quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Amarcord" by Federico Fellini - 1973

"Amarcord" é "Me Recordo" se traduzido do dialeto de Rimini,cidade natal do diretor,pro português.A lembrança protagoniza o filme;mesmo que Fellini insista em dizer que não tenha caráter autobiográfico,suas recordações são distribuidas em vinhetas dispersas,porêm ligadas à um nexo rigoroso,mais rigoroso do que muitos dos filmes dele.
 
Não se concentra em nenhum personagem em especial,porêm numa gama de acontecimentos dramaticos,historicos  e comuns em sua magica técnica artistica.O filme talvez se concentre mais em Titta(inspirado num amigo se infancia de Fellini),um endiabrado rapaz que acaba sendo o espelho da adolescência,ou os olhos do proprio  diretor à época.
Se Fellini tinha um dom,era o de filmar tudo como se fosse uma nova descoberta,o que casa com a visão que os jovens tem da puberdade,da masturbação,da bunda da mais gostosa da cidade,da ninfomaniaca que ronda a cidade como um zumbi sedento( a ninfomaniaca era um personagem recorrente de Fellini vide "Roma"(1972) ou "Satyricon"(1969)),das incriveis corridas de carro("Olhem,eu achei uma orelha!!"),dos filmes de Gary Cooper,da escola,...e consequentemente da alienação que a Igreja e o Fascismo de Mussolini exercia nas pessoas.
O modo como Fellini expõe de forma sincera o olhar jovem nesse filme,o torna um pré-teenmovie(tão difamado),repleto de cenas "grotescas" de descoberta sexual e afins,como ja tinha rabiscado em seu segundo filme "Os Boas-Vidas(1953)".

Situações inesperadas como os enormes seios da dona do armazem,a punheta coletiva no carro com direito a briga de quem pensa em quem,a culpa imposta pela igreja na hora da confissão,o discurso do padre sobre o "se tocar",as peraltices na escola(que remete à Jean Vigo),o amor impossivel do personagem gordo(com a sensacional cena da gigante armação de flores com o rosto falante do  Mussolini),....são situações que são extraidas da memoria do aprendizado existente no subconsiente do diretor,isso é palatavel,há um senso de experiência ali,mesmo que não estritamente ligado a vida real de Fellini,mas tão verdadeiros que podem ter nexo as vezes como as nossas proprias lembranças.


O fascismo com toda a sua promessa e capacidade de arregimentar partidarios é visto aqui como algo que está sendo presenciado e não julgado, como um acontecimento de uma época.Sabemos que foi duro pra todos,o pai de Tita sendo obrigado a tomar oleo de ricino até se cagar,o tiroteio maluco contra a torre onde esta um gramofone tocando o "Hino Socialista",a diferença dentro da propria familia,os jovens sendo instigados inocentemente a serem guerrilheiros fascistas e a figura do Dulce sendo idolatrada são vistas aqui como fruto da alienação politica compartilhada ironicamente somente com a  Igreja Católica.Alienações constituidas pelo proprio autor como os famosos "lapsos de consciência".

Se um dia Fellini foi cartoonista e essa qualidade de quadrinização e distribuições de personagens dentro de um quadro são vistas em quase todos seus filmes,em "Amarcord" isso se mostra mais latente devido a sublimação da utilização da cor e do estilo dinamico,sincopado e coerente de Ruggero Mastroiani e sua edição supervisionada(obviamente) pelo conceptor da obra.Em momentos como a corrida de habitantes locais pra poder avistar um cruzeiro belissimo em alto-mar,ou as sequencias de relatos como as do hotel,a visão de um pavão,o tio maluco de Tita em cima de uma arvore atirando pedra em todo mundo e gritando "Eu preciso de Mulher!",nota-se um ajuntamento de iluminação,figurino e ferramentas narrativas visuais com cada cor em seu detalhe emulando a qualidade onirica de um filme de animação.Assim como quando Fellini se utiliza somente da trilha de Nino Rota pra fazer os personagens dançarem com o vento,ou um caricato sanfoneiro cego começar a tocar pra finalizar o filme.

Enfim "Amarcord" foi a prova final da maestria tecnica de Fellini,e que era natural à ele,capaz de transformar qualquer cena do roteiro em belas e memoraveis imagens,o que contribui em absoluto para a força da sua mensagem.
Por tão complexo e grandioso que possa parecer o amalgama de  personagens do filme,o roteiro tem o cuidado de dar a cada um a atenção devida,sendo que ao final da projeção nos lembraremos de todos com a mesma familiaridade que vizinhos de cidades como Rimini possuiam entre si mesmo numa época perdida e nostalgica,testemunhas de fatos e acontecimentos históricos e pessoais que possam causar reviravoltas em seu cotidiano.
O termino desse filme revela um sentimento artistico de despedida de uma era,pois no começo dos anos 70 todos queriam um cinema diferente do artistico,que perdia seu apreço popular.Porêm "Amarcord",com seu doce humor e humanismo,deixou seu status de obra-prima não se perder nos furacões da superficialidade moderna.