segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"O Veludo Azul" by David Lynch - 1986

Um dia David Lynch sonhou com um titulo: "Veludo Azul".
Um dia David Lynch imaginou uma orelha humana perdida no gramado.
Um dia David Lynch,quando criança,chorou ao ver uma mulher nua correndo pela rua desesperada.
Um dia David Lynch teve o obscuro desejo de espiar uma mulher de dentro de um armario e descobrir pistas de um crime.
Um dia ele ligou isso com a imagem da orelha e o titulo Veludo Azul atraves da canção homonima "Blue Velvet" de Bobby Vinter,retrato de uma doce geração.

Ironizar o "american way of life" foi o próximo passo depois do subestimado "Duna"(1984) e de ter feito sucesso cult com "Eraserhead" (1977),e figurado entre o mainstream com "O Homem Elefante" (1980).
As cercas brancas rodeadas por rosas vermelho-vivo,as crianças brincando no gramado,o bombeiro acenando para nós,e todo esse otimismo pregado pela alienação social norte-americana não é dessa vez invadido por um psicopata como em "A Sombra de uma Duvida"(1943) de Alfred Hitchcock ou "O Estranho"(1946) de Orson Welles;nem tão devastadoramente destroçada emocionalmente como nos posteriores filmes de Sam mendes como "Beleza Americana"(1999) e "Foi Apenas um Sonho"(2008).Aqui Lynch prefere defrontar o bem com o mal dentro do que seria a visão dele desses opostos pertencentes a qualquer ecossistema,do pré-fabricado ao natural.
Se a idealização da felicidade utópica é corrompida por um ataque(do pai de Jeffrie,causa da sua volta),e um ninho de insetos nojentos sendo usados como metáfora para o que se esconde por tras da fachada de um lindo gramado,assim como um cachorro brincando com o dono enquanto esse pode estar morrendo é o que se esconde por tras de um aparente amigo fiel;vemos que Lynch mostrará atraves de simbolismos o confronto entre esses dois pólos.
Através de uma orelha humana descoberta por Jeffrie no quintal,como que um portal ela nos levara junto com ele numa odisseia de aprendizado da vida como ela realmente é e pode ser:o mundo dos insetos.


Muito se diz da luta entre o bem e o mal nesse filme mas o que se vê é uma ironia sarcastica gritante do modo de se ver o mundo pela inocencia alienatoria.O casal de protagonistas são tidos como os heróis desde o inicio porêm são totalmente aquêm de qualquer conceito de violência,e logo Jeffrey se depara com sadomasoquismo,estupro ritualistico,fetiche,psicose,perigo imediato,assassinato,tudo em pouco tempo,na figura do psicotico inalador de nebulizador afrodisiaco delirante Frank Booth(Dennis Hopper que aceitou o papel dizendo que o personagem era ele?!)e a cantora Dorothy Vallens(Isabella Rossellini totalmente negligenciada fisica e moralmente,no bom sentido...).Impressionante como Lynch constrói a cena em que Jeffries conversa com Sandy no carro,os atores com uma interpretação propositalmente forçada,mostrando a patética visão de mundo deles,deparados com o mal:
- "Porque existe alguem como Frank?!"
Seguido por um bobo discurso de Sandy sobre um sonho onde pintarroxos representavam o amor.
Há de se notar a ironia que Lynch se reveste nesse sentido(e que resume sua mensagem),até no epilogo do pintarroxo com um inseto no bico com mais uma metáfora simbólica do bem vencendo o mal e frases como "Que mundo estranho esse que vivemos!".


Um sonho sim é o que parece ser o filme a todo momento,com Frank levando Jeffrey a um passeio de descoberta onde estranhos personagens vão surgindo de forma quase que Felliniana(mesmo que Lynch tenha inventado uma linguagem propria,a influencia de Fellini e Kubrick é obvia).
Dean Stockwell surge brilhantemente como uma bicha psicotica e misteriosa afetada,assim como Roy Orbinson embala um espancamento após a primeira reação a violencia de Jeffrey.
O misterio policial é apenas um mote referencial ao noir e forma de conduzir o que importa,que é o modo comico-ironico-perversivo com que Lynch retrata a jornada de pessoas pertencentes à um conceito harmônico pateticamente publicitario,para o underground do mal escondido em qualquer um de nós.

domingo, 30 de outubro de 2011

"Ginger e Fred" by Federico Fellini -1986

A televisão surgiu como um furacão pós-moderno perverso e engolidor da verdadeira arte no seculo 20.Suas artimanhas publicitarias e seu entretenimento vazio,forçado e alienatório foi uma das principais causas da decadencia cultural moderna.Nada mais satisfatório do que ver Fellini em seu ultimo grande filme agir com um sarcasmo cortante e engraçadissimo contra essa midia tão despudorada,lidando com temas pessoais seus como a propria "decadência", sua velhice e o medo do futuro.

Amelia(Giulietta Masina) e Pippo(Marcello Mastroianni) são dois veteranos artistas que costumavam imitar Ginger Rogers e Fred Astaire 40 anos antes e decidem se reencontrar depois de um convite feito por um programa de televisão.O mundo se encontra diferente,o aparelho televisor surge como um imã cerebral.Ninguem consegue largar os olhos dela.
O humor é a ferramenta de Fellini.Quando Amelia desembarca em Roma o maremoto cultural moderno ja a engole na figura de funcionarios da televisão,sósias dos mais variados artistas,figuras excentricas como um travesti,um velho heroi de guerra...
Amelia (Masina tão naturalmente perfeita e auto-referenciativa como em "Julieta dos Espiritos"(1965)) se encontra apavorada com todo aquele assalto de perversão e superficialidade,onde as pessoas não conversam,apenas mandam..;e numa Roma perigosa como nunca.
A direção de Fellini  por mais convencional que seja,nunca é convencional.O modo como ele distribui esse bando de personagens emergentes de um novo mundo é com a mesma quadrinização anterior.A musica de Nino Rota não existe mais ali,mas parece que Nicola Piovani(oscarizado por "A Vida é Bela")segue a mesma linha picaresca,visto que a correspondencia psicologica da musica-Fellini ainda é a mesma.

Mas o que carrega realmente o filme é Marcello Mastroianni em uma puta interpretação.O seu Pippo é um verdadeiro artista desbocado,cinico,debochado e frustrado,mesmo que procure não não deixar transparecer em meio a piadas sarcasticas.O ator se joga em seu personagem com sua voz catarrenta e constantes tosses em meio à resmungos e atitudes de escarnio.Um divertido personagem que carrega Amelia pela mão em sua erratica decisão de voltar ao passado ou não,em um programa de televisão de espetaculos passageiros e superfluos(que tem como apresentador Franco Frabrizi,ator recorrente nos primeiros filmes de Fellini como "Os Boas-Vidas" e "A Trapaça").

