sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"Psicose"(1960) - Alfred Hitchcock



Que sorte que Hitchcock teve quando Robert Bloch publicou "Psicose" em 1959.Apaixonado pelo enredo que condizia muito com seus filmes psicológicos como "Janela Indiscreta","O Homem Errado" e "Um Corpo Que Cai",Hitchcock teria que driblar os produtores para que financiassem uma trama tão suja e perversa.Com o mesmo esqueleto autoral de "Um Corpo Que Cai", a primeira metade da trama seria um macguffin para que personagens aparentemente importantes fossem descartados para um novo desenvolvimento onde um caminho de intenso poder psicológico começa a ser desvendado.Ao invés do trauma e obsessão  de James Stewart,temos a psicótica insanidade de Norman Bates(Anthony Perkins,simplesmente o cara perfeito pro personagem),ou da influencia da mãe,constante nos filmes do diretor,que aqui atinge um ápice alucinante.
A reviravolta final que o livro propunha chegava à superar a revelação de Judy Barton em "Um Corpo Que Cai",fazendo com que todas as edições  fossem compradas pelo diretor.Um esquema de marketing mostrava um Hitchcock exigindo que as pessoas assistissem o filme desde o começo.Afinal,no auge de sua popularidade,com um programa de tevê,com o sucesso de "Intriga Internacional que foi quase sua Capela Sistina,Hitchcock tinha um alcance tremendo diante do público,que fez filas para assistir o filme.

O que faz "Psicose" ser tão bom nem é o sucesso de publico,a trama mirabolante,o final-surpresa,ou unicamente a cena do chuveiro."Psicose" foi a prova da contemporaneidade do diretor,que vinha como um pioneiro do cinema mudo.Já era grande nos 30,nos 40,nos 50,com grandes filmes em cada década.Em 1960,abrindo a década da libertação e da nouvelle vague,Hitchcock mostra o quanto ele pode usar de sua técnica para abusar da idéia de cinema autoral que estava sendo difundido pelos franceses,entrando em sintonia com cineastas modernos europeus,ou filmes como "A Marca da Maldade" de Orson Welles.Cansado de imitadores que se difundiam cada vez mais,os filmes da década de 60 do mestre abririam uma nova etapa na história da arte do cinema.E ainda pra calhar,colhendo toda a libertação que a década clamava,usa da violência,perversão sexual e psicopatia mental,que abririam a porta não só para o slasher,como para qualquer filme que tivesse como temática o lado obscuro porém real que a  mente humana pode alcançar, como foi em "Os Passaros" e "Marnie",posteriormente.

Assim como a vertigem em "Um Corpo Que Cai",a psicose humana é usada como um leitmotif tanto pros pululantes gráficos pulps de Saul Bass,quanto pras facas de cordas da trilha sonora de Bernard Hermann,talvez a maior  e a mais copiada do cinema.Os storyboards do próprio Saul Bass já não são mais para uma fuga espetacular,mas para assassínios crus e verossímeis,como a cena do chuveiro onde a edição distribui 50 cortes em 3 minutos descambando na sensacional transição do ralo ensanguentado para o olho de Marion Crane(Janet Leigh).

Outro brilhantismo que é importante destacar é o aspecto de filme b que o filme propositalmente abarca para si, aumentando ainda mais  a sensação  de perversidade sexual e de paranóia kafkiana.Produzido de forma independente pelo diretor,numa ótima demonstração de teimosia artística, o preto e branco acaba sendo um recurso de atmosfera opressora alem de favorecer o sangue,amenizando o gore.
Filmado com a cara de um episódio do "Alfred Hitchcock Presents" transformado em filme,os recursos visuais jogam constantemente com o espectador.Os enquadramentos constroem a atmosfera de uma forma tão aproximada com seus personagens como ele não tinha feito antes: na abordagem do policial, na conversa de Marion com Norman,na garganta ansiosa de Norman comendo amendoim sendo interrogado provocativamente pelo detetive Arbogast,a chuva caindo no para-brisa do carro enquanto os olhos de Janet Leigh vão se tornando cada vez mais perversos,...Os movimentos de câmera que falam por si mesmos mostrando aquilo que só nós percebemos e que vale a vida do personagem,se virando em movimentos inusitados para mostrar o ponto de vista de um crime sem que nada seja revelado.
Não é a toa que seja o filme mais reverenciado pelo giallo italiano,porque "Psicose " tem o clima de livrinho de mistério amarelado transformado em arte cinemática,com Hitchcock entrando na era dos auteurs reconhecidos intelectualmente e do rock'n roll,mostrando seu ponto de vista da psicótica sarjeta humana.

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