domingo, 6 de novembro de 2011

"Uma Janela Para o Amor" by James Ivory - 1985

A união do americano James Ivory,o produtor indiano Ismail Merchant e a roteirista alemã Ruth Prawer Jhabvala resultou em pelo menos 4 grandes filmes perfeccionistas e absolutamente perfeitas adaptações de romances.
Parece ser uma grande melosidade,filmes de época ingleses não encontra lugar na exigencia dos jovens brasileiros por exemplo,mas James Ivory e suas produções são nomes a serem considerados e não só por adoradores do Oscar cujas varias estatuetas foram para seus filmes,alêm das indicações é claro.
O livro de E.M Forster foi escrito em 1908 na época em que o Rei Eduardo VII incentivava as artes e o sufragio feminino numa transição da sociedade inglesa visando a modernidade.
E claro,ingleses jogando tenis nos gramados ao sol eram imagens frequentes desse periodo.

Miss Lucy Honeychurch é um exemplo de garota que encontra a liberdade de escolha,o poder e a possibilidade da escolha em meio a sua descoberta sexual.O começo em Florença onde Lucy se encontra como turista com sua prima Charlotte(a tipica inglesa conservadora interpretada pela sempre competente Maggie Smith)em um hotel cujas presenças de diversoso outros personagens são compartilhadas,como os turistas ingleses Mr Emersom(um desbocado progressista fã de Thoureau) e seu filho George(absolutamente filosofico e aventureiro a ponto de extremas divagações),alêm do vigario malicioso Beebs(o sempre otimo Simon Callow),as duas velhotas Allans e a escritora libertaria Eleanor Lavish(que puta aparição de Judi Dench,cada momento seu é sublime) de uma importancia quase que metafisica no enredo final do filme,que leva Charlotte para uma divagação sobre o fogo escondido em Lucy numa viagem por Florença sem o Baedeker.
Após a visão da violência num homem esfaqueado (numa cena que me fez lembrar "O Atalante" de Jean Vigo)ela é acolhida por George e atraida por seu jeito selvagem.
Nota-se que o trunfo da produção do filme vai do figurino à direção de arte,a direção de Ivory tem o trunfo de harmonizar a edição e a fotografia a ponto de apresentar seus personagens através do estilo quadrinesco-literario que a sétima arte pode alcançar como ponto maximo de equalização com a literatura e o modo de se digerir um historia sem contar com excessos cansativos ou bordas gordurosas.
Os filmes de Ivory são polidos mesmo transpondo na decada de 80 um romance cujos temas ja eram pouco ligados por si só à contemporaneidade,mas que devem ser julgadas dentro da sua proposta.
Se direcionar ao romance e aprofundar tudo o que estiver ligado a ele,não importa se moderno ou não.
Prazeroso é ver Bonham-Carter linda como nunca em seu debut detonando como Lucy,uma mulher no fio da navalha entre o conservadorismo tedioso de se casar com Cecil Vyse(Daniel Day-Lewis,cuja atuação sublime lhe alçou ao patamar dos grandes talentos),que não sabe beijar,não sabe o que é uma mulher,não sabe jogar tênis...
Valores individuais são jogadas pro alto no romance de E.M. Forster que queria retratar a transição feminina à época, a queda da Belle Époque e dos costumes aristocraticos eram iminentes num comportamento mais a favor do livre -arbitrio feminista.Como Ivory nos mostra de forma brilhante no paralelo do beijo com pegada,demorado e verdadeiro de George em Lucy em meio as flores,com o beijo de Cecil,engraçadissimo,torto,seco e erratico.
Bonham-Carter passa de forma descomunal a tensão sexual e a dúvida do comportamento a favor do desejo verdadeiro de querer seu homem verdadeiro.E o final na janela com uma vista exala de forma orgasmica o final triunfante de uma mulher representando uma época,veja aí a riqueza de profundidade que seus personagens principais adquirem.
James Ivory é a prova através de suas adaptações que o cinema não é só travellings e piruetas mas a conjugação de musica,edição e fotografia(alem de figurino,direção de arte...)para se contar uma boa historia sem a pretensão senão de contar uma boa historia.
A de uma garota cujo Beethoven tocado com um fogo no piano,lhe falta na vida real.
Um terno,profundo e engraçadissimo filme.Importante!