Enfim o final se mostra ao mesmo tempo que lindo e emocionante,uma lapide na sepultura de um artista.O rock'n roll ja tinha dominado,a televisão extrapolado,sacos de lixo espalhados por toda a cidade.Fellini se despede com sua ultima visão satirica de um futuro incerto...

"E la Nave Va" by Federico Fellini - 1983

Em 1983 Fellini ja tinha se tornado um marco historico no mundo do cinema.Seus filmes sempre satirizavam a sociedade e o ser humano com sua visão particular e extravagante.O termo "Felliniano" pode ser encontrado até em dicionarios.
Porem em seus derradeiros filmes dos anos 80 ele ja parecia se preocupar em abrir mão de muito de suas caracteristicas estilisticas antigas para equilibrar sua tecnica e sua inventividade narrativa  com arroubos artisticos moderados.Sempre exaltando a visão,a mensagem, e a arte em si.

Aqui Fellini conta uma historia que se passa quase inteiramente num grande navio fretado por principes,artistas de teatro,dançarinas,cantores de ópera,condes,barões,grão-duques,paranormais,...com destino na ilha de Erimo onde(como pedido em seu testamento),as cinzas da ilustre e gloriosa cantora Edmea Tetua devem ser espalhadas.
A chegada dos passageiros no porto na cena introdutoria é apresentada por Fellini como um daqueles documentarios mudos do inicio do seculo passado em uma clara metafora fílmica.Logo surge o personagem de Orlando (interpretado pelo ingles Freddie Jones),um jornalista intrometido que será nosso guia em meios aos caricatos personagens e situações dentro do navio,o famoso personagem bufo de Fellini,o mestre de cerimonias.Orlando conversa com nós olhando diretamente pra câmera,sujeito a gags comicas forçadas que quase me decepcionaram nos primeiros 15 minutos.
A musica e o som são tratados de forma quase metafisica nessa obra,onde experimentos aparentemente casuais permite uma interação psiquica com quem assiste.A cor do som da voz,a orquestra de copos nivelados com agua,a galinha hipnotizada.São situações expostas como uma curiosidade que esta sendo partilhada diretamente com nos.

A ironia vem do retrato satirico da belle époque do pre-guerra em meio a personagens quase que todos excentricos em seus comportamentos como o barão  sendo constantemente traido pela sedenta baronesa,o gordo grão-duque e sua prima cega(interpretada por Pina Baush,famosa bailarina artistica daquele numero em que ela sai atropelando as cadeira que está em "Fale Com Ela" do Almodóvar),os cantores de ópera(grandiosos na cena em que cantam pros operarios do navio em meio aos barulhos da caldeira e trabalhadores numa grande alegoria musical).

Na segunda parte o filme dá uma reviravolta ritmica genial com a subida à bordo de um bando de camponeses pobres turcos fugidos do exercito do Império Austro-Húngaro logo após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e o inicio da primeira guerra.
Fellini se veste de uma sutil denuncia e ironia à la Buñuel mostrando o contraste desses dois mundos.A cena em que eles comem enquanto os camponeses famintos ficam assistindo é brilhante,alêm de nos apontar quais são as reações de cada personagem...mesmo que depois das cortinas serem fechadas a unica que se prontifica a alimenta-los é a ninfomaniaca baronesa,logo encontrando um oasis do seus sonhos no rosto rude dos turcos.
 No apoteótico final em meio a vozes,tiros,mares de lona,e cenarios de estudio a camera se distancia no climax da ação pra mostrar todo o aparato do set de filmagem em um longo plano sequencia que fecha num close da camera principal do diretor.
Fica aquela sensação de vazio e pretensão,diferente de outros inumeros filmes do diretor,mas mesmo assim uma bela experiencia de poesia,humanismo e tour de force do Fellini.
Alem de ter a belissima e inebriante "Clair de Lune" de Debussy e a simbolica presença de um rinoceronte fétido e doente.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Amarcord" by Federico Fellini - 1973

"Amarcord" é "Me Recordo" se traduzido do dialeto de Rimini,cidade natal do diretor,pro português.A lembrança protagoniza o filme;mesmo que Fellini insista em dizer que não tenha caráter autobiográfico,suas recordações são distribuidas em vinhetas dispersas,porêm ligadas à um nexo rigoroso,mais rigoroso do que muitos dos filmes dele.
 
Não se concentra em nenhum personagem em especial,porêm numa gama de acontecimentos dramaticos,historicos  e comuns em sua magica técnica artistica.O filme talvez se concentre mais em Titta(inspirado num amigo se infancia de Fellini),um endiabrado rapaz que acaba sendo o espelho da adolescência,ou os olhos do proprio  diretor à época.
Se Fellini tinha um dom,era o de filmar tudo como se fosse uma nova descoberta,o que casa com a visão que os jovens tem da puberdade,da masturbação,da bunda da mais gostosa da cidade,da ninfomaniaca que ronda a cidade como um zumbi sedento( a ninfomaniaca era um personagem recorrente de Fellini vide "Roma"(1972) ou "Satyricon"(1969)),das incriveis corridas de carro("Olhem,eu achei uma orelha!!"),dos filmes de Gary Cooper,da escola,...e consequentemente da alienação que a Igreja e o Fascismo de Mussolini exercia nas pessoas.
O modo como Fellini expõe de forma sincera o olhar jovem nesse filme,o torna um pré-teenmovie(tão difamado),repleto de cenas "grotescas" de descoberta sexual e afins,como ja tinha rabiscado em seu segundo filme "Os Boas-Vidas(1953)".

Situações inesperadas como os enormes seios da dona do armazem,a punheta coletiva no carro com direito a briga de quem pensa em quem,a culpa imposta pela igreja na hora da confissão,o discurso do padre sobre o "se tocar",as peraltices na escola(que remete à Jean Vigo),o amor impossivel do personagem gordo(com a sensacional cena da gigante armação de flores com o rosto falante do  Mussolini),....são situações que são extraidas da memoria do aprendizado existente no subconsiente do diretor,isso é palatavel,há um senso de experiência ali,mesmo que não estritamente ligado a vida real de Fellini,mas tão verdadeiros que podem ter nexo as vezes como as nossas proprias lembranças.


