sábado, 1 de setembro de 2012

"Fausto"(1926) -F.W. Murnau




Fruto de um buscar pelo perfeccionismo,o uso de efeitos especiais e de elementos expressionistas à favor da magia,"Fausto" foi um dos filmes mais impactantes em sua época e um dos mais caros produzidos pela UFA antes de Fritz Lang surgir com seu "Metrópolis" um ano depois.
Misturando elementos referentes tanto à lenda medieval  quanto à peça de Goethe,o filme consegue ser um êxtase imagético aliado à representação alegórica da liberdade do homem de decidir entre o bem e o mal.

Cavaleiros vassalos do demonio espalham a fome e a doença enquanto raios de luz fulminantes cortam a tela antecipando o surgimento ofuscante de um arcanjo que resolve fazer uma aposta com Mephisto(o demonio) sobre a vulnerabilidade de Fausto,um alquimista considerado um exemplo de religiosidade e virtude.
Iniciada a aposta,numa cena magistral e horripilante,um grande trabalho de maquete e enquadramento - recurso que,assim como a sobreposição, é utilizado para mostrar o dominio do diabo -  Mephisto espalha a peste negra sobre a cidade do sábio iniciando uma histeria geral.
Ao ver que seus conhecimentos e sua fé não são aptos para ajudar seu povo,Fausto decide renunciar à Deus jogando a Biblia ao fogo.Mephisto então se aproveita e através de mensagens  no próprio livro em chamas,sugere que Fausto invoque seu nome numa encruzilhada.
Hesitante,temeroso,arrependido mas certo de que seria uma chance de ajudar os necessitados,Fausto assina um pacto com o demônio para ter o poder da cura.Numa tentativa  ineficiente de curar uma criança pela presença da sagrada Cruz,os populares percebem o seu pacto e o apedrejam sem dó.Vendo que a união com o Diabo não lhe proporcionaria paz,ele tenta o suicídio. Mephisto então lhe oferece a juventude fazendo com que o ancião se  entregue à uma séries de tentações desenfreadas.Depois de desfrutar das benesses do diabo - inclusive fazer amor com a Princesa de Parma,a mais linda mulher do mundo, destruindo com seu casamento -Fausto se encontra insatisfeito e decide voltar para sua cidade natal.
É quando conhece a linda e cristã Gretchen que vive adoravelmente com seu irmão e sua mãe numa casa cheia de felicidade.Vitima das traições de Mephisto,uma série de desgraças faz com que Fausto se afaste de sua amada ao mesmo tempo que destrói a vida da inocente.

Através de uma série de fatalismos o filme tem como mensagem a supremacia do amor acima de tudo,mas de uma forma melodramaticamente progressiva.
Muito se criticou sobre o demorado flerte entre Gretchen e Fausto e o aspecto cômico que o Diabo(o sempre genial Emmil Jannings) toma no momento em que ele distrai a tia da garota,distanciando o filme das verdades metafísicas que o conto de Fausto alegoricamente encerraria.Mas são momentos de suspiro,onde qualquer displicência de Fausto é posta de lado para um namoro bucólico em meio à referencias a anjos de Boticelli em forma de crianças,que cercam os amantes enquanto o demônio é só um bufão arquitetando a desgraça.Essencial esses momentos de distração se prolongarem o suficiente,pois o choque necessário para a compreensão do objetivo do filme é o sofrimento posterior de Gretchen,que perde sua familia,é humilhada,rejeitada,perde o filho e passa todas as dores do mundo.
Afinal não é a dor física,o desprezo de seu povo,ou a falta de prestígio que causou a desgraça de Fausto...mas o sofrimento do ente amado.E é impossível quem ama ou já amou não sentir a dor no peito de ver Gretchen em duras penas até o final redentor nas chamas.Gretchen acaba sendo uma personagem superior ao protagonista,representando o ato salvador,o brilho do halo do arcanjo, o amor.O sentimento supremo explicitado em letras grandes no final,e que vinha a calhar numa Alemanha onde o nazismo era ascendente.E é essa união do romântico com o expressionista que faz com que ao final do filme permaneça a sensação de algo adquirido,de uma obra que pretendeu ser desde o início uma síntese máxima do decadente Expressionismo -nas atuações meticulosas dos atores dentro da escola Reinhardt ou nos objetos de lugares pequenos enquadrados com o claro/escuro em planos psicologicamente montados -que conseguiu dar uma lição sem ser moralista,mas pungente e absolutamente honesto dentro da proposta estética do autor,assim como Murnau fez em "A Ultima Gargalhada" ou o posterior "Aurora" se tornando a figura mais influente dentro do gérmen que originaria o cinema moderno,dentro da geração pré-Kane ou Renoir.