segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"A Cruz dos Anos" - by Leo McCarey - 1937

"Um filme que faria até as pedras chorarem" - Orson Welles




Realmente nos anos 30 Leo McCarey nos presenteou com uma obra cuja sensibilidade e humanismo em plena era da depressão e da desvalorização familiar não era só essencial,como tambem digna de reflexão.A historia de dois velhos pais que são desterrados pelo banco e ignorados pelos filhos só encontrou obra passivel de comparação em 1953 com "Era Uma Vez em Tóquio"(1953) de Yasujiro Ozu,roteirizado por Kogo Noda que assistiu "A Cruz dos Anos" em 1937,que por sua vez teve grande sucesso no Japão.A diferença mais crucial portanto é que no filme de Ozu os pais são vitimas do esquecimento dos filhos diante do homem moderno e suas ocupações enquanto que no filme de McCarey os pais não são só vistos constantemente como obstaculos,mas têm suas vidas separadas para sempre.

O filme começa com o casal de idosos interpretados pelos veteranos e excelentes Victor Moore e Beulah Bondi reunindo os filhos para contar a tragica noticia de seu despejo.Os filhos passam essa situação de um para outro decidindo por ter que separar os pais pela "impossibilidade" de cuidar dos dois juntos de uma vez,ficando  a mãe na casa do filho George(o excelente Thomas Mitchell) e o pai na casa da desprezivel filha Cora( a inglesa Elizabeth Risdon),a milhas de distancia.

Dificilmente nos anos 30 a câmera ficou tão a serviço do seu excelente elenco e suas sensiveis atuações num tema moderno à epoca,do ponto de vista social,e tão pungente,mostrando o humanismo de seu diretor.Os velhos são vistos como impertinentes como na cena em que a mulher de George tenta dar uma aula de bridge enquanto a velha mãe faz barulho na cadeira de balanço;quando ela atende o telefone e com uma voz alta conversa com seu distante marido,os elegantes alunos assistem e escutam no background mudando suas expressões do amuo à tristeza a medida que vão sentindo  a dor e a angustia na voz da velha senhora.Ou quando ela encontra na correspondencia a carta do asilo e a câmera acompanha sua face triste com a chegada de George para dar a noticia,sendo interrompido pela renuncia da propria ao perceber a impossibilidade de continuar com seu velho amor ou de ser realmente amada por quem se ama,seus proprios filhos.A neta barulhenta e putinha que a abandona na sal de cinema pra se relacionar com um homem mais velho,os valores modernos eram tratados sem receio como nas grandes obras de McCarey.O casamento moderno e seus superfluos valores de George junto com os problemas financeiros e a neura egoista de Cora que põe seu pai doente pra dormir no sofão ,o transferindo para a cama após a chegada do médico,são retratos sociais que mostram a indiferença familiar a que  estava sendo conduzida o mundo naquela época,até o caos total do pós-guerra.


Quando eles se encontram para uma despedida antes da viagem do velho para California para motivos de saúde(na verdade uma desculpa para Cora o abandonar),McCarey os coloca lado a lado de braços dados num passeio final em que as horas tem que ser contadas,num desespero apaixonante de dois jovens amantes.A lembrança dos velhos tempos surge na visita de ambos ao hotel onde passaram sua lua-de-mel,onde são bem atendidos,onde a valsa é retocada para dançarem...onde a nostalgia e o amor na vida de duas pessoas condenadas ao esmagamento que o desprezo causa no destino de dois velhos,toma corpo na forma de lagrimas de quem assiste.
Aquela honestidade,solidariedade e compaixão dignos do humano mais sensivel e que não se encontra em seus filhos,ironicamente toma corpo nos desconhecidos como o vendedor de carro que promove uma tour pela cidade,o funcionario do hotel,ou o dono do armazem Sr. Reubens(que não consegue conter ao choro ao ler a carta,e em seguida chama sua mãe por pelo menos poder avista-la após ser testemunho de um terrivel descaso).Leo McCarey fez o filme logo após seu pai morrer,e se encontra tal familiaridade na entrega de alma que o diretor oferece atraves da despedida de um trem,triste como nenhuma despedida....

domingo, 13 de novembro de 2011

"Diabo a Quatro" by Leo McCarey - 1933

 Anarquia cômica sonora e visual.

Em 1933 a inclusão do som e da fala no cinema teria uma reviravolta na comédia mundial com Groucho Marx usando de ofensas,atitudes non-senses e tiradas inteligentes de forma debochada  e seus irmãos Harpo e Chico,donos de incriveis e perturbadoras gags visuais.

