quinta-feira, 6 de setembro de 2012

"Intriga Internacional"(1959) - Alfred Hitchcock





"Intriga Internacional" é a despedida do Hitchcock de thrillers divertidos,tendo um casal como protagonista, com certeiras referências irônicas ao casamento.É um amálgama de convenções estilísticas adotadas pelo diretor nos anos 30,onde um "macguffin" serve de pretexto para uma sucessão de desventuras do homem errado contrabalanceando entre o suspense tipicamente inglês e a comédia romântica.Também é um rompimento com o passado em forma de despedida,onde ele daria continuidade no futuro à mesma abrangência psicológica iniciada em "Um Corpo Que Cai"(1959).

Os anos 60 precisavam de um Hitchcock renovado,como ele demonstraria estar em "Psicose"(1960),"Os Pássaros"(1963) e "Marnie - Confissões de uma Ladra"(1964).Escolher Cary Grant por achar James Stewart velho demais é paradoxal,Grant não passa nenhuma jovialidade,mas já no fim da carreira sela com chave de ouro a intervenção desses dois atores como preferidos do diretor.Tirando o melhor de "39 Degraus"(1934),"A Dama Oculta"(1938) e "Correspondente Estrangeiro"(1940),Hitchcock resgata suas origens britânicas contando a história do publicitário que é confundido com um espião e começa a ser perseguido incansavelmente por vilões liderados pelo fleumático James Mason enquanto tem na sua fuga a intervenção feminina de Eva Marie Saint.

O roteiro de Ernest Lehman procura utilizar ao máximo as reviravoltas narrativas em que as cenas de ação préviamente desenhadas em storyboards sejam habilmente orquestradas pelo diretor.Fugas em estações de trens,perseguições de aviões,escalar o Monte Rushmore,revelações de identidade...enfim,aventura descompromissada aliada à uma grande técnica autoral.
Já trabalhando com o compositor Bernard Herrman ,a trilha se tornaria uma referências para climas cartoonescos de mistério e espionagem.

"Intriga Internacional" é uma espécie de auto-elogio,de uma hipérbole do que fez o gordinho inglês pegar o avião e vir para os EUA virar lenda.É a exaltação do lado cômico associado ao inusitado e ao perigo.Um pré-Indiana Jones na pele do everyman representante do homem masculino dependente da mãe,vítima da inevitabilidade do casamento.Depois de "O Homem Errado" e "Um Corpo que Cai","Intriga Internacional" foi o chute na bunda do simbolismo e da profundidade psicológica para que Hitch possa provar que jogar estereótipos na tela e transforma-los em arte era com ele mesmo.É a comprovação do talento pulp fiction que os anos 30 ainda não sabiam discernir bem e que o vindouro anos 60 exaltava.Foi o filme feito para que se no futuro vierem a perguntar: "Quem realmente foi Hitchcock?",em vez de enumerar uma série de produções,a resposta certa seja um filme: "Intriga Internacional"

"Um Corpo Que Cai"(1958) - Alfred Hitchcock



Assim como já tinha feito em "Janela Indiscreta"(1954),Hitchcock se debruça de corpo e alma na obsessão.Ao contrário do voyeurismo,o distúrbio da vez é a vertigem,o medo das alturas que começa a assombrar Scottie(James Stewart) após este presenciar a morte de um colega policial enquanto estava pendurado num telhado.
De licença do trabalho,ele é contratado como detetive particular por um antigo amigo seu para que siga sua esposa Madeleine(Kim Novak),obcecada por fantasmas do passado.Quando a loira Madeleine tenta o suícidio na baía de São Francisco e é salva por Scottie,começa uma relação de paixão e angústia,onde fica claro a loucura neurótica de Madeleine,que comete suicídio de cima da torre de uma igreja,sendo que Scottie estava impossibilitado de salvá-la devido a sua acrofobia.
"Um Corpo que Cai" foi uma das obras do mestre em que ele conseguiu acumular todos os elementos para conduzir,não um suspense de matinê,mas o aprofundamento psicológico doentio e obsessivo.Por isso talvez não tenha tido tanto sucesso nas bilheterias,visto que à partir de "O Homem Errado"(1956),Hitchcock estava disposto a abrir um leque maior de possibilidades temático-psicológicas em seus filmes.

