segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"Poltergeist"(1982) - Tobe Hooper



Não é tão difícil discernir entre onde está o trabalho de Tobe Hooper e onde está a intervenção de Steven Spielberg,produtor e roteirista.Steven estava proibido,devido à uma cláusula contratual,de dirigir outro filme enquanto estivesse filmando "E.T. - O Extraterrestre",Hooper  então ficou com a fama de marionete de produtor em "Poltergeist".Mas a típica valorização da família spielbergiana quando em face ao desconhecido convive com o horror genuinamente assustador que busca a crueza da violência e do medo como os filmes do auge do horror moderno,do qual Hooper era um dos pioneiros.Vindo do abre-alas "O Massacre da Serra Elétrica"(1974),"Eaten Alive"(1977) e "Pague Para Entrar,Reze Para Sair"(1981),o diretor se mostrou um mestre em extrair o desespero diante da morte e do sobrenatural.
Spielberg ainda estava no auge de seu estilo com os filmes mais icônicos de sua época ainda no ápice do sucesso.Seu subúrbio aqui se encontra corrompido,ironizando sutilmente o americanismo e condenando o imperialismo.Um dos filmes com a mão de Spielberg mais críticos do american way of life.A rivalidade entre os vizinhos,as crianças barulhentas, o pai de família Steve Freeling(Craig T. Nelson) fumando maconha com sua esposa Daiane(Jobeth Willians) enquanto lê um livro sobre Reagan...um anti-conservadorismo relaxado num ambiente de conforto.Tanto que é antes do canal fechar,após o hino nacional,que a caçula Carol Anne começa sua comunicação com os espíritos pela televisão.

Em meio à esse descontraído ponto de vista da união familiar,vários fenômenos estranhos,como a já citada conversa de Carol Anne e cadeiras se empilhando sozinhas,começam a acontecer inofensivamente.É quando durante um tornado,a arvore que tanto assusta o jovem Robbie,invade o quarto das crianças e agarra o garoto enquanto Carol é tragada pelo armário.Se comunicando com a filha desaparecida somente pela televisão,discretamente a família Freeling contrata um grupo de paranormais para ajudá-los a resgatar a criança de um lugar que eles nem sabem qual é.

O filme carrega uma tensão em crescendo,em que gradativamente o horror vai tomando conta do espetáculo em efeitos especiais dignos do produtor,para passarmos a concluir no final, que o herói não é a família americana,mas os espíritos dos antepassados da terra,que tiveram o lugar de seu sepulcro violado pela imobiliária predatória da qual Steve Freeling era o corretor mais bem-sucedido.No momento em que o gore e o pavor genuíno devem ser explorados,percebe-se o porque de Spielberg ter confiado tanto em Hooper,que chegou ao ponto de utilizar esqueletos humanos reais,o que provavelmente gerou uma maldição que matou precocemente vários de seus atores.De Spielberg  a marca maior é a manipulação emocional eficiente que o filme apresenta,num substrato-forma resultando num produto final em que os momentos mais lacrimejantes,os zooms nos olhos arregalados de susto e pavor dos atores,os gritos,as frases de efeito de Zelda Rubinstein,a música sensorial de Jerry Goldsmith,tão condizente com tal manipulação sentimental,assim como os valores matriarcais,acabam sendo eficientes na emoção da expectativa ansiosa no desenrolar do enredo.

"Clube da Luta" (1999) - David Fincher



O livro "Clube da Luta" de Chuck Palahniuk usa de um fluxo de consciência fragmentário e esquizofrênico em sua narrativa,o discurso de um anônimo em 1º pessoa.David Fincher ao adaptá-lo em filme procurou usar o máximo da capacidade de sua linguagem cinematográfica para atingir o mesmo alcance.No ano de 1999 o filme apareceu em meio à grandes exaltações e polêmicas.Antes mesmo de eu ter lido o livro,o que vim fazer posteriormente quando revi o filme do qual sempre fui fã,me lembro de alguém ter entrado atirando em varios numa  sala de cinema do Brasil durante sua exibição.
Era Edward Norton vindo de performances profundíssimas como em "As Duas Faces de Um Crime"(1996),dos maiores debuts de um ator,e "A Outra História Americana"(1998),uma das melhores da história.
Era Brad Pitt como nunca antes visto,mais sujo e alucinado do que em "Kalifórnia"(1993) e "Os Doze Macacos"(1995).
Mesmo que os créditos do enredo tão original sejam obviamente do autor do romance,"Clube da Luta" já figurava como um dos  inovadores entre tantos do mesmo ano como "Três Reis" de David O. Russell ou "Quero ser John Malkovich" do Spike Jonze.
O que diferenciava Fincher era a criação de atmosfera sombria,uma marca autoral.Nessa época Fincher ainda apresentava um estilo mais saliente.Toda a horripilante soturnidade de "Seven"(1995),aquele aspecto neo-noir em um ambiente carregado pela doença,pela perversidade,pela violência e pelo desconforto.O clima paranoico de "Vidas em Jogo"(1997),a tensão de "O Quarto do Pânico"(2002) ou "Zodíaco"(2007),onde a sua visão até salva o que podia ser pretensão estilística de um ex-diretor de videoclips.