O fascismo com toda a sua promessa e capacidade de arregimentar partidarios é visto aqui como algo que está sendo presenciado e não julgado, como um acontecimento de uma época.Sabemos que foi duro pra todos,o pai de Tita sendo obrigado a tomar oleo de ricino até se cagar,o tiroteio maluco contra a torre onde esta um gramofone tocando o "Hino Socialista",a diferença dentro da propria familia,os jovens sendo instigados inocentemente a serem guerrilheiros fascistas e a figura do Dulce sendo idolatrada são vistas aqui como fruto da alienação politica compartilhada ironicamente somente com a  Igreja Católica.Alienações constituidas pelo proprio autor como os famosos "lapsos de consciência".

Se um dia Fellini foi cartoonista e essa qualidade de quadrinização e distribuições de personagens dentro de um quadro são vistas em quase todos seus filmes,em "Amarcord" isso se mostra mais latente devido a sublimação da utilização da cor e do estilo dinamico,sincopado e coerente de Ruggero Mastroiani e sua edição supervisionada(obviamente) pelo conceptor da obra.Em momentos como a corrida de habitantes locais pra poder avistar um cruzeiro belissimo em alto-mar,ou as sequencias de relatos como as do hotel,a visão de um pavão,o tio maluco de Tita em cima de uma arvore atirando pedra em todo mundo e gritando "Eu preciso de Mulher!",nota-se um ajuntamento de iluminação,figurino e ferramentas narrativas visuais com cada cor em seu detalhe emulando a qualidade onirica de um filme de animação.Assim como quando Fellini se utiliza somente da trilha de Nino Rota pra fazer os personagens dançarem com o vento,ou um caricato sanfoneiro cego começar a tocar pra finalizar o filme.

Enfim "Amarcord" foi a prova final da maestria tecnica de Fellini,e que era natural à ele,capaz de transformar qualquer cena do roteiro em belas e memoraveis imagens,o que contribui em absoluto para a força da sua mensagem.
Por tão complexo e grandioso que possa parecer o amalgama de  personagens do filme,o roteiro tem o cuidado de dar a cada um a atenção devida,sendo que ao final da projeção nos lembraremos de todos com a mesma familiaridade que vizinhos de cidades como Rimini possuiam entre si mesmo numa época perdida e nostalgica,testemunhas de fatos e acontecimentos históricos e pessoais que possam causar reviravoltas em seu cotidiano.
O termino desse filme revela um sentimento artistico de despedida de uma era,pois no começo dos anos 70 todos queriam um cinema diferente do artistico,que perdia seu apreço popular.Porêm "Amarcord",com seu doce humor e humanismo,deixou seu status de obra-prima não se perder nos furacões da superficialidade moderna.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

"Roma" by Federico Fellini - 1972

Roma mais uma vez por Fellini,após "La Dolce Vita " e "Satyricon";após ser ele na decada de 40 um dos roteiristas a mudar o cenario do cinema com os filmes neo-realistas,mostrando ao mundo uma cidade corrompida com a destruição deixada no pós-guerra.
Em 1972 Fellini ja tinha se tornado dono de um estilo ha muito definido por completo.Em "Roma" a quantidade de situações sobrepostas como uma antologia de memorias dispersas reflete  ao mesmo tempo que a já comum viagem temporal sobre as raizes de sua personalidade se misturam à comparação denunciativa do presente com a nostalgia do passado.
As primeiras cenas revelam a capacidade de Fellini de catar no espaço suas memorias e traduzir em imagens exaltando o simbolo que mais força causa impacto na sua lembrança.Como o ensurdecedor papa no radio,ou os filmes com Garbo,ou os moleques de cabeça raspada aderindo à uma moda fascista.
A tentativa de não se prender às mesmas ferramentas estilisticas de filmes anteriores faz-se perceber num Fellini mais preocupado na construção de quadros perfeitamente construidos como uma pintura,mas movimentados por zoom-ins e travellings lentos como uma possivel aproximação do espectador com a imagem.
O jovem Fellini desembarca no trem e se torna passivo no restante de sua jornada pela capital.O que importa é o que acontece a sua volta.A Roma do passado prioriza a lembrança,personagens e situações.
Subitamente entra o mundo moderno na figura de auto-estradas,carrors,motos e o proprio diretor se conduzindo junto com sua trupe para uma filmagem de Roma.A metalinguagem não é a toa.A Roma do filme é de Fellini e cabe a ele mostrar com seu proprio dedo apontado a modernidade com fabricas pegando fogo,acidentes automibilisticos,prostitutas de estrada,monumentos em ruinas.É como se botassemos o nariz na janela do carro ,e com ele participarmos de uma tour pela desgraça.A Roma moderna sofre a intrusão direta das gruas e câmeras do diretor,com hippies sendo contestados,com jovens pressionando o diretor para uma abordagem mais politica-trabalhista no filme,estudantes apanhando da policia(como não poderia deixar de ter).
Inumeros elementos se contradizem poeticamente no espaço-tempo.A roma dos anos 30 é o teatro,o cinema, e a tranquilidade quebrada pela Guerra.A Roma moderna é o caos capitalista.
Os tidos intocaveis aqui são profanados pela critica audaz de Fellini mais uma vez ,como todo o inebriante desfile de moda eclesiastico,ja aqui um ensaio sublime de criatividade ao se criar um espetaculo alegorico-satirico.A visão temivel do papa a todo instante,a audacia pouco singela de Fellini,seu desprezo pela convenção religiosa seja de qualquer patamar se encontra enraizada em sua memoria,como se vê em seus filmes auto-analiticos.
Os ancestrais romanos vistos como o fruto de uma possivel existencia do inferno na Terra de "Satyricon",de frente à ameaça concreta(em todos os sentidos),se tornam afrescos apagados "pelo ar que vem de fora" diante daqueles que ousam corromper o subterraneo romano,aceitando o esquecimento com o temivel olhar de superioridade e condenação.Assim como as putas do escondido bordel da era fascista,na sua maioria putas fellinianas em sua vulgaridade e feiura,contrastando com o bordel visitado pelo seu alter-ego,e a comparação que o autor faz do sexo livre da decada de 70 com a dificuldade de consegui-lo no passado.

"Roma" é Fellini transformando lapsos memoriais em nostalgia imagetica,e modernidade num semi-realismo letargico.Um pré - "Amarcord" dentro de sua proposta auto-biografica mais conduzida pela vida como ela foi,do que a mente como ela é,no segundo caso como fez em sua inigualavel obra-prima "8 1/2".
Fellini foi um homem que comentava de uma forma ou de outra,as mudanças sociais de seu presente,mostrando a evolução e o onirico não como valvulas de escape,mas como uma leve observação ao alienatorio processo de divulgação de falsas ideologias e ao materialismo do consumismo capitalista.Um quebra-cabeças de pensamentos dispersos de forma poética e que juntos constroem uma historia em que a cidade é a principal atriz,e não Magnani que vira as costas à Fellini.
"Roma" é o retrato definitivo da visão de alguem que sempre a provocou.

domingo, 23 de outubro de 2011

"Satyricon" by Federico Fellini - 1969

"Eu estou examinando a Roma Antiga como se essa fosse um documentario sobre os habitos e costumes dos marcianos."
Fellini.



