sábado, 8 de setembro de 2012

"Trono Manchado de Sangue"(1957) - Akira Kurosawa




Kurosawa foi um dos grandes retratistas dos sentimentos humanos conseguindo pincelar com uma visão cinematográfica abrangente e a frente do seu tempo,as diferentes reações do homem diante do destino.Da mesma forma como Orson Welles,e tão influente quanto este,as peças de Shakespeare cabiam como uma luva para  a facilidade com que ambos tinham de mergulhar na alma humana e mergulhar no redemoinho da soberba,da ambição,da tolice e da intolerância do homo sapiens.Em 1948 Welles filmou "Macbeth",um filme barato mas rico de arte expressionista cinematográfica,que junto com a fidelidade do texto original se coloca como a maior adaptação da obra no cinema e um dos filmes mais dilacerantes do mestre;9 anos depois Kurosawa iria transpor a peça para o seu tão explorado japão feudal da Era-Sengoku,com "Trono de Sangue".

Se servindo da trama sobre maldição e ambição do bardo inglês,Kurosawa coloca sua visão lírica-aventuresca à favor de uma edição multi-angular fazendo com que o filme se insira àqueles que,como "Rashomon"(1950) ou  "Os Sete Samurais"(1954),inspiraram gente como Sergio Leone,Scorsese,John Millius,Spielberg,Yimou e até o próprio Welles em "Falstaff".Fica claro por exemplo da onde Leone tirou tanta chapação para "A Trilogia dos Dólares",com o modo pioneiro com que o japonês casa a construção das cenas colocando varias câmeras em diferentes ângulos casando a mise-en-scene dos atores com uma manada de cavalos e bandeirolas sujas de lama embalados pela música de Masaru Sato,que vamos e convenhamos,lembra em muitos aspectos a climatização de Morricone nos spaghetti.A marca mais registrada é interação homem/natureza chupada de Ford,que como comum nos filmes de Akira,atingem o máximo da sensibilidade oriental,com todo o caos humano convivendo com as florestas e suas arvores mantenedoras de segredos seculares,a densa neblina dissipada como uma cortina,a chuva que corta a alma e o sol que espreita por entre os galhos e entra nos aposentos à dentro.Uma ambientação tão viva visualmente que acentua o alcance realista que o perfeccionismo do diretor exige da tragédia humana,com aspectos dramáticos que seriam mais aprimorados em 1985 com "Ran",baseado em Rei Lear,outra peça de Shakespeare.

Assim como em "Ran",Kurosawa decide retirar qualquer caráter europeu da narrativa,induzindo seus atores à interpretações típicas do estilo do teatro Noh o que confere uma excelente atuação de Toshiro Mifune e Isuzu Yamada.Mifune visceral como sempre e desesperadamente afundado na paranóia,e Yamada construindo uma Lady Macbeth quase fantasmagórica em sua impassividade e submissão,máscaras da persuasão maliciosa.
O modo como o diretor foi pioneiro no horror e na violência estilizada estão tanto nos corpos de samurais esfaqueados tremendo na agonia da dor da morte lenta,quanto na incrível cena final.Um exemplo de perfeccionismo doentio,a cena que mostra o protagonista sendo linchado à flechadas é uma das mortes mais bem dirigidas do cinema,com flechas de verdade sendo disparadas contra Mifune para tornar o seu medo autêntico,à medida que a edição e a sobreposição vão transformando seu corpo em um alvo vivo.

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