Leo McCarey ,um californiano,começou sua carreira como assistente de Tod Browning nos anos 20,(Browning foi diretor de obras-primas como "O monstro do Circo"(1927))antes de assumir a cadeira em produções cômicas de Hal Roach.
McCarey na época teve a importante decisão histórica de unir Stan Laurel e Oliver Hardy e criou o "O Gordo e Magro",a maior dupla comica do cinema.
O estilo cartoonesco adotado por McCarey em curtas da dupla como "We Faw Down"(1928) e "Liberty"(1929),junto com as experimentações surrealisticas que exercitou em dois curtas que dirigiu do comediante Charley Chase,são utilizadas em prol da originalidade do humor dos Marx.Um dos filmes de Gordo e Magro supervisionado por Leo McCarey ja se chamava "Duck Soup"(1927),uma giria que poderia ser vista como "facil de fazer,ou "barbada"...uma duck soup.

Groucho Marx faz Rufus T. Firefly,o lider anarquico e ditador da nação de Freedonia escolhido pela rica Mrs.Teasdale(a sempre vitima de Groucho,Margaret Dumont),que sofre tentativas de sabotagem do embaixador Trentino(Louis Calhern),de uma dançarina e dos espiões atrapalhados Chicolini(Chico Marx) e Pinky(Harpo Marx).
Groucho se sobressai de forma genial como um metralhadora de frases inteligentemente ofensivas e de conotação sexual onde dança,canta,insulta,da tapa na cara...seu numero cantando  "Just Wait 'Til I Get Through With It"onde desfila as leis ditatoriais de seu Estado como permissão de adulterio,aumento de impostos,etc. tudo de forma tão hilaria é tão genial que Mussolini proibiu o filme achando que fosse diretamente direcionado a ele.Talvez a ascenção de Hitler na Alemanha e Mussolini na Italia ligado a Depresão de 1929 contribuiu pro filme ser o menos favoravel economicamente dos filmes dos Marx.Tirar sarro de tudo isso rendeu um flop nas bilheterias e um desacordo com a Paramount,onde eles ja haviam filmado alguns ótimos filmes.Apesar dessa sátira politica conseguir atingir apices de brilhantismo de ironia denunciativa,a história é pano de fundo para o humor verborragico e ofensivo de Groucho em contraste com o humor visual de Chico e Harpo(que fala com buzinas e utiliza tesouras para cortar tudo o que vê pela frente).


A experiencia de MacCarey em conduzir gags e experimentar novas possibilidades são devidamente equilibradas com grandes canções escritas por Bert Kalmar e Harry Ruby como a incrivel cena após o absurdo julgamento de Chicolini onde todos cantam "This Country's Going To War",inclusive o irmão Zeppo em sua ultima aparição;cena usada como elixir de otimismo no final de "Hannah e Suas Irmãs"(1986) de Woody Allen(diretor que tambem filmou "Bananas"(1971) que muitos consideram uma homenagem sequencia de "Diabo a Quatro").A incrivel gag do chapéu do vendedor de amendoim(Edgar Kennedy),cuja velocidade e sincronia de movimentos faz com que chapéis sejam trocados e a vida do vendedor destruida( a cena da banheira é engraçadissima);a tatuagem viva de Harpo;a cena do espelho,uma aula...imitada em varias midias;e o final na guerra onde Groucho encontra o auge da inspiração desfilando em diversos uniformes,de escoteiro-mestre a soldado sovietico até a cena final,uma obra-de-arte,um dos melhores finais de todos os tempos(como MacCarey sabe fazer como ninguem).
Um filme onde a coleção de frases geniais é grande e que mostraria o caminho pra futuras comedias numa transição dos comediantes da era muda pra nova geração da era falada.Uma comédia importantissima pra historia do cinema.

domingo, 6 de novembro de 2011

"Uma Janela Para o Amor" by James Ivory - 1985

A união do americano James Ivory,o produtor indiano Ismail Merchant e a roteirista alemã Ruth Prawer Jhabvala resultou em pelo menos 4 grandes filmes perfeccionistas e absolutamente perfeitas adaptações de romances.
Parece ser uma grande melosidade,filmes de época ingleses não encontra lugar na exigencia dos jovens brasileiros por exemplo,mas James Ivory e suas produções são nomes a serem considerados e não só por adoradores do Oscar cujas varias estatuetas foram para seus filmes,alêm das indicações é claro.
O livro de E.M Forster foi escrito em 1908 na época em que o Rei Eduardo VII incentivava as artes e o sufragio feminino numa transição da sociedade inglesa visando a modernidade.
E claro,ingleses jogando tenis nos gramados ao sol eram imagens frequentes desse periodo.