Realmente sua visão sobre a Roma Antiga não só revela uma caracterização picaresca e exotica unica,como uma idealização de caos infernal decorrente da liberdade perversa dos contemporaneos à Nero.Fellini sempre se utilizou da satira e ironia pra descrever aspectos da sociedade moderna.O escritor Petronius tambem se utilizou dessa mesma forma de linguagem pra retratar aspectos da sociedade de sua época em seu romance "Satyricon",criando em sua literatura um desenvolvimento de personagens e alusões sobre esse periodo historico,dificeis de se achar na literatura antiga.
Fellini releu Petronius durante a recuperação de uma doença e se encantou com o aspecto fragmentado da narrativa(dado que varios pedaços do manuscrito se perderam com o tempo),o que casava diretamente com sua visão onirica e divagante.
O chamado Verão do Amor,o Woodstock,a libertação pós-guerras,a revolução sexual e as diversas manifestações artisticas europeias que exploravam a falta de limite expressivo que uma obra pode ter,casam diretamente com o homossexualismo dos protagonistas(como a maioria dos personagens de romances classicos da Antiguidade,sua vontade não possui limites),com o erotismo pedofilo,com a depravação e caldo de loucuras com os quais Fellini faz paralelo com Petronius.
O filme de Fellini brinca com algumas questões.
Como seria o entretenimento naquela época?
Como seria o amor naquela época?
Como seria a riqueza naquela época?
Como seria a maldade naquela época?
Como seria a arte naquela época?
E constroi uma resposta a cada uma dessas questões subentendendo paralelos com a civilização atual.
Seus personagens surgem rasteiramente,como sobreviventes cada um a seu modo de uma sociedade sem lei e moral.As interligadas e desconexas aventuras de Eucolpious nos dão a sensação de ocorrencias ilogicas como acontece em produções dispares como "Evil Dead 2" ou em alguns episodios de "Twilight Zone".A intenção de Fellini é causar estranheza,é fazer você querer entrar num novo mundo.Não há a simbologia junguiana ou de teorias exotericas,mas uma visão propria de uma era.
O conceito de produção artistica tem seu auge aqui,com Fellini  e seus colaboradores construindo sets extensos e contratando freaks e mais uma quantidade incrivel de figurantes que são colocados de forma importante quadro-a-qaudro.Nesse filme o diretor italiano superlativiza o papel de figurante.Notem como alguns olham estranhamente pra camera como estranhassem nossa intrusão.

A excelente edição do mestre Rugero Mastroianni distribiu essas apariçoes unicas de forma a aumentar o devaneio sensorial de quem esta presenciando essas cenas.Como na cena do Bordel,onde a camera passa de porta em porta apresentando todos os tipos de figuras inimaginaveis em uma ilustre coreografia de atores.Algo jamais visto.Como o banquete do famoso personagem Trimalchio aonde se desenrola uma quantidade unica de situações que dançam entre o improviso e o ensaiado.Com a originalidade indo do figurino a trilha sonora.
Nino Rota aqui faz o mesmo que Bernard Herrman em "Os Passaros" de Hitchcock passando de compositor principal a consultor de compositores experimentais(o produtor de Charles Mingus,Ilhan Mimaroglu)  e  eletronicos(Tock Dockstader cujo album "Eight Eletronic Pieces"  foi utilizado)contratando-os para dar ao filme um aparencia cosmica-espacial.Com sons pinkfloydianos da fase Pompeii misturados com climas sci-fi.
Apesar de tentar não ser um filme auto-referenciativo,muito das problematicas de Fellini se encontram aqui,como o dilema artistico de Emolpious e a anti-valorização da fé.Mas acima de tudo a sexualidade masculina e o subconsciente,com Encolpious(um estudante aqui em vez de um gladiador no livro)lutando contra o minotauro numa metafora de auto-busca numa sequencia inexistente no livro e que  remete a lenda de Teseu,tendo como obejtivo mor em sua peregrinação a cura de sua impotencia sexual.
Enfim "Satyricon" não só é um dos filmes mais originais e criativos da historia do cinema,como é uma daquelas obras  a serem pegadas constatemente na biblioteca da historia da evolução da humanidade e de sua cultura social.Um marco.Um trabalho detalhistico e perfeccionista onde cada elemento,por menor que seja,é colocado contra o exagero e à favor da proposta idealizada pelo auteur.Um dos fimes de Fellini mais Fellini de todos,visto de forma mais abrangente agora,depois de 40 e poucos anos,onde podemos nos contextualizar historicamentea e analisa-lo de modo geral.
Talvez o retrato do amor e da arte em uma sociedade ainda em desenvolvimento moral com aparencias pos-apocalipticas só encontre paralelo em "Andrei Rublev" de Tarkovsky que foi lançado coincidentemente no mesmo ano.E a figura dantesca do protagonista felliniano esta no inferno apropriado dessa vez,na mesma Roma ironizada por ele em "A Doce Vida".
A magnifica cena final traduz de forma magica e misteriosa,a reticencia narrativa do passado.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Giulietta dos Espiritos" by Federico Fellini - 1965

"Giulietta dos Espiritos" é um filme dedicado à descoberta sexual.
O primeiro filme de Fellini colorido  tambem é um filme dedicado aos anos 60,uma absorção felliniana de conceitos new wave.Representativo de uma época,assim como varios dos filmes dele.
Esse filme é dedicado tambem(ou principalmente) à Giulietta Masina,sua mulher e protagonista deste filme, alêm dos filmes da época neo-realista dos anos 50 como "A Estrada da Vida" ou "Noites de Cabiria.
Excepcional atriz que se entrega à um sutil porem perfeito retrato de uma mulher de casa normal,reprimida sexualmente e casada com um homem ausente que a trai;o mais divertido é que seria Giulietta interpretando Giulietta.Os pontos autobiograficos podem ser dificieis de reconhecer,mas o casamento de Fellini andava em polvorosa devido à sua personalidade dificil de artista,e como a trajetoria de Giulietta é repleta de frustrações e desejos reprimidos,os sets do filme ficaram cheio de faiscas do casal.