É em "Clube da Luta" que esse estilo consegue um amalgama máximo de desespero.Com a vantagem de levantar questões existenciais pertinentes ainda que apresentadas de forma muito inverossímel,o filme é a mesma presença da peste,do insano,do sonoro,do opaco,do existencialismo esquizofrênico.Uma viagem da mente ao fundo do poço,o conjunto final não procura realismo,mas o delírio do personagem de Norton.Com os créditos iniciais surgindo entre neurônios,folículos capilares,vindo pelo nariz e terminando no cano da arma que Tyler Durden(Brad Pitt) está enfiando na boca de Norton.
Norton é um sujeito insone,infeliz com o trabalho,com a artificialização das grandes companhias,e ao mesmo tempo uma pessoa sugada pelo consumismo desenfreado,um materialismo fútil de mesas de ying-yang e uma série de produtos de catálogos.Norton representa uma geração,a mente de sonâmbulos distribuídos nas grandes metrópoles.Sem perspectiva,ele começa a ficar viciado em grupos de ajuda de pessoas com câncer ou doenças terminais onde aparece como um impostor se confortando no sofrimento alheio.O fundo do poço da carência humana surge na fraqueza de Norton até que ele conhece Marla,outra impostora,que o perturba simplesmente por ser uma pessoa...como ele.É quando encontra Tyler Durden,um fabricante de sabão, e depois que seu apartamento explode com todas as suas posses materiais,começa a morar numa casa abandonada e cheia de infiltrações,revistas velhas e sucata,com o seu misterioso amigo,com quem começa um clube da luta clandestino que aos poucos vai se tornando um grupo de terroristas-anarquistas.

A angustiante solidão do homem feminilizado,acomodado,na impossibilidade de um relacionamento,encontrando no conforto no meio das gigantes mamas de homens com câncer de tetísculo o seu próprio sono.A homo-erotização de seu segundo eu ,a perturbação que Marla causa à Norton...tudo desencadeia uma descida ao poço aonde a busca pela satisfação hormonal na violência ,onde bater e apanhar geram iguais euforias - um nirvana de desapego ao materialismo opressor - acaba criando um  niilismo e uma coletividade que descambam para o caos em âmbito social.Proveniente dessa insatisfação,esse segundo eu acaba sendo aqueles que criamos constantemente para fazer o que não faríamos normalmente, o mais livre que existe em nosso interior
.
"Clube da Luta" ainda é o melhor do Fincher que se perdeu, é o detalhismo não sendo poupado na edição perfeccionista e sincopada,longe,graças a Deus,de qualquer aspecto MTV.É o uso do digital na virada do milênio à favor da visão original do diretor;efeitos especiais que fogem da superfluidade ou do exagero,mas que ressaltam o caráter alucinatório da trama,assim como toda a negatividade do pensamento do narrador e a destruição que vai tomando os personagens do filme.É a intertextualidade constante,os arroubos de subterfúgios narrativos, a trilha pulsante e fria dos Dust Brothers,o barulho dos socos secos nos ossos do crânio, o maxilar destruído por um tiro,"Where's My Mind" dos Pixies,voice-over condizente com o noir que o filme lembra em seu fatalismo psicológico,perverso e perturbado da enxaqueca da sociedade de merda sem futuro,o inferno mental que até agora não retornou ao cinema de Fincher,que desde então foi se tornando cada vez menos sincero.

"Halloween"(1978) - John Carpenter



Dentre os grandes cineastas a surgirem nos EUA após a febre das new waves ao redor do mundo,John Carpenter era talvez o que mais amava o low-budget e o filme b de horror, e ao mesmo tempo reverenciava mestres.Tendo homenageado Hawks com "Assalto à 13ºDP"(1976),é com Hitchcock que Carpenter tempera o seu dia das bruxas tratando de forma cínica o medo e o pânico usando um personagem humano como o vizinho do lado,mas psicopaticamente ilimitado,como  se o infantil bicho-papão criasse vida.
O mestre dos suspenses Hitchcock - depois de ter criado um amálgama de seus melhores estereótipos temático-visuais em "Intriga Internacional"(1959) - filmou em 1960 aquele que viria a ser considerado o primeiro retrato de um serial killer sexualmente perturbado:"Psicose" e seu Norman Bates.
As referências à essa obra-prima vão desde os nomes dos personagens,até a escalação marqueteira e bem-sucedida de Jamie Lee Curtis,filha de Janet Leigh,famosa protagonista da cena do chuveiro.
Carpenter por sua vez se distancia do amor cópia-carbono do estilo de Hitch adicionado à cocaina e hard-rock da New Hollywood de um Brian de Palma...e com sua própria visão autoral molda um gênero à parte.