Hitch estava disposto a interligar as diferentes elementos do filme numa visão só,numa intenção única:a vertigem e a obsessão
Pela primeira vez a trilha de Hermann estava casando perfeitamente com a intenção do diretor,sendo ela em separada uma paranóia em espiral vertiginosa,onde os momentos calmos são conduzidos por uma melodia de um coração destruído pela perda,mas ainda vivendo um pesadelo.Assim entram os créditos inicias pós-modernos de Saul Bass, em sintonia  com a música na definição do motivo psicológico principal.
O perfeccionismo do ritmo da narrativa é o que continua impressionando,dividindo o filme em duas partes distintas.O uso do recorrente macguffin para enganar o público,acaba sendo toda a primeira hora,onde uma série de mistérios são cuidadosamente desvendados,quase que em tempo real com Scottie,que segue aterrorizado os trajetos de Madeleine.

De repente o suicídio da loira.
Scottie doente e traumatizado com o inexplicável do sobrenatural,quando quase-recuperado,encontra por acaso na rua Judy Barton, uma mulher parecida com Madeleine,porém morena.A abordando,consegue conquistá-la,mas obsessivamente montando uma saudade sua,repaginando toda a mulher pintando os seus cabelos de loiro e comprando roupas idênticas da falecida.


A câmera de Hitchcock explicita ainda mais a intenção que o diretor tinha de descobrirmos por nós mesmos aos poucos as armadilhas da trama(indo do bouquet do quadro,para o bouquet nas mãos de Madeleine por exemplo),nos conduzindo no sentido do  que o detetive vai costurando.Truques visuais são cuidadosamente colocados em momentos dignos de nota:o dolly-out/zoom-in que representa o mal-estar de Scottie nas alturas;a sucessão de cenas surreais no pesadelo de Scottie quando ele despiroca total depois da morte de Madeleine;a ressucitação de Madeleine em Judy,que surge etereamente como um fantasma à partir do verde do neon que se espalha pelo seu quarto;a sucessão de giros que a câmera dá no impressionante beijo em que o background muda de acordo com as lembranças ressucitadas de Scottie;o escurecimento da imagem quando o livreiro conta a estória de Carlota Valdes;enfim uma sucessão de detalhes que convergem para um todo conceitual tão perfeccionista que superou os próprios trabalhos anteriores do inglês.
Até o figurino da sempre presente Edith Head foram dispostos em cores que ressaltavam o clima psicológico/espiritual dos personagens,com o cinza contrastando de forma berrante com os cabelos de Madeleine.

 Como novamente ele faria em "Psicose",Hitch joga com metade da narrativa,matando personagens importantes e repentinamente mudando o sentido que a estória,já envolvente,estava tomando.E essa genialidade de tentar ao máximo,seja em pesadelos surreais ou visões do além,retratar  distúrbios mentais em imagem e som no cinema,foi o que fez Hitchcock no final dos anos 50 começar mais uma nova etapa influente de sua carreira.Usando de todas as possibilidades da cor para construir um ambiente noir sem preto-branco,San Francisco nunca foi um cenário tão participativo na loucura de um dos seus heróis do dia-a-dia,com o vermelho e o verde iluminando a vida íntima de um policial apaixonado e atormentado .

"No Tempo das Diligências"(1939) - John Ford



Não é preciso dizer muito...apenas assistir "No Tempo das Diligências" para compreender sua magnitude.É a reconstituição do coma em que o western de Ford estava desde o cinema mudo,em que filmes como "O Cavalo de Ferro"(1924) já mostravam um universo todo particular seu.O que acontece são algumas possibilidades que o a própria estória encerra,como diferenciados personagens viajando numa apertada diligência por entre um território indígena,respirando o mesmo ar de diferentes classes.
Ford reinicia uma nova era de filmes colocando todos os seus personagens recorrentes em um lugar só: o bêbado irlandês Doc Boone(Thomas Mitchell realmente louco),a prostituta Dallas,o jogador sulista Hatfield,a esposa grávida de um soldado Mrs. Mallory,o idiota vendedor de whiskey Peacock ,o banqueiro ladrão Gatewood,o fugitivo da justiça Ringo Kid( John Wayne,icônico),o xerife Curly,e o cocheiro Buck.

