sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"Janela Indiscreta"(1954) - Alfred Hitchcock



"Janela Indiscreta" foi a primeira e única vez em que Hitchcock pega um cenário e o transforma num ecossistema vivo e pulsante presenciado por nós numa posição voyeurística.Já mostrando ser mestre em ambientação única como em "Lifeboat"(1944) ,"Rope"(1949) e o anterior "Disque M Para Matar"(1954),a diferença de "Janela Indiscreta" é que a ambientação se divide em duas: o apartamento de Jeffrie e as janelas dos outros apartamentos que ficam em oposição ao seu.Jeffrie é um fotógrafo jornalístico aventureiro que se encontra agonizando com a perna quebrada,e se distrai espiando os vizinhos com seu grande e conveniente aparato de câmeras e lunetas.É quando pensa ter visto um crime numa dessas janelas que a dúvida da verdade entra em contraste com a ilusão do ócio e com a angústia da incapacidade móvel de sua condição física.Numa época em que as distrações domésticas não eram tantas como no mundo atual,Jeffrie tem apenas sua enfermeira,sua namorada,um incrédulo amigo detetive e os barulhos da cidade nevralgica que pulsa lá fora,o colocando como apenas uma formiga entre tantas no formigueiro da metrópole moderna.

"Janela Indiscreta" tambêm é uma prévia de seus filmes mais psicologicamente profundos que ele faria posteriormente,mas ainda aliados aos seus costumeiros estudos de relacionamento.Grace Kelly era o objeto de desejo sexual máximo do diretor,que coloca closes excitantes no rosto da personagem Lisa Fremont, representante da mulher moderna,cosmopolita e independente;protótipo do feminismo.O casamento tantas vezes ironizado por Hitchcock,é a primeira angústia de Jeffrie,que encontra na cadeira de rodas não só o obstaculo para por fim ao perigo de suas dúvidas,como para fugir das algemas matriarcais.
Jeffrie é um homem de aventuras,de nomadismo;Lisa é uma dondoca que escreve para colunas sociais e cada dia está com um vestido novo.Esses opostos românticos são constantemente postos em jogo pelo diretor ao mesmo tempo que uma nova pista surge para trazer barulho novamente à trama.O humor também usual nos filmes de Hitchcock está muito mais nas frases sinceras da enfermeira Stella(Thelma Ritter,uma das melhores coadjuvantes da época),do que nas birras do casal,dando uma seriedade muito mais profunda para um relacionamento tão díspare,além de aprofundar psicologicamente o personagem de Kelly.

Mas para entendermos a verdadeira genialidade do filme não devemos nos ater ao suspense e aos recursos visuais para criar climas de tensão.O suspense,o crime,e a resolução deste,acabam sendo apenas uma ferramenta para o desenvolvimento dos personagens entre si e maneira visionária com que o diretor aprofundou personagens que não falam,não se aproximam,não saem da mesma janela,e nem sabem que estão sendo espiados pela lente de Jeffrie.Personagens como a viúva solitária e suas desventuras amorosas,os namorados da dançarina,o pianista com bloqueio de criatividade,os recém-casados(casamento de novo) e o vendedor Lars Thorwald(Raymond Burr),que supostamente esquartejou sua inválida esposa.Ao final do filme todos esses personagens conseguem uma familiarização satisfatória com o espectador,através apenas de planos distantes,som ambiente,e com o diretor dirigindo seus atores de longe.A simbiose do ponto de vista de Jeffrie com o nosso é uma tradução simbólica da raiz cinematográfica de ser o olho humano expandido,presenciando o pulso do ritmo da cidade em um set de estúdio.


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