quarta-feira, 5 de setembro de 2012

"Ran"(1985) - Akira Kurosawa



Considerado o último grande épico de Kurosawa,"Ran" acumula todas as suas melhores qualidades temático-visuais para converter Shakespeare mais uma vez num banho de sangue,traição e loucura.Destruindo a família em prol da ambição de poder,o "Rei Lear" japonês é um poema violento sobre a obscuridade da alma humana.Sem qualquer resquício de esperança,comum à seus outros filmes,o pessimismo infernal e o retrato do caos da guerra percorre cada frame de seu perfeccionismo.

Junto com a peça do bardo inglês,Kurosawa se utiliza da lenda das 3 flechas,em que o Imperador Mori Motonari manda cada um dos três filhos tentarem quebrar três flechas de uma vez.Mostrando que o feito é impossível,a lenda metaforiza o poder da união acima do egoísmo.
Acontece que um dos filhos do Rei Hidetora do filme,consegue quebrar as três flechas,invalidando a lição da lenda para estupefação do pai e prevendo o fratricídio decorrente da decisão negligente do velho de dividir o reino entre eles antes da morte.

A facilidade que o homem tem em tirar a vida do semelhante ou ser manipulado sexualmente por uma mulher são pintadas em cenas de sensualidade estilística,com batalhas e carnificinas excelentemente orquestradas,em planos abertos de loucura perpetrada,no poder da violência realística e dramática como é típico da mise-en-scene do diretor.O massacre no castelo é uma obra-prima à parte...numa total entrega aos seus projetos,"Ran" veio de 10 anos de storyboards meticulosamente desenhados em forma de pinturas.

Num momento difícil para o diretor,de decadência de público e constante luta por financiamento,seus filmes eram minguados se comparado com a proliferação de obras influentes e magistrais na década de 50.Abertamente,Kurosawa se espelha em Hidetora como a velha geração que ingenuamente põe uma fé na juventude,sem perceber o quanto a confiança no desenrolar dos tempos pode se tornar perigosa.Hidetora é o traído,o velho alucinado,destacado em cores fortes no meio de seu exílio forçado,com seu coração de pai traído,acompanhado pelo bobo-da-corte(interpretado por Peter,andrógino star de j-pop).
Tatsuya Nakadai como Hidetora supera qualquer limite expressionista,com uma embasbacante performance derivativa do teatro Noh,atuando como um espantalho cambaleante de desespero.


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