas em desespero para se exprimir de forma original e condizente com o espectro da sua propria personalidade inserida no contexto social.
A dor produz belas artes,a dor é tão humana quanto o bem,e são esses opostos interagindo o verdadeiro motor da realidade?

Essa questão ja gerou diversos questionamentos em alguns momentos da historia da metafisica filosofica,mas os grandes desastres geopoliticos e sociais que a modernidade trazia naquela época fazia com que a negação do mal fosse a negação do bem,que o momento era de nós,como questionadores,nos elevarmos acima da razão e partir do nada para o nada sem se importar com quem analisa ou até mesmo com o que realmente esta sendo analisado.

"Entreato" é o grande filme dadaísta da historia,sendo obscurecido popularmente por "Cão Andaluz" filmado em 1929 e tambêm fruto da colaboração de um grupo de artistas de uma mesma escola em diferentes meios(no caso de Buñuel e Dalí era o surrealismo,o dadaísmo rompido).
Quando Francis Picabia,um francês pintor que se associou com todas as vertentes modernas possíveis,encena seu balett "Relache",temos ali junto com ele Erik Satie(genio de compositor,um dos precursores do minimalismo e do Teatro do Absurdo) e Rene Clair,como responsavel pelo entreato cinematografico,representante audio-visual dadaista.
O filme ja começa com a imagem de Satie e Picaba disparando um canhão.Em seguida todas as possibilidades que o cinema podia oferecer à epoca foram enfileiradas em uma série de imagens belamente orquestradas durante 20 minutos compactados na edição exposta em Cannes em 1971.Absolutamente à frente do seu tempo,misturando câmera lenta,com sobreposição,diferentes angulos de camera,edição jogada como cartas de baralho e momentos magicos fornecidos por efeitos visuais brilhantes,com o espirito de um Meliés depois de comer um cogumelo,e que viria a refletir não só no surrealismo,como tambem em filmes mais ecléticos em sua conduta e de contexto mais racional,embora acima do real,como "Zero de Conduta"(1930)  e "O Atalante"(1934)de Jean Vigo.

Marcel Duchamp e Man Ray jogando xadrez em cena de "Entreato"





"Berlin - Sinfonia de uma Grande Cidade"(1927) - Walter Ruttman,o Vertov alemão



Os anos 20 foram absolutamente revolucionarios no cinema.
Diversos estilos conviviam mutualmente na Europa como o Impressionismo frances,o Expressionismo alemão,a montagem soviética e o surrealismo.
De começo cada um no seu quadrado.
Walter Ruttman,um alemão muito louco que fazia filmes graficos e experimentais envolvendo conceitos musicais,se opôs à aderir ao vigente expressionismo de seus conterrâneos e adotou idéias soviéticas de Vertov e cia. para montar o nascimento e morte de uma cidade em um único dia mostrando todos os vieses e opostos de um cotidiano aparentemente banal.

É um filme que pega referencias do cine-olho vertoviano para construir uma poética da imagem de contrarios do constante movimento,e acaba por influenciar aquele que seria o ápice da realização de seu influenciador,"O Homem com a Camera"(1929) de Dziga Vertov.
Fica claro pra quem viu os dois filmes que o segundo veio a ser mais completo e ousado,alem de ter uma importancia tão significativa na teoria cinematografica que abafaria qualquer possibilidade de mérito original do filme alemão.
Ruttman não se concentra em ultrapassar os limites do conceito epistemológico da arte do cinema,mas se volta unicamente na utilização de métodos de montagem para levar adiante o seu proposito.O que o distancia e o coloca um degrau abaixo de Vertov,que usou de diferentes efeitos,edição dialética mais simbólica e uma metalinguagem surreal.

A idéia de movimento é uma constante desde o primeiro simbolo rítmico animado que aparece na tela (remetendo aos filmes malucos da série "Opus" do diretor),seguindo com o trem vislumbrando diferenciadas paisagens enquanto entra na cidade.
Os diferentes atos em que o filme é dividido diferem os momentos mais marcantes de uma rotina diária como se fossem membros de uma historia sempre igual com começo meio e fim.O acordar, o inicio da movimentação,a pausa pro almoço,a volta ao trabalho o entardecer e a noite.

É facil rotular de socialista um filme como esse devido à momentos de foco proletario que sua edição proporciona mas não há nada mais favoravel à um ideal socialista do que uma câmera que mostra a vida come ela é e esta sendo,numa sociedade destruida pela guerra,se recuperando,imersa num mundo dividido em dois, indecisa,alimentando futuros partidos genocidas.As maquinas industriais enquadradas como gigantes que possuem uma participação quase que primordial no movimento da cidade como um organismo inteiro mostra o quanto que o cinema puro fala sem emitir palavras e impõe a sua ironia e indgnação apenas com sucessão de planos e enquadramentos febris,independente se for um humanista socialista ou apenas um ser humano solidario mostrando a realidade de um ponto de vista documental.
Uma grande aula.