  Após ter criado  "81/2", Fellini praticamente deu esse filme à Giulietta.Visto que o primeiro era um filme sobre a mente de um artista com traços autobiograficos,nada mais interessante que dirigir um filme sobre o auto-descobrimento libertario de sua mulher com a devida utilização de sonhos,arquetipos e situações que façam com que participamos na analise psicologica do protagonista.
Fellini como sempre da um passo a frente ao abordar influencias espiritas e misticas numa bela utilização da cor como o mais novo instrumento de sua sofisticação tecnico-artistica.A tecnica de Fellini sim estava no auge,logo nas primeiras cenas vemos que sua camera deslizará em um mundo novo,planos sequencias longos que seguem apresentando os personagens que vão surgindo numa dança picaresca.Nino Rota tambêm sempre da um passo a frente,agora com uma trilha digamos que mais psicodelica,ja que a decada de 60 começava a revolucionar em varios ramos culturais,filmes como o de Fellini não só acabavam absorvendo os temas recorrentes à sua época como tambem instigavam novas modas e tendencias filosoficas e artisticas.
O sexo era um dos temas principais da decada de 60 e é o tema principal desse filme visto que Giulietta corre atras de sua libertação sexual.Espiritos são ouvidos por ela em meio à um tulmutuoso caso de tentativa de descobrir se seu marido a está traindo,o que fica óbvio o filme inteiro.A causa seria sua repressão sexual contrastante até com a persona de sua mãe e suas duas irmãs.Ela é uma mulher docil e amavel,excelente dona de casa....mas e o sexo?Eis a causa da infidelidade do marido.É como diz o medico no inicio na cena da praia  "Diga para seu marido fazer mais amor!".Espirtos que fazem parte de sua infãncia,assim como espiritos intrusos,acabam sendo seus guias.Como na casa da vizinha Suzy,dona de uma excêntrica e  libertina mansão onde Giulietta conhece quartos com espelho no teto,com escorregadores pra piscinas,casas no teto...quando Fellini filma dois jovens subindo a casa da arvore para um menage a trois com Suzy,que ja aparece semi-nua,é uma total entrega do diretor à revolução de sua época.Há outros personagens que surgem como possiveis messias de Giulieta em sua libertação sexual como o guru que cita o kama sutra e ensina os sons do sexo;o amigo espanhol de seu marido que surge numa misteriosa sombra,como um ideal imaginado e que seria sua devida vingança.


Poderia dizer muita coisa ainda sobre o filme como as brilhantes recordações da infância de Giulietta assim como a ligação que essas lembranças tem com sua possivel estagnação pessoal.
Mas o que eu acho mais importante é ver como Fellini transforma um caleidoscopio de referencias psicologicas pessoais com temas universais referentes à epoca,se arriscando em retratar seu casamento como algo perturbador;é ver como Masina se entrega a seu marido,mesmo que brigando no set,aceitando com servilidade artistica a visão de Fellini sobre o problema de ambos,assim como a visão de Fellini sobre sua possivel personalidade.
Um grande filme do magico Fellini,mais uma coleção de temas a serem expostos oniricamente em tela sem demonstrar nenhuma pretensão.A grande duvida que fica é se o caminhar solitario de Giulietta no fim do filme significa sua libertação ou sua trajetoria em direção à completa solidão.Pode ser um conformismo como o de Guido em "8 1/2".
Os espiritos continuarão ali,e são amigos...ou não.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

"8 1/2" by Federico Fellini - 1963

Nunca cheguei a ler um livro sobre Fellini,sobre sua vida.Mas alêm das caracteristicas artisticas,plasticas,denota-se uma alma à procura de uma explicação para a existência,mas principalmente um auto-conhecimento.
Sei que ele procurou ler Carl Jung e consultar o I Ching,associou seus sonhos com as teorias junguianas,aprendeu sobre os arquetipos herdados em nossos subconsciente pelas gerações antepassadas.Arquetipos comum a todos,à um grupo de pessoas,ao incosciente coletivo de Jung.Podem ser simbolos,animais,plantas...mas podemn ser tambem a mãe,o pai,a morte,o sexo...todos eles inerentes à uma compreensão mais abrangente dos fantasmas que assombram uma mente.
A mente de um artista é normal?
Não sei.
Mas Fellini demonstrou que pode exorcisar seus demonios atraves de um filme
.Durante um bloqueio criativo apos o excepcional e igualmente revolucionario "A Doce Vida" ele se dedicou a isso,a uma analise em celuloide.Seria seu oitavo filme,mais uma co-direção = 8 1/2.Pronto!Se tornou nada mais nada menos que um divisor de aguas não só devido ao auge da tecnica do diretor assim como a tematica psicologica e metalinguistica conduzida sem pretensão,de forma redonda.

O filme em si é uma analise sobre a mente de Guido Anselmo,um diretor com bloqueio criativo com a saude prejudicada devido a pressão de todos aqueles que o cercam.Um homem sufocado como mostra o sonho da cena introdutoria...sufocante....quando consegue se libertar é pescado pelo pé por um burocrata de gravata à cavalo.Cenas de sonho e imagens de subconsciente encontram porem uma influencia do mestre Bergman,principalmente "Morangos Silvestres".
Sonhos como quando o arquetipo do pai e da mãe são postos juntos,mostrando o pai do lado do caixão(a ausencia),seu padrinho comendador(dependencia e substituição),o afastamento da mãe, e por fim o rosto da sua mulher na face de sua mãe numa obvia alusão ao complexo edipiano causador dos mais leves "disturbios".Outros fatores como a Igreja e sua incapacidade de ser monogamico tambem são explorados na obra.
A genialidade de Fellini tem seu auge em cenas como aquela que nos introduz ao spa embalado por um Wagner e todos aqueles personagens velhos e burgueses com sombrinhas,oculos e chapeis extravagantes cumprimentando a camera.A visão que Guido tem de sua musa ou salvação Claudia Cardinale(interpretando ela mesmo!).Tudo é filmado como um espetaculo e todas as particularidades devem ser aproveitadas,como o critico e roteirista que Guido contratou para ajuda-lo e cujas pedantes observações resultam num simbolico e divertido enforcamento no final..
Não são menos que geniais por exemplo a cena em que Guido lembra de Saraghina,puta que vivia na beira da praia na época em que ele estudava num colegio de padres.A dança do mambo( uma trilha imbativel de Nino Rota que nuca me cansarei de assobiar) e todo o castigo que ele sofre da figura da igreja,a influencia desta no seu subconsciente e o rosto de sua mãe chorando.