Miss Lucy Honeychurch é um exemplo de garota que encontra a liberdade de escolha,o poder e a possibilidade da escolha em meio a sua descoberta sexual.O começo em Florença onde Lucy se encontra como turista com sua prima Charlotte(a tipica inglesa conservadora interpretada pela sempre competente Maggie Smith)em um hotel cujas presenças de diversoso outros personagens são compartilhadas,como os turistas ingleses Mr Emersom(um desbocado progressista fã de Thoureau) e seu filho George(absolutamente filosofico e aventureiro a ponto de extremas divagações),alêm do vigario malicioso Beebs(o sempre otimo Simon Callow),as duas velhotas Allans e a escritora libertaria Eleanor Lavish(que puta aparição de Judi Dench,cada momento seu é sublime) de uma importancia quase que metafisica no enredo final do filme,que leva Charlotte para uma divagação sobre o fogo escondido em Lucy numa viagem por Florença sem o Baedeker.
Após a visão da violência num homem esfaqueado (numa cena que me fez lembrar "O Atalante" de Jean Vigo)ela é acolhida por George e atraida por seu jeito selvagem.
Nota-se que o trunfo da produção do filme vai do figurino à direção de arte,a direção de Ivory tem o trunfo de harmonizar a edição e a fotografia a ponto de apresentar seus personagens através do estilo quadrinesco-literario que a sétima arte pode alcançar como ponto maximo de equalização com a literatura e o modo de se digerir um historia sem contar com excessos cansativos ou bordas gordurosas.
Os filmes de Ivory são polidos mesmo transpondo na decada de 80 um romance cujos temas ja eram pouco ligados por si só à contemporaneidade,mas que devem ser julgadas dentro da sua proposta.
Se direcionar ao romance e aprofundar tudo o que estiver ligado a ele,não importa se moderno ou não.
Prazeroso é ver Bonham-Carter linda como nunca em seu debut detonando como Lucy,uma mulher no fio da navalha entre o conservadorismo tedioso de se casar com Cecil Vyse(Daniel Day-Lewis,cuja atuação sublime lhe alçou ao patamar dos grandes talentos),que não sabe beijar,não sabe o que é uma mulher,não sabe jogar tênis...
Valores individuais são jogadas pro alto no romance de E.M. Forster que queria retratar a transição feminina à época, a queda da Belle Époque e dos costumes aristocraticos eram iminentes num comportamento mais a favor do livre -arbitrio feminista.Como Ivory nos mostra de forma brilhante no paralelo do beijo com pegada,demorado e verdadeiro de George em Lucy em meio as flores,com o beijo de Cecil,engraçadissimo,torto,seco e erratico.
Bonham-Carter passa de forma descomunal a tensão sexual e a dúvida do comportamento a favor do desejo verdadeiro de querer seu homem verdadeiro.E o final na janela com uma vista exala de forma orgasmica o final triunfante de uma mulher representando uma época,veja aí a riqueza de profundidade que seus personagens principais adquirem.
James Ivory é a prova através de suas adaptações que o cinema não é só travellings e piruetas mas a conjugação de musica,edição e fotografia(alem de figurino,direção de arte...)para se contar uma boa historia sem a pretensão senão de contar uma boa historia.
A de uma garota cujo Beethoven tocado com um fogo no piano,lhe falta na vida real.
Um terno,profundo e engraçadissimo filme.Importante!