Orson Welles disse ter assistido 40 vezes enquanto filmava "Cidadão Kane",o que é de se acreditar visto que todas as possibilidades exploradas por movimentos de câmera são usadas seja na interação dos atores para mostrar a diferença social entre seus personagens,ou seja em perseguições de índios como no brilhante trabalho de dublê com uma corrida de carruagens e cavalos,quando Ringo Kid tem que pular com a carruagem em alta velocidade até o cavalo-líder.
Assim como a marca fotográfica de seus filmes de destacar o cenário,presente em alguns filme na década de 30,com o Monument Valley pela primeira vez explorado,e a cidade soturna onde o duelo de Ringo com seus inimigos se desenrola no final.

"No Tempo das Diligências" não é só o filme mais influente do western e do cinema de ação ocidental não.
Ele é o filme em que Ford mais exalta o marginal,a sociedade mal-vista,os tornando heróis em todas as possibilidades.A condenação do puritanismo,a prostituta amparada pelo bêbado e o pistoleiro fora-da-lei salvador.John Wayne,que mais tarde se tornaria como que um símbolo do conservadorismo norte-americano,sai dos filmes b e se torna o representante marginal da raiz do povo americano.
A sua aura icônica  atravessou décadas,graças àquele zoom-in trêmulo que Ford usou para apresentar  o personagem de Ringo Kid,um fugitivo da cadeia disposto a matar quem assassinou seus pais e irmãos.

"Paixão de Fortes"(1946) - John Ford




"Paixão de Fortes" é quando o western dá um passo a frente no mundo da arte,é o filme mais importante nesse sentido desde "No Tempo das Diligências"(1939).É o filme-prova da sofisticação estilística da paisagem fordiana em um belíssimo contraste de claro escuro,dilatando o cenário acima de todos.É a personificação mais perfeita do herói americano,portador da justiça e do equilíbrio,mantenedor da família que é dilacerada aos poucos pela maldade selvagem de um país em construção.
Para quem gosta de cinema japonês e quer saber de onde Mizoguchi ou Kurosawa tiraram inspiração de Ford,"Paixão de Fortes" é um ajuntamento de descobertas.É emocionante perceber hoje em dia o quanto um filme com título original vindo de uma  canção popular("My Darling Clementine") e a "reconstituição" de um momento histórico manjado do Oeste americano rendesse uma dádiva assim tão cheia de sensibilidade simplesmente por sair da mente de um homem que exalava sua visão em películas.

O filme remete à Wyat Earp(Henry Fonda),que junto com seus 3 irmãos tocam gado perto da cidade de Tombstone.Após serem abordados pelo velho Clayton(Walter Brennan),vão visitar a cidade de Tombstone deixando seu irmão mais novo James na espera.Quando eles voltam encontram James assassinado e o gado roubado.Decidido por vingança,Earp e seus dois irmãos restantes Virgil(Tim Holt de "Soberba" e "O Tesouro de Sierra madre") e Morgan(Ward Bond,onipresente) decidem retornar à Tombstone com Wyat Earp se tornando xerife,e contando com a associação de um falcatrua dono do casino local,Doc Hollyday(Victor Mature),na verdade um médico turbeculoso e as mulheres que o cercam.
A tensão do enfrentamento entre as duas famílias é permeado do  que Ford mais gosta: o passado já famoso de Wyat que impõe um certo respeito entre os populares;os seus feitos heróicos(como conter o indio bêbado no inicio da trama);o fato de as vítimas serem irmãos de sangue,que dói mais,construindo o famoso  lençol agonizante e melancólico com que torçamos constantemente por redenção e vingança cumprida;a morte mais uma vez enfrentada com dor em conversas na lápide cheia de promessas;a inabalável moralidade do protagonista sempre surpreendendo;e as brigas,os momentos cômicos extraídos de uma cidade de tensão visitada por um ator shakespeariano bêbado...a meiga Clementine disputando Doc com a extrovertida e quente Chihuaha(Linda Darnell) enquanto traz à tona o que tem de mais acessível no coração do frio e metódico Wyatt Earp.
O Monument Valley se encontra grandioso como sempre,mas o que realmente vale a pena em "Paixão de Fortes" é ver a distribuição dos personagens por entre os sets de Tombstone,com o progresso como alguém como Earp consegue proporcionar para toda uma população,com Henry Fonda se equilibrando na cadeira e circundando entre barbearias e saloons com a cabeça à prêmio.