"O Grande Desfile" (1925) - A Guerra do Rei Vidor


Antes da Segunda Guerra estourar,antes dos filmes pós-Vietnã da New Hollywood demonstrarem um brilhantismo no seu modo de denunciar os conflitos, antes de blockbusters como "Tubarão" ou "Titanic" ficarem por meses nas salas de cinema,lá nos pioneiros anos 20 King Vidor dirigiu "O Grande Desfile",primeiro grande filme de guerra que viria a formar as bases de um subgênero tão cheio de possibilidades de erros do que de acertos.
Filmes tendo como ponto de partida uma familia destroçada pela guerra ja existiam desde "O Nascimento de uma Nação" de D. W. Griffith.Mas o individuo alienado que é pego pelo patriotismo e acorda para uma realidade avassaladora e mortífera tem  a sua epopéia exposta primeiramente por esse filme de King Vidor.

Pressionando Irving Thalberg,cabeça-chefe genial da MGM,para que produzisse um filme tão realístico quanto ambicioso,Vidor e o roteirista Harry Behn adaptaram o romance autobiográfico "Plumes" de Laurence Stallings o transformando no filme que o faria um dos diretores top de sua época.

Antecipando "O Franco Atirador",a primeira hora do filme se concentra na apresentação dos personagens e suas diferentes nuances psicológicas misturando romance e humor e se distanciando de qualquer ato de violência.Uma hora lúdica.Conhecemos o protagonista James Apperson(Lewis Gilbert,que se tornaria um dos maiores astros da época),um jovem rico e mimado que a principio não vê muita vantagem em se alistar no momento em que os EUA entram na Primeira Guerra Mundial,mas como o patriotismo surge em cada esquina através de bandeiras,confetes e desfiles,como o seu pai se sentiria mais orgulhoso com seu alistamento e na tentativa de se juntar à freneticidade empolgada de seus amigos ao mesmo tempo que tenta agradar a namorada,James acaba cedendo à "honra"estabelecida pelo dever à patria.
Vivendo num stand-by com o resto de sua tropa num vilarejo francês,James se apaixona por Melisande, atraente dentro de sua vulgaridade,estranha a um rapaz acostumado com patricinhas da alta sociedade.Junto com mais dois de seus amigos James vai aprendendo a compartilhar,a viver conforme a necessidade,e a fortalecer seus laços com a  francesinha cobiçada pelo resto da tropa devido ao distanciamento sexual que a guerra proporciona.
Assim somos mergulhados num clima absolutamente lúdico com a mistura de versatilidade tanto de Vidor quanto de Gilbert que contrabalanceiam o humor físico com o romance,enquanto que o personagem se desenvolve psicologicamente com o nosso acompanhamento.

Enfim as tropas são chamadas para a guerra,e num choque atmosférico somos levados ao inferno de Vidor.
Com a idéia de expor de forma crua e sangrenta o que uma guerra realmente é,ele constrói cenas magníficas em uma tour de force inédita.
Os soldados invadindo uma floresta cheia de metralhadoras e snipers assim como o momento em que seu amigo Slim sai da trincheira se escondendo entre sinalizadores para cumprir uma missão cujos resultados respondem à todo o destino que a vida de James toma pela frente estão entre as maiores do cinema de guerra conseguindo aproximar o espectador da tensão que o momento representado proporcionaria e fazendo com que julguemos por nós mesmos a decisão que iríamos tomar em tal situação,ao mesmo tempo que nos colocamos do lado do protagonista de uma forma indgnada ao ver que o que está sendo mostrado na tela é uma arbitrariedade comum na politica humana.

O senso de cenário e iluminação de Vidor proporcionam pela primeira vez a guerra como forma de arte,o que seria repetido por "Apocalypse Now"(1979),"Gloria Feita de Sangue"(1957) e por "Sem Novidade no Front"(1930,um filme mais recente à esse e injustamente mais conhecido).
As ruinas de um bombardeio dispostas no background como um quebra-cabeças gigante,o flashback no abraço de sua mãe quando James retorna com seus olhos frios fazem desse filme não só uma das grandes obras de arte anti-bélicas como tambêm dá o grande chute necessario para que um dos maiores diretores de sua época deslanchasse sem ser uma marionete-capitalista,mas um dos primeiros autores a imporem uma marca propria ao mesmo tempo que lidavam com grandes estudios : King Vidor.