"A Rotina Tem Seu Encanto" by Yasujiro Ozu - 1962

Nesse ultimo filme de Ozu o Japão pós-guerra que serviu de pano de fundo e catalisador das situações de "Era Uma vez em Tóquio",sua obra-prima,encontra aqui a exata personificação do modernismo como objeto de retrato do olhar de Ozu.Os quadros que intercalam as imagens que compõem a historia principal e que são cuidadosamente construidos com chaminés industriais simetricamente verticais,os cartazes luminosos e pisca-pisca da cidade,os corredores,todos esses com uma significação pictorica,são em si só um filme dentro de um filme.Alias uma das maiores qualidades de Ozu era compor esses quadros,que ja diziam muita coisa por si só.São eles por si mesmo a visão critica do diretor em relação ao desgaste de valores familiares no mundo moderno e a  guerra repetidamente  se mostra o motivo principal pela qual Ozu culpa essa mudança.
Em 1962 Ozu dá seu ultimato juntando temas que recorrem à solidão,à velhice,à manutenção dos laços familiares,como na maioria de suas obras-primas.Porêm em meio a reunião de Shuhei e seus amigos assuntos como remedio para "animar",a inveja do amigo que é casado com uma jovem mulher,tudo são temas que Ozu incorpora da onda de modernidade que estaria ainda para surgir com mais força,mas a qual ele não sobreviveria.
Ao mesmo tempo que conta a historia do viúvo Shuhei e sua indecisão de arranjar ou não o casamento para sua linda filha Michiko,visto que só ela e o filho mais novo são seus companheiros pós-viuvês,Ozu sobrepõe cenas do casamento de seu filho mais velho Koichi repleto de situações tipicas do casamento moderno e do feminismo latente,com discussões sobre onde e como colocar o dinheiro de cada um,brigas e decepções.Genial o modo imparcial ou ironico como Ozu distribui suas ideias de casamento,com a possivel futura esposa Koichi estando muitas vezes como observadora passivel,até se divertindo com as birras de seu irmão e sua cunhada,ao mesmo tempo que um casamento esta sendo arranjado pra ela de forma apressada,colocando Koichi até mesmo como uma possivel vitima de um virus anti-social e anti-tradicional moderno.Esse equilibrio entre ironia e denuncia é acompanhado brilhantemente pela musica do subestimado Kojun Saitô.A epifania de que o certo é ver o lado da filha primeiro,vem depois do reencontro de Shuhei com o professor Sakuma(o ótimo ator Eijiro Tono) e descobrir o modo como Sakuma se entregou aos cuidados da filha após sua mulher ter morrido,destruindo indiretamente qualquer possibilidade de vida amorosa dela.O receio de possiveis semelhanças com Sakuma é acarcado com os conselhos repetitivos de seu amigo Kawai,"Você esta a caminho do mesmo...". A lembrança de algo que não volta mais ou o valor dessa lembrança,vem na figura do amigo de guerra que lembra a derrota na marcha da jukebox.


O filme lembra em muitos aspectos aquele que eu considero seu segundo melhor filme,"Pai e Filha"(1949),porêm como ja dito Ozu incorpora a cor como nunca aqui.Nota-se um perfeccionismo ao mesmo tempo que meticuloso,brando;sem qualquer neura ou paranóia.As cores das chaminés,dos neons,dos tonéis distribuidos em pilha pela cidade,dos objetos posicionados inteligentemente pelo espaço,seriam um componente a mais em possiveis filmes futuros do mestre em prol do retrato avassalador do consumismo amoral anti-familiar.A obra de Ozu ,parece clichê dizer,é uma lição de convivencia,uma lição de convivio que não se degusta mais na sociedade moderna.É o tipo de arte e ensinamento oriental que calmamente te conduz através da realidade pra reflexões absurdamente reveladoras e comuns vindo das decisões em prol do bem de quem se ama;seja na cena em que a filha de Sakuma derrama lagrimas ao ver o pai bebâdo como um motivo sem culpa de sua frustração ou na solidão final de Shushei,tendo mais uma vez Chishu Ryu como o iconico interprete do herói pai de familia vitima do distanciamento e da incomunicabilidade do homem moderno na terceira idade.

"Conspiração do Silêncio" by John Sturges - 1955

Planos abertos e edição frenética mostrando um trem chegando num vilarejo no meio do oeste americano.
Nenhum trem para ali ha anos,todos os moradores perplexos saem das casas pra ver quem vai desembarcar.
Quem desembarca?
Spencer Tracy com um braço só.

Durante o McCarthismo a paranóia se apoderava em Hollywood com varios de seus artistas vitimas do "caça as bruxas".Todas essas vitimas foram conjugadas em Macreedy,um senhor que perdeu o braço na Segunda-Guerra e desembarca na remota Black Rock para entregar uma medalha à um desaparecido fazendeiro japonês.
A causa desse desaparecimento parece preocupar Smith e seus capangas que lideram a cidade na base do medo e da violencia.Quando Macreedy pões os pés na cidade,os homens terrivelmente durões de Smith começam a atormenta-lo.
Terrivelmente durões?
Sim,quem manja do universo cinematografico sabe que Ernest Borgnine e Lee Marvin eram fodas.
Aqui Borgnine consegue um troco ainda melhor que a facada de Montgomery Clift em "From Here to Eternity" antes de se redimir da maldade no humanamente terno e revolucionario "Marty" de Delbert Mann,do mesmo ano.
Porêm se há algo que apenas o cinema pode oferecer é um vilão interpretado por Lee Marvin.A presença de Marvin no cinema é algo violentamente significativo na cultura pop-artistica contemporanea,o que se revelaria em papéis sublimes posteriores com filmes de Aldrich,Fuller,Ford,Boorman...só pra citar alguns.

Agora imagine um invalido sofrendo nas mãos desses caras a todo minuto.