Henry Fonda mais uma vez mistura a sobriedade,com dureza e com simpatia.Uma grande performance numa construção de personagem interessantíssima,um herói de western diferenciado de um  ator versátil,que viria a ser um grande vilão no futuro com "Era Uma Vez no Oeste"(1968) de Sergio Leone.Em "Paixão de Fortes", a maneira como ele gesticula,como ele dirige o olhar distribuindo confiança e equilíbrio o destaca como o ideal do americano,longe de ser um marginalizado,ou um cowboy existencialista.Apenas um herói da lei justa.O herói da estrelinha no peito.

"Os Sete Samurais"(1954) - Akira Kurosawa




"Os Sete Samurais" talvez tenha sido a maior carta de amor de Kurosawa ao cinema ocidental e aos westerns de Ford,ao mesmo tempo que influenciou toda uma geração de contadores de história envolvendo companheirismo em decisões de enfrentamento,no cinema moderno.É influente,enfim, como todos seus filmes feitos após "Rashomon",e Kurosawa usa um enredo rico de acontecimentos envolvendo múltiplas personalidades  criando uma história de heroísmo e amizade,sendo ao mesmo tempo que romântico e aventuresco...lírico em seus enquadramentos cuidadosos.

O filme começa mostrando plantadores de arroz chorando covardemente ao saberem que estão "prometidos" por bandidos saqueadores.Indo consultar o velho sábio ancião da aldeia,a dica dada é que alguns deles viajem até a cidade para conseguir convencer samurais para defende-los em troca apenas de comida.É aí que começa  a primeira parte do filme,a do recrutamento,onde eles se deparam com o grande mestre samurai Kambei(sensacional Takashi Shimura).Junto com Katsushiro um jovem pretendente à samurai que implora para ser discípulo de Kambei,eles recrutam:Gorobei,o esperto;Heihachi,o medíocre mas bem-humorado;Shichiroji,velho amigo fiel de Kambei;e Kyuzo,um mestre da espada de humor introspecivo.
Contra a vontade de todos,eles são seguidos pelo farsante despirocado Kikuchiyo(Toshiro Mifune).
Chegando no vilarejo,numa série de treinamentos e uma brilhante estratégia territorial eles vão se assimilando ao povo enquanto se conhecem cada vez mais em meio à brigas,sucessos,desacordos,revelações...na batalha final na chuva,a família está formada,e a constante luta contra a sobrevivência se torna uma massa única.

Buscando o máximo de realismo,Kurosawa não poupa o brilhante roteiro de toda a habilidade possível para colocar a câmera à disposição do desenrolar da aventura.Com planos perfeitos,closes viscerais de uma mise-en-scene em que a troca de energia climática entre os atores dentro uma edição de closes suados embalados por uma trilha hipnótica viria a influenciar Leones e Copollas.A câmera entre cavalos,flechas se movimentando em travellings perigosos,extraindo toda a emoção da cena.O uso de slow motion para filma a morte,o costume olhar da lente para o sol por entre as folhas da árvore em meio à flores onde o o jovem Katsushiro tem seu encontro com Shino,a linda jovem forçada por seu pai a se vestir de menino para,ironicamente,fugir dos olhos dos samurais.
No meio dessa variedade rica de acontecimentos e personas,os opostos estão toda hora se enfrentando;o velho e o novo,o experiente contra o inexperiente,o mestre soturno Kyuzo contra o palhaço Kikuchiyo.O bonito é que toda a fervilhação desses opostos acabam se unindo frente ao perigo,sendo reunião tão díspare de heróis sendo imitado por westerns de Sturges,"Canhões de Navarone",etc.,mas sem nunca atingir tanta profundidade emocional com cada um dos envolvidos na trama(nem "Branca de Neve e os Sete Anões"de 1937).

