domingo, 19 de agosto de 2012

"A Letra Escarlate"(1926) - Victor Sjostrom

Uma coisa é certa,independente das qualidades de seus filmes posteriores,Victor Sjostrom nunca superou sua obra-prima "A Carruagem Fantasma"(1921),um filme estupendo,influente,com uma filosofia profunda e um senso de direção ousado.Dos filmes que ele fez pra MGM são mais conhecidos "Vento e Areia"(1928,onde a melhor coisa no filme é o vento) e esse "A Letra Escarlate",onde todas as expectativas de uma obra que te atinja de uma forma tão metafisica quanto seu filme sueco são frustradas em prol de um melodrama bem filmado.
Lilian Gish está nos dois filmes e assisti-la é sempre um prazer.Uma das atrizes mais incríveis das primeiras décadas do cinema,o seu olhar a favor dos demorados planos de Victor que gostam de extrair do ator o verdadeiro sentimento do personagem não deixam insatisfeitos aqueles que apreciam boas atuações.

O problema é que "A Letra Escarlate" é baseado num romance de 1850,auge do Romanticismo Gótico americano voltado a questões como expiação,pecado e religião.E para ser adaptado às exigências de um povo de 1926,já cansado dos melodramas literários da era muda,seria necessario um roteiro enxuto,objetivo,e uma direção estimulante.
Contendo um diretor de tal calibre não é injustiça dizer que por muitas vezes a direção se arrasta em situações que poderiam ser melhor trabalhadas.Assim como o roteiro poderia aprofundar personagens que são importantíssimos pra historia mas que surgem apenas como coadjuvantes de um romance impossível.

O modo como o puritanismo é condenado não só pela historia original do livro de Nathaniel Hawthorne mas pelo comum humanismo dos filmes que Sjostrom filma,sempre será atual.A religião serve como refugio do medo e durante a historia da humanidade o medo do pecado,ocasionador do fanatismo e do extremismo religioso,é a ferramenta da hipocrisia que aponta o dedo para pessoas que apenas foram vitimas das convenções de seu tempo,do amor,e de pseudo-filosofias de sua época.
Hoje em dia isso ainda pode ser visto no modo como a igreja evangelica é homofóbica e preconceituosa,ou nos dogmas da igreja católica assim como nas leis assassinas de fundamentalistas orientais.É o que torna um romance melodramatico e antiquado digno de uma revisão e uma contextualização.


Os dedos aqui estão apontados para uma das grandes heroinas do imaginario literario americano da segunda metade do seculo XIX:Hester Pryne(Lilian Gish).
Ja mal vista pela comunidade desgraçadamente puritana da Boston-colonia do sec. XVII por agir de forma pouco convencional,ela é amparada pelo prestigiado pastor local Arthur Diemesdale(interpretado pelo ótimo ator sueco Lars Hanson).Os dois se apaixonam e ao descobrir que na verdade ela é casada com um médico desparecido ha anos ele decide não levar adiante seu affair e viaja pra Inglaterra.Um ano depois ele volta e descobre Hester sendo condenada brutalmente por ter dado à luz a um filho seu e obrigada a usar uma letra A de Adultera em cor vermelha bordada no seu peito.
Para não perder o seu posto de clérigo o segredo é mantido e Arthur é obrigado a conviver vendo sua amada como uma banida/expurgada tentando criar sua filha com uma dignidade isolada enquanto que no seu intimo a tortura se crava na forma de ressentimento e impotencia.

Um grande final surge como um desabafo mortal para um filme que deixa a desejar por ser de Sjostrom,mas  que mesmo assim ainda é a maior adaptação do livro(na época,desde 1908,ja haviam sido feitas 6)que merece ser assistido pelo amor que seus atores despejam em seus personagens numa historia que merece ser contada nos colégios.

"O Cavalo de Ferro"(1924) - John Ford

John Ford ja havia filmado dezenas de filmes em 1924 mas "Cavalo de Ferro" foi o ponto de partida da mitologia western num épico-historico.Uma produção caríssima com milhares de figurantes,indios,búfalos e duas cidades construidas o filme se provou um sucesso mundial arrecadando quase 10 vezes mais o seu custo.Não se deixem enganar por ser um filme da era muda do Ford porque,como eu disse,ele ja havia feito muitos filmes e filmar era quase como respirar;Ford apenas dirigia uma historia,as suas marcas registradas surgiam ao natural.

O filme começa com Miriam Marsh e Davy Brandon brincando enquanto crianças,sendo observadas por Abraham Lincoln.
O pai de Davy,um agrimensor,diz sonhar com o dia em que as ferrovias acalmem o territorio selvagem  de leste a oeste enquanto o seu amigo empreendedor  Marsh(pai de Miriam)duvida de seus sonhos.
Brandon parte com Davy pra começar seu sonho e descobre um atalho que encurtaria 200 milhas o caminho original, mas um incoveniente com os indios Cheyenne faz com que ele seja morto à machadadas por um renegado de dois dedos enquanto Davy assiste tudo escondido.
Os anos se passam e em 1864 o Presidente Lincoln,que assistiu a partida de Brandon,assina a autorização para o inicio da construção da Primeira Ferrovia Transcontinental.O inicialmente cético Marsh se encontra como o responsavel pelo empreendimento e sua filha Miriam esta noiva do engenheiro chefe Jesson.
Marsh precisa descobrir um atalho que se encontra justamente nas terras do poderoso Bauman que quer evitar o seus intentos subornando Jesson atraves de uma prostituta e de muito dinheiro.
Nisso reaparece Davy,agora como um mensageiro,para reacender o seu amor de infância por Miriam,causar ciúmes em Jesson e desiludir os planos de Bauman pois só ele sabe a localização do atalho encontrado com o seu pai anos atrás.

Ford filma uma historia de pioneiros sendo ele mesmo um pioneiro no cinema.Não só do ponto de vista homérico ao consolidar uma mitologia cinematografica mas tambem na maneira de contar uma historia.A camera na mão em cenas de batalhas e os indios no topo da colina ja se encontram desbravadores aqui.A locação de Sierra Nevada serve como pano de fundo de uma odisseia do povo americano no intuito de unir sua terra.O herói macho,a briga de soco,os momentos comicos-etilicos e o companheirismo fordiano ja parecem consolidados.George O'Brien faria ainda mais 6 filmes com Ford devido ao sucesso desse filme,e realmente seu Davy Brandon é quase um super-herói de testosterona e carisma.Durante o interminavel trabalho nas ferrovias surgem ataques de indios,grandes batalhas,revelações bombasticas e festas em bordéis.
Não foi o primeiro filme e nem o primeiro western de Ford(muito menos primeiro western do cinema sendo que Bronco Billy e Tom Mix ja eram sucessos)mas foi o inicio de uma nova era.
E viva o soco na cara!!