As mulheres de Guido rendem outra cena magnificamente orquestrada onde ele imagina um harem.Tudo é inebriante...tudo...o modo como a musica interage(como na dança da negrinha),o modo como as mulheres coreograficamente bailam em frente à camera,a sombra dele estalando o chicote controlando um motim num estilo pre-Indiana Jones,tudo...até o discurso final da vedete rejeitada.

Por mais que Guido tente,como a maioria dos herois fellinianos,ele não consegue plenos resultados.Após uma histeria e inebriante coletiva de imprensa(outra cena inacreditavelmente dirigida com louvor)ele sabe que seu suicidio como pessoa publica será o resultado.Fellini traduz simbolicamente e de forma quase comica esse suicidio em imagem.E mesmo que Guido não tenha feito filme nenhum,ou se redimido perante quem ama,seu discurso final é quase que um profundo suspiro de compreensão,confissão e entrega.
E todos aqueles arquetipos junguianos,ou apenas pessoas que contribuiram pra Guido ser o que é,no ruim ou no bom,surgem de branco numa passeata para juntos dançarem de mãos dadas sob a direção de Guido e a apoteotica trilha de Rota.Porque...apesar de tudo....a vida é curta e é pra ser vivida...façamos dela uma obra de arte!

"Noites de Cabíria" by Federico Fellini-1957

Logo na cena inicial esse filme mostra a que veio.A despedida de Fellini a qualquer melodrama do neo-realismo tem uma pungencia que seus filmes posteriores não teriam,e que pode ser comparavel apenas à "A Estrada da Vida",algo que se deve em 50 % a Giulietta Masina e sua forte e corajosa interpretação e 50% ao pai do conceito da obra,tanto do personagem quanto da poetica do tratamento dado ao tema em questão.Um filme de prostitutas em 1957 era improvavel,assim como tornar uma puta,uma heroina capaz de nos fazer chorar.
O que é verdade!
Vencer os podres do pós-guerra dependia de cada um.As prostitutas tambem venciam por elas mesmos.Por mais histerica que a excentricidade de Cabiria possa ser, o real amargo comum à Fellini aparece tanto na violencia que é mostrada de forma crua como na cena inicial do afogamento,assim como na vulgaridade da Vila Cecilia(onde se encontram todas as putas),assim como nos cabelos sebosos de sua amiga Wanda e assim como no epilogo de cada uma de suas desventuras.
O filme é sobre o orgulho de um excluido,um marginal,uma personagem petulante e explosiva,mais proxima da real personalidade de Masina do que Gelsomina.Cabiria ja tinha aparecido em "Abismo de um Sonho" de forma breve mas forte,mostrando a capacidade de Masina.
Quando filmava "A Trapaça" Fellini conheceu e acolheu no set(por solidariedade) uma puta chamada Wanda e ouviu e aprendeu um pouco mais de sua vida.Apesar disso o polemico e inteligentissimo Pasolini foi contratado pra consultas no roteiro devido seu conhecimanto sobre o caso.O nome Cabiria vem do pre-"O Nascimento  de uma Nação" filme de 1914 "Cabiria",considerado o verdadeiro marco inicial da narrativa cinematografica.
A veracidade do local onde elas fazem ponto por exemplo é tão incrivel(quem conhece sabe) que acho que a contribuição de Pasolini esta aí.Na descrição do modo como elas se relacionam no ambiente de trabalho.Um estranho ecossistema com a camera de Fellini rodopiando entre putas de diferentes personalidades num louco senso de espetaculo circense.

A principal busca de Cabiria é pelo amor,e o amor verdadeiro pra uma puta ,ainda mais pra uma puta como ela(a mais reles) é dificil de achar.Com um pessimismo agoniante cada uma de suas possiveis esperanças de amor são frustradas,mesmo que ela sempre erga a cabeça depois de tudo,todos nós a conhecemos suficiente pra compreender que o orgulho esconde o desespero.Como na sua tour noturna com o ator Alberto Lazzari(Amadeo Nazzari em uma auto-referencia,dada a estrela do cinema italiano que ele realmente era),que mesmo sendo entremeada de exoticas danças fellinianas(com o seu persistente encanto com o mambo dançante) e faiscas de esperança,acaba com Cabiria na mesma posição de um cachorro,E quando surge o close seguido da trilha-arranca lagrimas,ja estamos tão proximos da personagem que nada mais é obvio.

O desapontamento de Fellini com a igreja é exposto aqui de forma agressiva e ironica.Como no deslumbre de Cabiria com uma procissão sendo interrompido por um rude caminhoneiro exigindo seus serviços.O mesmo caminhoneiro que a joga no meio do nada.É no meio desse nada que ela encontra um homem que cuida dos mendigos que moram nas cavernas.Nas cavernas conhecemos a historia da decadencia de Bomba,mostrando que todos que vivem a margem andam na corda-bamba.E por mais que essa cena seja a mais honesta,a mais denunciativa,a que mais motra o sofrimento de um povo desconhecido atras da mascara de uma sociedade em reconstrução capitalista....foi essa a cena que a Igreja baniu.Totalmente justificavel o odio de Fellini contra a hipocrisia da Igreja.

A constante humilhação de Cabiria vem de atitudes inocentes como a cena do hipnotismo.Nós como espectadores chegamos ao ponto de não querermos mais essa humilhação,a simbiose personagem-espectador é tanta que a possivel e quase óbvia aparição de um possivel verdadeiro amor é digna de nossa torcida.Mas quando percebemos que o mal pode persistir,gritar pra Cabiria não adianta.Choramos e mandamos a vida a merda enquanto ela se debate no chão.
Porem Fellini,com jovens,musica,sorrisos,cumprimentos e alegria,cerca Cabiria de anjos para a ambiguidade final da possivel epifania esperançosa nas lagrimas da prostituta sem-teto.........ou um destino igual ao da Bomba das cavernas.