Aí é que entra a atuação de Spencer Tracy(ganhadora do prêmio em Cannes) onde cada olhar é significativo,cada gota de suor escorrendo da testa é convidativa à tensão do espectador.
Um personagem que sente medo sim,como Gary Cooper em "Matar ou Morrer",por enfrentar a covardia e a desvantagem;mas que se mostra misterioso o suficiente a ponto de desvendar certas habilidades como brigar,pliotar um jeep numa perseguição,ou improvisar um molotov...tudo com um braço.
Uma história tão visceral,tão denunciativa(mesmo que simbolicamente),e que se sobrecarrega da tensão vinda do medo que o homem tem da violencia do proprio homem,a eminecia da morte aqui encontra um status artistico dentro do modo como John Sturges conduz a narrativa.Sturges se mostraria mestre em tensão,violência e sobrevivencia em filmes absolutamente dignos de um lugar no museu das emoções viscerais transformadas em arte.Obras como "Sem Lei,Sem Alma"(1957),"Duelo de Titãs"(1959),"Sete Homens e um Destino"(1960) e "A Grande Escapada"(1963).

Uma das maiores obras a retratar a paranóia do pós-guerra nos anos 50,"Conspiração do Silencio" é uma puta crônica.Onde rostos te encarando a todo momento são apenas mascaras de gente fraca não sabendo lidar com uma responsabilidade criminosa provindo do preconceito e da ignorancia patriotica.
Politicamente contemporaneo à sua época.

"Quero ser John Malkovich" by Spike Jonze - 1999

Em 1999 esse foi o ápice da originalidade cinematografica.
Um filme sobe um titereiro que descobre o portal para a mente de John Malkovich.
Quem é John Malkovich?
O primeiro roteiro de Charlie Kaufman,uma das mentes mais brilhantes a surgirem em meio ao repetitivo meio cinematografico norte-americano do final da decada de 90.
Um roteiro passado pra tras por varios,uma historia absurda,e de pouco apelo comercial.
Chegou nas mãos de Copolla e esse passou pro seu genro Spike Jonze,um diretor de videoclipes.
Videoclipes?!
Sim,o que seria mais apropriado senão uma cria do mundo surreal da MTV?
Não se mostrou apenas apropriado,mas surpreendente.
Seria a escolha certa pra conseguir fazer alguem cair do nada na auto-estrada de New Orleans,filmar o ponto de vista de um chimpanzé   tendo que salvar seus parentes da captura de caçadores,ou fazer varias personas malkovichianas se esbarrarrem num restaurante...mas o mais incrivel foi a habilidade Jonze de manter o pé na realidade em uma sobriedade que equilibra todo o aspecto surreal da trama numa sensação de veracidade e realismo,como se aquilo pudesse realmente acontecer.
Se o roteiro de Kaufman é responsavel pela parte teórica e espiritual  do desenvolvimento de seus personagens,Jonze é responsavel em dar vida à esses personagens dirigindo seus atores de forma tão magistral a ponto de fazer alguns sairem de sua costumeira persona cinematografica.
Como Cameron Diaz,aqui toda relaxada e de cabelo desgrenhado;assim como uma atuação impressionante de John Cusack com seu jeito largado passando a sensação de fracasso e frustração suficiente para que haja uma identificação profunda com seu aspecto deploravel de artista sem apoio estrutural.
John Malkovich acaba sendo um personagem interessante por si só com a atuação deste indo da comica auto-referencia inicial até o brilhantismo de quando é manipulado pr Craig.

As metaforas visuais são usadas em prol de questões referentes ao desejo obscuro de se estar na pele de alguêm,de se manipular uma pessoa a beneficio proprio.
A cena introdutoria do filme ja é uma mini obra-de-arte,com  a marionete de Craig dançando a dança do desespero em movimentos que refletem(como na cena em que o boneco olha pra cima em direção ao seu manipulador)toda a alma conturbada de Craig.
E por mais que passe os anos o frescor ainda continua.
E se até hoje a falta de originalidade é um grande pecado recorrente no mundo artistico do cinema norte-americano isso não se deve nem a Jonze e nem a Kaufman,que juntos meio que inauguraram uma série de filmes metalinguisticos e metaforicos envolvendo a mente e as emoções humanas.

"Quero Ser John Malkovich" é um filme que te manipula como uma marionete do começo ao fim.

sábado, 5 de novembro de 2011

"A Festa de Babette" by Gabriel Axel - 1987

A pessoa de Isac Dinesen,escritora do livro no qual o filme é baseado,está fortemente ligada à adaptação de Axel,visto a presença constante de uma narradora e o caráter estritamente literario do roteiro.Axel conduz a historia com a complacencia do preparo ao esturpor final de um Dreyer de "Ordet"(1955),uma das grandes contribuições dinamarquesas para o cinema.A mudança do vilarejo  com casas coloridas da Noruega do livro para um cinzento amontoado de tijolos num constante céu nublado da Jutland aumenta o exilo,a solidão e a alienação a qual seus habitantes vivem.