O que há de mais sincero em seus filmes é o amor pela tour-de-force de seus ídolos,assimilando a cultura pulp ao mesmo tempo que transita por diferentos gêneros de thriller.As habilidades técnicas de manipulação psicológica e emocional,acumulam os melhores ingredientes do horror moderno feito até então.Ingredientes esses como a câmera subjetiva mostrando o fluxo de pensamento assassino dos olhos do psicopata,já utilizados em "Natal Negro"(1974)  de Bob Clark(diferente de "Psicose",considerado o primeiro slasher a realmente se concentrar mais no assassino e suas mortes).A subjetividade de Carpenter acaba gerando um excelente plano sequencia no início do filme,em que através dos olhos de um Michael Myers de 6 anos, vemos ele colocando a primeira máscara e apunhalando a sua irmã mais velha.
A pouca utilização do gore a favor da iluminação/enquadramento climático,que afasta o diretor dos giallos italianos  o aproximando muito mais de Val Lewton ou Polanski,no sentido de arrancar do poder da sugestão o horror maior;a máscara que acentua o alcance de desconhecido e sobrenatural do assassino vem de "O Massacre da Serra Elétrica"(1974) de Tobe Hopper;a música composta pelo próprio Carpenter num tecladinho que é abertamente inspirada pela trilha de Goblin para "Suspíria"(1977)   de Dario Argento ao mesmo tempo emulando a peça Tubular Bells de Mike Oldfield utilizado em "O Exorcista"(1973) de William Friedkin que já tinha elevado o terror á um patamar maior no início da década de 70.

Foi o caráter autoral de Carpenter junto com o estoicismo mortífero de Myers que fez com que essa poção de referências macabras se tornasse algo único em sua assombração,com os títulos iniciais dando o clima necessário,gerando uma série de clichês e imitadores  que enriqueceriam consideravelmente a imaginação de adolescentes nos anos 80 e 90 que dormiam de luz acesa e gastavam a mesada em VHSs.

"Bonequinha de Luxo"(1961) - Blake Edwards



"Bonequinha de Luxo" é originário de um romance sofisticadíssimo revestido de uma crônica social típica do jornalista Truman Capote,que coloca um alter-ego seu(solteiro e bissexual) como mais um dos deslumbrados por uma prostituta de luxo chamada Holly Golightly e sua despudorada honestidade comportamental e interesseira,num eterno jogo de festas e relacionamentos sexuais e financeiros.Diálogos envolventes e uma libertação adequada à época,o romance se tornou um dos maiores exemplos da literatura de Capote na Nova York do final dos anos 50.

Enquanto o livro,se lido hoje,ainda é envolvente e interessante,o filme resbala em anacronismos devido à incapacidade do próprio diretor de se desligar da comédia escrachada.Por sua vez,o otimismo capitalista do cinema americano da época acaba quase que glorificando o que há de mais ilusório na sociedade consumista em que a ambição pela aparência sobrepuja a importância da dignidade e exalta o materialismo que Capote usou apenas para caracterizar um complexo personagem e o ecossistema à sua volta.
É quando o filme se volta para a psicologia de Holly e nos personagens que a idolatram que ele acerta,fazendo com que nos momentos de euforia contrabalanceados pelo sofrimento de segredos revelados com pessoas do passado ressurgindo,a atuação de Audrey Hepburn não permaneça na verborragia teatral e se torne mais humana...mais intensa.
Assim como toda a abrangência sexual que a mentalidade sócio-cultural de 1961 estava começando a tomar exija que o filme se utilize da suposta imoralidade da vida do personagem para defender uma visão feminista,não da mulher "independente" dos anos 40 em busca do casamento perfeito ou das putas sujas de Fellini e Pasolini,mas da puta de luxo de Nova York criada por um dândi intelectual.E é essa posição de ícone da liberdade do esclarecimento feminino o que a personagem de Audrey tem de melhor e deve tomar para si no mundo da cultura-pop acima de qualquer armadilha da superficialidade de Ray-Bans,cigarrilhas compridas e diamantes da Tiffany's.
Tomar café na frente de vitrines da Tiffany's não é uma virtude de Holly,mas a obsessão que a afunda na solidão de alguém que de tanto temer ser enjaulada acabou criando uma jaula para si mesmo.Sendo amada como a "pilantra" que é,não conseguindo se desvencilhar das festas embriagadas,orgias esfumaçadas,acompanhadas pelo jazz de Mancini e a direção bossa-nova-cool de Edwards.Por mais que se atropele em diálogos rápidos demais na tentativa de sintetizar o poder da verborragia do livro numa pressa que despreza a influencia de personagens importantes na vida de Holly enquanto exalta figuras desnecessárias e deslocadas(como o japonês de Mickey Rooney),"Bonequinha de Luxo" ainda é a triste história de alguém que procura eternamente a felicidade e não a encontra.
O roteiro sugere uma redenção naquele beijo da chuva,mas eu garanto que a Holly do Capote volta pro táxi e vira lenda.