sábado, 15 de outubro de 2011

"Os Boas-Vidas" - 1953 by Federico Fellini

"Os Boas-Vidas" tem a fama de ser o primeiro filme importante de Fellini apesar de ser seu terceiro trabalho de direção e o segundo dirigido integralmente por ele.
"Abismo de um Sonho" tem seu lugar nesse humilde blog.
Fellini com esse filme(que é incrivel que seja o seu segundo)começa a se utilizar de temas maduros,humanos com certos simbolismos.Como o mar,por exemplo,que é o simbolo maior.O lugar onde os 5 amigos costumam passar seu tempo de ocio.O mar como a busca pela esperança,como a possivel salvação.
Ao contar o surgimento da reflexão da maturidade na vida de Alberto,Moraldo,Fausto,Leopoldo e Riccardo,Fellini introduz uma tematica no cinema com uma abrangencia psicologica que influenciaria George Lucas em " American Graffitti",Joel Shumacher em "St. Elmo's Fire",Scorcese em "Caminhos Perigosos" e Levinson em "Diner".
O roteiro de "Os Boas-Vidas"surgiu depois do desprezo do produtor Lorenzo Pegoraro pelo roteiro inicial de "La strada";achando que esse fosse um possivel desastre de audiencia sugeriu a Fellini que este escrevesse uma comedia.O ajuntamento das lembranças de adolescentes de Fellini e seus co-roteiristas Enio Flaiano e Tulio Pinelli foram a gênese para "Os Boas-Vidas"
Logo na introdução do filme somos apresentados aos 5 personagens principais com um plano sequencia cuja camera se dirige ao rosto de cada um( como Scorcese faria em "Os bons Companheiros"):
Alberto,considerado por muitos um personagem homossexual,(principalmente na cena em que ele se transveste na festa),é um solteirão filinho da mamãe que sustenta seus jogos com o dinheiro da irma que por sua vez é envolvida com um homem casado.Interpretado pelo comediante Alberto Sordi,que viria a se tornar um dos comediantes mais populares da Italia,a personagem é protagonista de dois grandes momentos do filme.A pungente e sensivel cena na praia,ende ele descobre o proibido e reatado envolvimento de sua irmã;e seu revelador discurso bebado depois da festa.

Leopoldo,interpretado pelo comediante Leopoldo Triestre(que foi brilhante em "O Abismo de um Sonho")é um escritor de peças cuja intelectualidade o destaca de seus amigos materialistas,como ele mesmo reclama pro seu idolo ator Sergio Natali(por sua vez interpretado pelo grande ator de teatro Achille Majeroni)
numa grande paeticipação sua no filme que culmina num assedio homossexual engraçado por sua honestidade e chocante pela epoca fria em que o filme foi exibido
.
Fausto é interpretado pelo galã Franco Fabrizi,o "Cary Grant italiano".No papel de guru sedutor do grupo ele engravida a irmã de seu amigo Moraldo e se vê obrigado a casar e trabalhar.As suas irresponsabilidades e desventuras amorosas e tentativa de pular a cerca é o que ha de mais engraçado e charmoso no filme.Talvez o personagem mais importante por ser ele o estopim da reflexão sobre a mudança que acontece ao seus amigos.

Por fim Moraldo e Riccardo.Moraldo como o cerebro e prudencia do filme é o que vaga sozinho na noite procurando uma resposta pro futuro e faz amizade com um garotinho que trabalha na ferrovia,amizade essa que ira gerar a magica cena com do freeze-frame final.Riccardo é um personagem menor,um tenor;na verdade é Riccardo Fellini,irmão do diretor,interpretando ele mesmo.
O filme foi filmado em varias cidades da Italia seguindo a turne de Alberto Sordi que interpretava em sua horas livres.A revolução começou porem na fotografia e edição.Em 6 meses Fellini trabalho com um time de fotografos pra desenvolver um estilo baseado em planos lentos pra capturar a essencia do que o personagem esta sentindo,e a utilização de zooms para efeito dramatico.Com Rolando Benedetti criou um ritmo de edição onde pequenas sequencias eram permeadas de cortes abruptos enquanto as longas se dissolviam.
O filme se tornou um sucesso de publico e critica.Foi premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza e seu brilhante roteiro foi indicado ao Oscar.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

La Dolce Vita ou Os 7 Passos de Rubini em Direção ao Inferno da Completa Alienação

Fellini no seu auge coloca seu costumeiro heroi em busca de uma redenção, como uma marionete do modernismo futil,dos avanços alienatorios do capitalismo,da superficialidade vencendo o intelectualismo,do feio vencendo o belo,do belo vencendo o feio...Com um senso satirico,amargo e feroz o filme chegou a ser "vendido" como comedia dramatica,mas na vedade é um perfeccionista ensaio sobre a descida ao inferno;uma obra-prima absolutamente ironica contra o anti-pensamento da sociedade midiatica e as mudanças comportamentais de uma geração perdida.
Visto hoje o filme é atualissimo dada a correta profecia dirigida pelo mestre italiano que com sua danças,suas musicas ,sua camera intrusa e safada,seus chapeis ,seus oculos, e sua incrivel habilidade de emoldurar seus enquadramentos com seus personagens nos mostra o que uma vez ja foi avisado e o que hoje se concretizou:a alienação,o conformismo em relação a falsos valores esteticos.
A brilhante epópeia epica de alguem que passa por diversos episodios mostrando a multifacetada cara da decadencia social é dividida em 7 episódios (propositalmente talvez devido a existencia dos 7 pecados capitais,os 7 sacramentos,as 7 virtudes e os 7 dias da criação,misturando o profano e o sagrado que ornamentam o filme).Foi percussor de tudo o que aconteceu tudo o que ia rolar na incrivel decada de 60 e...mais...

PROLOGO:um helicoptero sobrevoa Roma carregando uma estatua de cristo como se a propria estivesse abençoando a cidade.
Interessante peceber a influencia neorealistica do filme ser abandonada nessa cena.Os trabalhadores que ajudam a reconstruir a cidade e o povo pobre admiram com fé e devoção comum a estatua;um corte e vemos mulheres de biquini(a trilha de Rota muda para um jazz safado) e aqueles que pilotam o helicoptero começam a paquera-las.O sagrado e o profano.
Cristo como marionete do homem alienado.
O abandono de Deus.

PRIMEIRO PASSO -SEXO,FETICHE OCIOSIDADE
   NOITE -Depois de apresentar Rubini ,seu trabalho como reporter de celebridades,o desprezo que outros sentem por ele,seu amigo fotor-reporter Paparazzi e uma dança exotica felliniana,surge Madeleine,uma rica entediada que encontra em sexo sua fuga da realidade.
As putas no terraço dão entrada para a pianola ironica de Nino Rota e a idéia de Madeleine em dar carona a uma delas é seguida de dialogos pervertidos filmados para realmente chocar e mostrar que um novo estilo franco,real e despudorado estava nascendo.
   AMANHECER - depois de ter satisfeito o fetiche de Madeleine de ser comida na casa da puta, fazendo-nos perceber que na verdade o inicio da trajetoria de Rubini ja nasce no negativo,sua mulher é encontrada quase em overdose depois de uma tentativa de suicidio em um tenso e pequeno intermezzo onde somos apresentados a cenarios geometricos,lampadas e figurantes pictoriamente posicionados.