A descrição inicial das irmãs após um plano aberto desse minusculo vilarejo ja fortalece a situação de austeridade moral quando seus nomes são apresentados:Martine(batizada após Martinho Lutero) e Phillipa(batizada após Philip Melanchton).
Aquela comunidade aparentemene soturna é embalada pela esperança da fé em reuniões tristes compostas por gente velha e feia.
De repente a aparencia selvagem de Setephane Audran e sua Babette(escolha sugerida por Chabrol,seu ex-marido).
A sua origem em meio a um ecossistema tão estranho é explicada por um brilhante flashback que mostra as duas irmãs no auge da beleza dinamarquesa onde eram adoradas por jovens,e o destino que elas tiveram na vida de um general e um cantor de ópera.
A presença constante do pai ,tido como um lider daquela sociedade,reprime qualquer possibilidade de relacionamento e é claro que elas querem sexo.
Um jovem soldado sueco foge do estilo de vida levado por elas mas nunca esquece de Martine.
Nota-se o lado imparcial e levemente ironico que Axel filma os diversos personagens estereotipados,do pai pastor às exageradas continencias do soldado,ironia que traz ao filme um grande toque comico até a libertação final.
Mas a aparição mais fulgurante artisticamente é de um tenor que se enamora da voz de Philippa na igreja e pede a seu pai que lhe conceda dar-lhe lições de canto.Essas lições representam o tronco estutural de um dos temas abordados,a arte;alêm da vida e da religião.As aulas de canto são cenas de um sublime apuro artistico,o que releva  condição do cinema sueco e dinamarques como obras absolutamente sensitivas.Nós entendemos a paixão do tenor e do soldado,as garotas dinamarquesas são lindas;e assim como entendemos a paixão acabamos por entender a repressão sexual e religiosa na qual elas vivem sem perceber.

 Ambos o tenor e o soldado vão ter as suas vidas e 35 anos depois,após a morte de seu pai(que se tornou praticamente o messias daquela sociedade)elas recebem em casa Babette,fugida da França,a pedido do tambem envelhecido tenor.
Babette se mostra servil por 14 anos até o principal mote do filme acontecer:Babette ganhar 10.000 francos na loteria.
Martina  e Philipa se tornaram herdeiras de seu pai no comando religioso da comunidade,ambas com atitudes quase iguais as de um anjo.
Só o fato de Babette ser uma mulher fugida da França,cujo marido e filho foram assassinados,ja demonstra não ser ela uma pessoa qualquer.O deslumbre final fica por conta de um banquete de despedida oferecido por Babette antes de ela retornar a França após ter ganho o prêmio.Depos de desembarcar codornas,tartarugas e uma poção de especiarias e bebidas caras pra deslumbre dos austeros moradores serventes da humildade daquele minusculo vilarejo,o assombro toma conta das irmãs que profetizam o ato final e diabolico de uma pessoa que veio não se sabe porque ou daonde.
Se todo o retrato da fé e religião é visto como opressor e anti artistico,a surpresa da descoberta de quem é Babette se mostra na tão falada festa dada aos discipulos do falecido pastor na data de seu aniversario de morte.E é deslumbrante ver todos aqueles velhos irritadiços que apena mencionam a Biblia descobrir a cada minuto da festa o quanto a verdadeira libertação se encontra na paixão,no amor e na boa comida.
A cena do banquete é uma aula de interpretação e simbolismo.Com a presença do soldado agora coronel,antigo amor de Martine e suas observações auspiciosas e experientes sobre codornas no sarcofago e uma cozinheira magica do Cafe Anglais.Depois do café com licor,o beijo na boca e o excelente céu estrelado em contraste com os telhados pitorescos se reunem em prol da celebração da vida como ela dever ser,com o fogo do vinho fazendo antigos conhecidos cantarem de mãos dadas em volta do poço.
Um dos mais belos filmes dinamarqueses desde Dreyer(vejam o modo como Axel nos traduz a fé nos olhos de uma discipula procurando Deus no firmamento),"A Festa de Babette" traz no final uma daquelas epifanias otimistas que poucas obras conseguem trazer.
Mesmo que a realidade daquelas pessoas sejam diferente das nossas,sabemos que temas como fé,arte e vida são universais.A grande mensagem é,não se deixe levar pela alienação hipocrita,o grande viver está no viver sem medo,muito menos medo de Deus.O verdadeiro amor é que salva.

