domingo, 23 de outubro de 2011

"Satyricon" by Federico Fellini - 1969

"Eu estou examinando a Roma Antiga como se essa fosse um documentario sobre os habitos e costumes dos marcianos."
Fellini.



Realmente sua visão sobre a Roma Antiga não só revela uma caracterização picaresca e exotica unica,como uma idealização de caos infernal decorrente da liberdade perversa dos contemporaneos à Nero.Fellini sempre se utilizou da satira e ironia pra descrever aspectos da sociedade moderna.O escritor Petronius tambem se utilizou dessa mesma forma de linguagem pra retratar aspectos da sociedade de sua época em seu romance "Satyricon",criando em sua literatura um desenvolvimento de personagens e alusões sobre esse periodo historico,dificeis de se achar na literatura antiga.
Fellini releu Petronius durante a recuperação de uma doença e se encantou com o aspecto fragmentado da narrativa(dado que varios pedaços do manuscrito se perderam com o tempo),o que casava diretamente com sua visão onirica e divagante.
O chamado Verão do Amor,o Woodstock,a libertação pós-guerras,a revolução sexual e as diversas manifestações artisticas europeias que exploravam a falta de limite expressivo que uma obra pode ter,casam diretamente com o homossexualismo dos protagonistas(como a maioria dos personagens de romances classicos da Antiguidade,sua vontade não possui limites),com o erotismo pedofilo,com a depravação e caldo de loucuras com os quais Fellini faz paralelo com Petronius.
O filme de Fellini brinca com algumas questões.
Como seria o entretenimento naquela época?
Como seria o amor naquela época?
Como seria a riqueza naquela época?
Como seria a maldade naquela época?
Como seria a arte naquela época?
E constroi uma resposta a cada uma dessas questões subentendendo paralelos com a civilização atual.
Seus personagens surgem rasteiramente,como sobreviventes cada um a seu modo de uma sociedade sem lei e moral.As interligadas e desconexas aventuras de Eucolpious nos dão a sensação de ocorrencias ilogicas como acontece em produções dispares como "Evil Dead 2" ou em alguns episodios de "Twilight Zone".A intenção de Fellini é causar estranheza,é fazer você querer entrar num novo mundo.Não há a simbologia junguiana ou de teorias exotericas,mas uma visão propria de uma era.
O conceito de produção artistica tem seu auge aqui,com Fellini  e seus colaboradores construindo sets extensos e contratando freaks e mais uma quantidade incrivel de figurantes que são colocados de forma importante quadro-a-qaudro.Nesse filme o diretor italiano superlativiza o papel de figurante.Notem como alguns olham estranhamente pra camera como estranhassem nossa intrusão.

A excelente edição do mestre Rugero Mastroianni distribiu essas apariçoes unicas de forma a aumentar o devaneio sensorial de quem esta presenciando essas cenas.Como na cena do Bordel,onde a camera passa de porta em porta apresentando todos os tipos de figuras inimaginaveis em uma ilustre coreografia de atores.Algo jamais visto.Como o banquete do famoso personagem Trimalchio aonde se desenrola uma quantidade unica de situações que dançam entre o improviso e o ensaiado.Com a originalidade indo do figurino a trilha sonora.
Nino Rota aqui faz o mesmo que Bernard Herrman em "Os Passaros" de Hitchcock passando de compositor principal a consultor de compositores experimentais(o produtor de Charles Mingus,Ilhan Mimaroglu)  e  eletronicos(Tock Dockstader cujo album "Eight Eletronic Pieces"  foi utilizado)contratando-os para dar ao filme um aparencia cosmica-espacial.Com sons pinkfloydianos da fase Pompeii misturados com climas sci-fi.
Apesar de tentar não ser um filme auto-referenciativo,muito das problematicas de Fellini se encontram aqui,como o dilema artistico de Emolpious e a anti-valorização da fé.Mas acima de tudo a sexualidade masculina e o subconsciente,com Encolpious(um estudante aqui em vez de um gladiador no livro)lutando contra o minotauro numa metafora de auto-busca numa sequencia inexistente no livro e que  remete a lenda de Teseu,tendo como obejtivo mor em sua peregrinação a cura de sua impotencia sexual.
Enfim "Satyricon" não só é um dos filmes mais originais e criativos da historia do cinema,como é uma daquelas obras  a serem pegadas constatemente na biblioteca da historia da evolução da humanidade e de sua cultura social.Um marco.Um trabalho detalhistico e perfeccionista onde cada elemento,por menor que seja,é colocado contra o exagero e à favor da proposta idealizada pelo auteur.Um dos fimes de Fellini mais Fellini de todos,visto de forma mais abrangente agora,depois de 40 e poucos anos,onde podemos nos contextualizar historicamentea e analisa-lo de modo geral.
Talvez o retrato do amor e da arte em uma sociedade ainda em desenvolvimento moral com aparencias pos-apocalipticas só encontre paralelo em "Andrei Rublev" de Tarkovsky que foi lançado coincidentemente no mesmo ano.E a figura dantesca do protagonista felliniano esta no inferno apropriado dessa vez,na mesma Roma ironizada por ele em "A Doce Vida".
A magnifica cena final traduz de forma magica e misteriosa,a reticencia narrativa do passado.