SEGUNDO PASSO - O FEITIÇO
A chegada da linda celebridade Sylvia mostra o coreografo de atores que fellini é com aquela massa de fotografos se juntando,correndo para um lado,para o outro,se atropelando,é simplesmente sensacional!
Sylvia é o feitiço que a beleza nos proporciona e nos atinge letargicamente ,uma metafora da bela superficialidade a serviço de nosso tempo.Enfeitiçado ficará tambem Rubini dentro da catedral de São Pedro que é invadida por toda a trupe de homens e mulheres a serviço da "profana alienação".Essa invasão vertiginosa mistura mais uma vez o sagrado e profano.
  NOITE - depois de uma dança brilhantemente dirigida que mistura rumba ,maracas ,rock'n roll com uma versão de Little Richard sensacional(sabe-se que na época muitos se levantaram no cinema pra dançar junto)...me emociono demais com essa cena,ela é a prova de que a adrenalina se encontra tambem em estilo,tecnica,musica,canto,gritos,som e furia
.AMANHECER Enfim como uma sereia que leva os homens a se afogarem por ela a noite acaba numa Fontana di Trevi belissima e num final frustrante para o nosso heroi,e mais uma brilhante participação dos fotografos na engraçadissima cena da briga.
STEINER --------Steiner seria o personagem salvação,o amigo intelectual de Rubini que se mostra disposto a compartilhar de sua amizade.Um personagem importante para o destino do pensamento de Rubini que é encontrado por ele numa igreja onde,em poucos momentos,depois de tanto retrato do futil,ele apresenta uma gramatica de sanscrito e uma musica de Bach tocada ao orgão.
Alem de uma importante declaração dos sons que não ouvimos mais.

TERCEIRO PASSO - A FALSA FÉ MIDIATICA 
  NOITE -em uma cobertura jornalistica sobre duas crianças que viram a virgem maria(obviamente falsa e feita para aprecer) Fellini se deleita.Todos os envolvidos na visão são retratados como comicos anonimos querendo um lugar de destaque na tv ou jornal.O lugar se torna um circo midiatico misturando aleijados,crianças doentes,mães desesperadas com fotografos oportunistas(como narra o sempre bem posicionado narrador do radio),curiosos e a falsidade do circo todo em geral(o fotografo que prefere tirar fotos do aleijado deitado na chuva em vez de ajuda-lo)...resultado...a chuva cai...as crianças cochicham...a hora da mentira...atropelamento,morte,e final tragico...a propria fé sendo destruida,os proprios principios religiosos corrompidos pelos 15 minutos de fama...mais atual impossivel.
  AMANHECER -o funeral de uma criança morta naquilo que era pra ser sua cura...
  
STEINER -----------Rubini é convidado junto com sua carente,inoportuna e obsessiva esposa para uma festa na casa de Steiner onde se encontra diversos inteçlectuais dispares recitando poemas e fazendo observações auspiciosas,filosofando,uma instrumentista negra ornamenta as apresentações com sua voz e instrumento,um respeitado escritor divaga sobre mulheres orientais...um oasis para Rubini mergulhado na lama de jornalecos fascistas(sua propria vergonha é sua acomodação)Mas a festa infelizmente nos serve como mostra do pessimismo acima da esperança com um amargo Steiner disparando frases de angustia quanto a falta de amor e logica numa sociedade com a mente organizada como um quadrado.

O ANJO -um anjo aparece na figura de uma garota num restaurante  e se mostra a propor o conforto que a inocencia infantil coloca na decisão de Rubini em se acalmar e fazer a ligação pra sua esposa.

QUARTO PASSO - A DESAPROXIMAÇÃO FAMILIAR
   NOITE - o encontro de Rubini com seu pai se inicia com um contentamento e um  confronto de valores familiares,principalmente com os de Paparazzi,a decepção de seu pai com a brevidade da vida e do poder de possuir seus prazeres resulta num egoista ato falho na tentavi de reaproximação.Na verdade os valores atuais ja não sao mais para homens como ele...
Tecnicamente é incrivel ver a sensibilidade artistica de Fellini em filmar numeros musicais ou teatrais como os do cabaré...absolutamente magico.
AMANHECER - depois de quase sofrer um enfarto seu pai praticamente foge de suas mãos,retirando mais uma tentaiva de salvação de Rubini.
Como a maioria dos herois de Fellini até esse filme,uma decepção atras da outra nos é revelada.

QUINTO PASSO - O PURGATORIO DOS PRINCIPES  
NOITE -  com a fama de precursor das modas e revoluções dos anos 60 que esse filme tem ,é notorio ver o Rubini de Mastroianni encontrando de forma intima a modelo Nico,que cantaria no revolucionario album do Velvet Underground em 1967(conhecido como o album da banda do patrono Andy Warhol). 
 Ela será a guia de Rubini para uma viagem a um castelo de principes e princesas decadentes que usam seus ancestrais e pertences para jogos e macetes ociosos e inuteis.
Como um bando de fantasmas infantis pervertidos e sem nada da sedutora aristocracia antiga.A salvação de Rubini é tão urgente que quase se encontra em Madeleine que novamente aparece e na brilhante cena do eco,que revela que sua personalidade instavel sexualmente não tem a cura para um relacionamento saudavel.Rubini acaba tendo como opção a fuga rapida da cortesã devoradora de homens  
AMANHECER - exaustos os principes se retiram para as mão da obscura e cabisbaixa rainha,enquanto seus companheiros retornam de uma viagem sem rumo.

SEXTO PASSO - ABANDONO E DESESPERO 
Steiner mata seus filhos e se mata,matando a esperança de rubini que desce ao ultimo degrau do inferno
SETIMO PASSO - DERROTA
  Noite - A espetacular cena da orgia mostra um Rubini mais velho entregue as bebidas,falsos conceitos e vivendo como um mentiroso agente de publicidade.A trilha de rota(absolutamente sensacional o filme todo com uma mistura de mambo,jazz,tarantela original tanto quanto o filme)encerra em meio a penas de travesseiro,homossexuais travestis,sexo grupal e strip-tease a trajetoria de Rubini em busca do contentamento e satisfação no mundo moderno


EPILOGO-um monstro marinho aparece na praia,um homossexual profetiza "Em 1965 será uma depravação total!" e os personagens são regidos por Fellini num sensacional desfile.O inocente animal morto...quem será o monstro aqui...quem deve olhar e julgar quem...a sociedade atual é o real monstro?..."o peixe olha até mesmo depois de morto"

O ANJO - ela grita pra ele e ele não ouve,ela chama e ele não vai...uma despedida,e um sorriso ironico e esperto dirigido a nós...