Eu não sei se acredito em Deus,mas acredito no cinema dinamarques.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Tampopo-Os Brutos Tambêm Comem Spaghetti" by Juzo Itami - 1985

 Juzo Itami é considerado por muitos o maior diretor artista japonês desde Akira Kurosawa.Um titulo brilhante visto que depois de atuar em filmes diversos ele começou a dirigir aos 50 anos em 1984 com o filme "Ososhiki".
Mas ao analisarmos essa brilhante obra que foi o seu segundo filme,percebe-se  o uso de diversas vertentes estilisticas ocidentais em contraste com qualquer rigor oriental contemplativo;realmente sua maestria tecnica de contar uma historia com a camera e manter uma narrativa coesa com o uso diverso das mais variadas ferramentas cinematograficas é o mais proximo de um Kurosawa que o Japão se propos a oferecer.
A influencia de Itami é o cinema,e sua possibilidade de contar uma verdadeira historia com as mais variadas emoções.Se o "Tampopo" é considerado um western-spaghetti por reverenciar diversos recursos estilisticos de Leone ou conter as qualidades narrativas de tal gênero,surge a pergunta:
Da onde vem a origem da influencia?
Se os filmes de Leone eram totalmente tributos italianos ao um genero americano inspirados pelos filmes de samurai de Kurosawa?

"Tampopo" é a prova viva de que as influencias artisticas transcorrem como ondas no inconsciente coletivo.Um filme gastronomico que usa o talharim como mote satirico do diretor em sua visão dos costumes da sociedade japonesa.O talharim e sua mega-popularidade é o cerne da historia central em que Tampopo(a excelente atriz e mulher do diretor Nobuko Miamoto) é dona de um restaurante cujo talharim é feito com total despreparo.
Com a chegada de Goro(Tsutomo Yamazaki,um forasteiro a la Clint que em vez de chegar a cavalo chega num caminhão)e seu ajudante Gun(um jovem Ken Watanabe),sua vida passará por uma transformação evolutiva dentro da arte de se preparar um noodles.Por cuidar de Goro depois dele defender ela numa briga perdida,ele aceita a dificil decisão de ajuda-la a achar a receita perfeita pro seu talharime pro visual de seu restaurante(numa especie de Gordon Ramsay japones),encontrando nessa curiosa jornada diversos personagens pitorescos,ironicos e profundos.

O filme é vendido como uma comédia,mas não é uma comedia de apelo comico-visual,o humor vem do modo sagaz e ironico do diretor em relação aos seus conterraneos(de gangsters da yakuza à mendigos) e ao modo como a comida e seus prazeres podem ser inseridos dentro de uma sociedade.
A introdução do filme ja é por si só criativa,com uma sala de cinema onde um gangster de terno branco começa a conversar com a camera perguntando "O que vocês estão comendo agora?".
De repente as luzes se apagam e a historia de Goro e Tampopo se desenrola na tela grande.
Essa metalinguagem de cinema dentro do cinema e arte dentro da arte continua logo apos os creditos iniciais quando percebemos que a excelente descrição artistica de como se comer e apreciar um prato de talharim por um mestre ao seu aprendiz nada mais é que um livro lido por Gun.
 A qualidade do cinema japonês de filmar rituais cotidianos como se fossem eles mesmo uma arte é usada aqui como uma saudavel auto-parodia,como o modo em que os restaurantes levam a serio suas receitas,o seu preparo e o profissionalismo de seus restaurantes.
O alimento na vida social é retratado de forma surreal em diversas vinhetas que intercalam a historia principal.Tais vinhetas fogem do aspecto western da historia de Tampopo e são misturadas com o amalgama estilistico presente na mente de Itami e com o surrealismo perversamente ironico de um Buñuel,só pra fazer uma comparação.Aspectos vistos como uma cronica-social tendo como base a alimentação do homem moderno.
Como uma das principais qualidades do brilhante roteiro,escrito pelo diretor,está tambem o modo como ele intercala essa vinhetas com a vida de outros personagens dando uma sensação de vida corrente,como se tudo tivesse acontecendo ao mesmo tempo, o que é reforçado com a presença constante do trem.
Por exemplo:o subordinado que dá um show de conhecimento culinario num restaurante chique em contraste com o descaso de seus superiores em relação ao cardapio ja é intercalado(com a camera seguindo o maitre)com a outra parte do restaurante onde temos uma aula de etiqueta sobre como sugar um talharim sem fazer barulho;o gangster(do inicio do filme e que reflete o lado erotico-violento-perverso da comida)que faz sua amante atingir o orgasmo com uma gema de ovo seguido de uma cena simbolica envolvendo sangue,ostra e...tesão;o homem com dor de dente que após se livrar da dor e ter a possibilidade de degustar loucamente um sorvete ajuda um moleque com uma placa no pescoço dizendo:"Só como alimentos naturais,mensagem da minha mãe.";a mãe de familia que cozinha sua ultima refeição antes de morrer;todas historias conduzidas com uma maestria original e brilhante.