Duas atuações são absolutamente icônicas: Toshiro Mifune e Takashi Shimura,dois dos atores mais inacreditáveis que a sétima arte concebeu.
Mifune feroz e animalesco,mas longe do assassino de "Rashomon",ele tem momentos sublimes que revelam um personagem inconvenientemente esparrento,mas com amor necessário para ter o senso de amizade que a situação proporciona.Quando ele toca o alarme para enganar os camponeses assustados no inicio do filme, ou  na sublime confissão em que é revelado o seu passado como camponês.Mas é no momento em que,com um bebê no colo depois de ver a morte da mãe deste,ele chora desesperadamente estático,com o velho moinho pegando fogo ao fundo, gritando as recordações da situação à qual ele já tinha presenciado;até que o destino final o coloca como o cara que se mostra o mais valoroso de todos,pois não tinha nascido seguindo uma regra samurai,apenas o seu coração.
Shimura por sua vez exala sabedoria ,coçando a cabeça raspada (como faria Yoda anos depois),com seus olhos mais uma vez passando muito mais que monólogos.E esse era o diferencial seu com o primeiro.Mifune grita,esbraveja,ruge suas frases,compondo um personagem de uma forma tão única  e verdadeira que nenhum ator jamais faria posteriormente...Shimura só olha e diz tudo com o olhar.

"Os Sete Samurais" foi o primeiro filme exclusivamente de samurai do Kurosawa,e continua ainda como uma das grandes aventuras do cinema,um thriller sem o qual não existiriam os thrillers,uma análise profunda sobre os valores dos próprios samurais(mercenários egoístas em sua maioria ou inativos diante da pólvora),e um dos exemplos mais comoventes de amizade.

"Rastros de Ódio"(1956) - John Ford


 
  


John Wayne nunca passou tanto ódio como em "Rastros de Ódio".Absolutamente assustador.
O seu olhar penetrante de mágoa e desespero assassino coloca Ethan Edwards como um dos personagens mais perigosos do cinema.Uma pessoa isolada em si mesma,simbolicamente um ponto no meio do deserto,quase que numa simbiose de deserto espiritual com o deserto natural do Monument Valley.
Vindo da Guerra Civil,ele tem que se defrontar com a morte de seu irmão,de sua cunhada(o amor da vida de Ethan),de seus sobrinhos,e do rapto da sobrinha caçula Debbie pelos indios.Durante os cinco anos seguintes Ethan e o jovem Martin(irmão de criação com sangue indígena de Debbie),percorrem paisagens em busca da garota.O instinto preconceituoso que corrói o coração de Ethan o coloca na indecisão de salvar Debbie ou matá-la,visto que já se tornado india não seria mais sua família.Os raios de psicose que os olhos de Wayne lança ao matar desesperadamente os búfalos,ou quando vê a casa de seus familiares em chamas é o espelho da alma carregada de mágoa do protagonista,em que cada frase é ríspida e cada movimento inconsequente.E Ford era isso,ele era a paisagem e o homem solitário deslocado num novo mundo.E é justamente por ter controle total sobre a alma de Ethan e sobre a alma do deserto,que sua câmera se move poéticamente,para que unicamente através da sugestão percebamos os motivos do rancor de Ethan e a reação dos personagens que o cercam.São os conflitos dele com o mestiço Martin que mostram o quanto de humano ele ainda guarda em si,com toda a exaltação fordinana do bem surgido através da amizade e do companheirismo.

Lutas,namoros,momentos cômicos,demonstrações de bravura,"Rastros de Ódio" é para Ford o que "Intriga Internacional" foi para Hitchcock,uma síntese de todos as suas marcas registradas exploradas ao máximo.O modo simbiótico do psicológico/ambiente exalavam dele,sem qualquer pretensão senão honestidade.Ford era um cara que pegava um quadro e pintava sem fazer muito esforço para descobrir o que tinha que pintar.O seu estilo e o seu modo de pensar a solidão do homem estavam já inseridos em sua consciência. "Rastros de Ódio" é odisséia final do homem que busca ou não a redenção,sabendo que jamais seu coração estará aberto novamente,restando apenas ele e o deserto.