"A Rotina Tem Seu Encanto" by Yasujiro Ozu - 1962

Nesse ultimo filme de Ozu o Japão pós-guerra que serviu de pano de fundo e catalisador das situações de "Era Uma vez em Tóquio",sua obra-prima,encontra aqui a exata personificação do modernismo como objeto de retrato do olhar de Ozu.Os quadros que intercalam as imagens que compõem a historia principal e que são cuidadosamente construidos com chaminés industriais simetricamente verticais,os cartazes luminosos e pisca-pisca da cidade,os corredores,todos esses com uma significação pictorica,são em si só um filme dentro de um filme.Alias uma das maiores qualidades de Ozu era compor esses quadros,que ja diziam muita coisa por si só.São eles por si mesmo a visão critica do diretor em relação ao desgaste de valores familiares no mundo moderno e a  guerra repetidamente  se mostra o motivo principal pela qual Ozu culpa essa mudança.
Em 1962 Ozu dá seu ultimato juntando temas que recorrem à solidão,à velhice,à manutenção dos laços familiares,como na maioria de suas obras-primas.Porêm em meio a reunião de Shuhei e seus amigos assuntos como remedio para "animar",a inveja do amigo que é casado com uma jovem mulher,tudo são temas que Ozu incorpora da onda de modernidade que estaria ainda para surgir com mais força,mas a qual ele não sobreviveria.
Ao mesmo tempo que conta a historia do viúvo Shuhei e sua indecisão de arranjar ou não o casamento para sua linda filha Michiko,visto que só ela e o filho mais novo são seus companheiros pós-viuvês,Ozu sobrepõe cenas do casamento de seu filho mais velho Koichi repleto de situações tipicas do casamento moderno e do feminismo latente,com discussões sobre onde e como colocar o dinheiro de cada um,brigas e decepções.Genial o modo imparcial ou ironico como Ozu distribui suas ideias de casamento,com a possivel futura esposa Koichi estando muitas vezes como observadora passivel,até se divertindo com as birras de seu irmão e sua cunhada,ao mesmo tempo que um casamento esta sendo arranjado pra ela de forma apressada,colocando Koichi até mesmo como uma possivel vitima de um virus anti-social e anti-tradicional moderno.Esse equilibrio entre ironia e denuncia é acompanhado brilhantemente pela musica do subestimado Kojun Saitô.A epifania de que o certo é ver o lado da filha primeiro,vem depois do reencontro de Shuhei com o professor Sakuma(o ótimo ator Eijiro Tono) e descobrir o modo como Sakuma se entregou aos cuidados da filha após sua mulher ter morrido,destruindo indiretamente qualquer possibilidade de vida amorosa dela.O receio de possiveis semelhanças com Sakuma é acarcado com os conselhos repetitivos de seu amigo Kawai,"Você esta a caminho do mesmo...". A lembrança de algo que não volta mais ou o valor dessa lembrança,vem na figura do amigo de guerra que lembra a derrota na marcha da jukebox.


O filme lembra em muitos aspectos aquele que eu considero seu segundo melhor filme,"Pai e Filha"(1949),porêm como ja dito Ozu incorpora a cor como nunca aqui.Nota-se um perfeccionismo ao mesmo tempo que meticuloso,brando;sem qualquer neura ou paranóia.As cores das chaminés,dos neons,dos tonéis distribuidos em pilha pela cidade,dos objetos posicionados inteligentemente pelo espaço,seriam um componente a mais em possiveis filmes futuros do mestre em prol do retrato avassalador do consumismo amoral anti-familiar.A obra de Ozu ,parece clichê dizer,é uma lição de convivencia,uma lição de convivio que não se degusta mais na sociedade moderna.É o tipo de arte e ensinamento oriental que calmamente te conduz através da realidade pra reflexões absurdamente reveladoras e comuns vindo das decisões em prol do bem de quem se ama;seja na cena em que a filha de Sakuma derrama lagrimas ao ver o pai bebâdo como um motivo sem culpa de sua frustração ou na solidão final de Shushei,tendo mais uma vez Chishu Ryu como o iconico interprete do herói pai de familia vitima do distanciamento e da incomunicabilidade do homem moderno na terceira idade.

"Conspiração do Silêncio" by John Sturges - 1955

Planos abertos e edição frenética mostrando um trem chegando num vilarejo no meio do oeste americano.
Nenhum trem para ali ha anos,todos os moradores perplexos saem das casas pra ver quem vai desembarcar.
Quem desembarca?
Spencer Tracy com um braço só.

Durante o McCarthismo a paranóia se apoderava em Hollywood com varios de seus artistas vitimas do "caça as bruxas".Todas essas vitimas foram conjugadas em Macreedy,um senhor que perdeu o braço na Segunda-Guerra e desembarca na remota Black Rock para entregar uma medalha à um desaparecido fazendeiro japonês.
A causa desse desaparecimento parece preocupar Smith e seus capangas que lideram a cidade na base do medo e da violencia.Quando Macreedy pões os pés na cidade,os homens terrivelmente durões de Smith começam a atormenta-lo.
Terrivelmente durões?
Sim,quem manja do universo cinematografico sabe que Ernest Borgnine e Lee Marvin eram fodas.
Aqui Borgnine consegue um troco ainda melhor que a facada de Montgomery Clift em "From Here to Eternity" antes de se redimir da maldade no humanamente terno e revolucionario "Marty" de Delbert Mann,do mesmo ano.
Porêm se há algo que apenas o cinema pode oferecer é um vilão interpretado por Lee Marvin.A presença de Marvin no cinema é algo violentamente significativo na cultura pop-artistica contemporanea,o que se revelaria em papéis sublimes posteriores com filmes de Aldrich,Fuller,Ford,Boorman...só pra citar alguns.