Se ha uma forma de qualificar o filme de modo geral é:
um grande trabalho artistico,original em seu tema e fruto de um auteur provindo de uma geração que costumava usar uma colcha de retalhos do cinema dos mestres.A emoção que o diretor consegue tirar de um bando de mendigos cantando em homenagem ao seu benfeitor,a homenagem chapliniana na cena em que um desses mendigos entra clandestinamente num restaurante pra fritar um omelete de arroz, a violencia,o amor,o humor, todas as emoções são extraidas por Itami de sua propria historia assim como o os mais diversos termos da linguagem do cinema de verdade.Meu texto é pouco pra aprofundar todos os temas tocados por Itami,mesmo que levemente.

Se reverencia Kurosawa,Leone,Buñuel,Ford(como nas brigas de soco,ou na despedia final do herói) ou até mesmo Kubrick(no modo como posiciona as lampadas em prol de um cenario autentico artisticamente e na trilha sonora) não importa.O que importa é que Juzo Itami é um nome a ser reconhecido e reconhecido pelas novas gerações,e que seu segundo filme é uma das principais obras a surigirem do universo cinematografico nos anos 80.
A cena dos creditos finais resume a origem de tudo o que o filme se propos a relatar a seu modo:a veneração da humanidade pela comida e sua conotação quase que sexual.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"Apertem os Cintos......O Piloto Sumiu!" by David Zucker,Jim Abrahams e Jerry Zucker - 1980

A Revista Mad nunca exerceu uma influência tão grande no mundo do cinema como em David Zucker,Jim Abrahams e Jerry Zucker e sua obra-prima "Apertem os Cintos,o Piloto Sumiu!".
A catarse anárquica de situações díspares e esquetes satiricos provindo de todas as partes e dialogos,possui uma influencia na posterior comedia norte-americana em outras grandes obras do coletivo ZAZ como "Corra que a Policia Vem Aí!"(1988),até os derivados caça-niqueis nauseantes como "Disaster Movie"(2008).
A Mad tinha o habito de satirizar em seus inteligentes quadrinhos os blockbusters de sucesso,com cada quadro apresentando uma piada em cima de um clichê ou anarquisando o conceito geral da obra tida como "séria".
Assim ZAZ fez aqui,com referências culturais diversas à filmes de catastrofe tão comuns na decada de 1970,misturadas com diversas outras citações que vão da excelente cena remetendo aos "Embalos de Sabado a Noite"(1977),à "Tubarão"(1975),como na cena introdutoria(filmes,aliás,que recentemente tinham derramado sua magica na tela grande).

Não há momento sem piada e não há ritmo igual ao trio de diretores assim como a facilidade em transformar em observações irônicas piadas pré-Farrelys,como o piloto pedófilo,a frase "Prefiro preto,como os meus homens" dita por uma criança,mais crianças doentes(na sensacional cena do violão),freiras,negros falando seu proprio "dialeto",religiões..dentro do cenario de um avião em queda após  o desmaio dos pilotos por terem comido peixe.

A genialidade do filme em não poupar o espectador em nenhum segundo de piadas visuais toma personalidade na aparição absolutamente fora do lugar comum de Stephen Stucker e seu personagem Johnny cujas aparições delirantes resumem conclusivamente o espirito non-sense da falta de linearidade e interrupção do humor de comic-con que o filme nos brinda atraves da linguagm da sétima arte.

Muitas das ferramentas estilisticas cinematograficas ja usadas a epoca a exaustão em prol da proliferação de clichês são revistas e chacotadas com competencia tecnica como zoom-ins melodramaticos,planos sequencias,trilha sonora previsivel(aqui dentro do mesmo espirito satirico do filme numa excelente composição de Elmer Bernstein)...assim como personagens e situações comuns no subconsciente pop,principalmente depois da chegada avassaladora da televisão.
O primor do profissionalismo dos envolvidos vão da seriedade forçada mas convincente de suas atuações,do sempre impassivel Leslie Nielsen num papel que lhe renderia quase que uma aura icônica em trabalhos posteriores,o heróico passional Robert Hays(numa dança travoltiana impecavel),a heroina Julie Hagerty(numa incrivel candice patética),assim como Lloyd Bridges cheirando cola e Robert Stack auto-ironizando o machismo idolatrado do herói salvador.
Só constata mais ainda o valor de obra surreal cômica fundamental do seculo XX as intervenções do imaginario sendo atropelado pelo real como nos lampejos de genialidade de Kareem Abdul-Jabbar sendo reconhecido pelo moleque assediado por Peter Graves(da serie original de "Missão Impossivel") e Ethel Merman como uma tenente enlouquecida que pensa ser Ethel Merman.
Um filme detalhistico,excelente com maconha,salgadinho e pé descalço no carpete....mas detalhistico.           .