Agora imagine um invalido sofrendo nas mãos desses caras a todo minuto.

Aí é que entra a atuação de Spencer Tracy(ganhadora do prêmio em Cannes) onde cada olhar é significativo,cada gota de suor escorrendo da testa é convidativa à tensão do espectador.
Um personagem que sente medo sim,como Gary Cooper em "Matar ou Morrer",por enfrentar a covardia e a desvantagem;mas que se mostra misterioso o suficiente a ponto de desvendar certas habilidades como brigar,pliotar um jeep numa perseguição,ou improvisar um molotov...tudo com um braço.
Uma história tão visceral,tão denunciativa(mesmo que simbolicamente),e que se sobrecarrega da tensão vinda do medo que o homem tem da violencia do proprio homem,a eminecia da morte aqui encontra um status artistico dentro do modo como John Sturges conduz a narrativa.Sturges se mostraria mestre em tensão,violência e sobrevivencia em filmes absolutamente dignos de um lugar no museu das emoções viscerais transformadas em arte.Obras como "Sem Lei,Sem Alma"(1957),"Duelo de Titãs"(1959),"Sete Homens e um Destino"(1960) e "A Grande Escapada"(1963).

Uma das maiores obras a retratar a paranóia do pós-guerra nos anos 50,"Conspiração do Silencio" é uma puta crônica.Onde rostos te encarando a todo momento são apenas mascaras de gente fraca não sabendo lidar com uma responsabilidade criminosa provindo do preconceito e da ignorancia patriotica.
Politicamente contemporaneo à sua época.

"Quero ser John Malkovich" by Spike Jonze - 1999

Em 1999 esse foi o ápice da originalidade cinematografica.
Um filme sobe um titereiro que descobre o portal para a mente de John Malkovich.
Quem é John Malkovich?
O primeiro roteiro de Charlie Kaufman,uma das mentes mais brilhantes a surgirem em meio ao repetitivo meio cinematografico norte-americano do final da decada de 90.
Um roteiro passado pra tras por varios,uma historia absurda,e de pouco apelo comercial.
Chegou nas mãos de Copolla e esse passou pro seu genro Spike Jonze,um diretor de videoclipes.
Videoclipes?!
Sim,o que seria mais apropriado senão uma cria do mundo surreal da MTV?
Não se mostrou apenas apropriado,mas surpreendente.
Seria a escolha certa pra conseguir fazer alguem cair do nada na auto-estrada de New Orleans,filmar o ponto de vista de um chimpanzé   tendo que salvar seus parentes da captura de caçadores,ou fazer varias personas malkovichianas se esbarrarrem num restaurante...mas o mais incrivel foi a habilidade Jonze de manter o pé na realidade em uma sobriedade que equilibra todo o aspecto surreal da trama numa sensação de veracidade e realismo,como se aquilo pudesse realmente acontecer.
Se o roteiro de Kaufman é responsavel pela parte teórica e espiritual  do desenvolvimento de seus personagens,Jonze é responsavel em dar vida à esses personagens dirigindo seus atores de forma tão magistral a ponto de fazer alguns sairem de sua costumeira persona cinematografica.
Como Cameron Diaz,aqui toda relaxada e de cabelo desgrenhado;assim como uma atuação impressionante de John Cusack com seu jeito largado passando a sensação de fracasso e frustração suficiente para que haja uma identificação profunda com seu aspecto deploravel de artista sem apoio estrutural.
John Malkovich acaba sendo um personagem interessante por si só com a atuação deste indo da comica auto-referencia inicial até o brilhantismo de quando é manipulado pr Craig.

As metaforas visuais são usadas em prol de questões referentes ao desejo obscuro de se estar na pele de alguêm,de se manipular uma pessoa a beneficio proprio.
A cena introdutoria do filme ja é uma mini obra-de-arte,com  a marionete de Craig dançando a dança do desespero em movimentos que refletem(como na cena em que o boneco olha pra cima em direção ao seu manipulador)toda a alma conturbada de Craig.
E por mais que passe os anos o frescor ainda continua.
E se até hoje a falta de originalidade é um grande pecado recorrente no mundo artistico do cinema norte-americano isso não se deve nem a Jonze e nem a Kaufman,que juntos meio que inauguraram uma série de filmes metalinguisticos e metaforicos envolvendo a mente e as emoções humanas.

"Quero Ser John Malkovich" é um filme que te manipula como uma marionete do começo ao fim.