quarta-feira, 5 de setembro de 2012

"Viver"(1952) - Akira Kurosawa



Viver é um dos filmes mais belos,humanos e sensíveis à retratar a 3º idade.Não do ponto de vista da relação familiar como em Ozu,ou social como em "Umberto D" de DeSica.Mas do ponto de vista de quem se vê na beira da morte e decide expiar todo o seu egoísmo numa epifania de carinho.A história do velho burocrata que ao descobrir que tem câncer decide ajudar uma comunidade a construir uma praça pública para as crianças,chega a ser um dos trabalhos mais fodas de Kurosawa...de fazer chorar.

O filme é basicamente dividido em duas partes.A primeira sendo quando Kenji descobre ter câncer e decide compartilhar isso com o filho,que mesmo morando na mesma casa, pôs ele de lado para viver um casamento.Não conseguindo se comunicar,uma série de flashbacks contam como ele teve que viver com o filho entre decepções e acertos depois da morte de sua mulher.
Bebendo num boteco,ele se confessa com um escritor boêmio que o leva para uma noitada sensacional.Aí Kurosawa perde as estribeiras,editando a turnê noturna como se fosse uma odisséia chapada.Pode ser exagero meu,mas Kuroswa era o Orson Welles japonês.Extraia de cada sequencia um estilo,com a fotografia de uma tonalidade noir absolutamente ocidental.Em meio a trombetas,danças,prostitutas,striptease e muita bebida...
É num karaokê liderado por um pianista gordinho alucinado tocando rock'n roll - essa sede pelo leste no cinema de Kurosawa causou muito preconceito no Japão -,que Kenji canta a pungente canção "Gondola no Uta" deixando a ficha cair novamente.No final da noite todos param para assistir o velhinho entoando sua elegia.

A atuação de Takashi Shimura não é menos que sensacional,sendo que toda a angústia e devastação é passada de verdade do personagem para nós,através dos seus olhos sofridos e do seu jeito arrastado.Um dos meus atores preferidos,sem aquele rótulo de "ator japonês" como se tivesse um modo de separar a arte feita pelo ser humano em dois pólos.
Kenji era um funcionario estóico,daqueles que não faltavam ao serviço um dia.A cuidadosa direção de arte retrata de forma sufocante as mesas cheias de carimbos,pasta e papéis.Quando começa a criar uma amizade com uma funcionaria novinha que ele sempre ignorou e a faltar ao serviço devido a doença que ele mantém em segredo, todos começam a suspeitar do seu comportamento.Ainda mais quando ele decide fazer de tudo para poder construir a tal praça,enfrentando heroicamente toda a burocracia que o circundava,inclusive mafiosos.

A segunda parte se desenrola no velório,onde todos os seus colegas de trabalho e seu filho estão reunidos tentando adivinhar o que realmente tinha conhecido...se Kenji já sabia que realmente ia morrer.
À medida que vão bebendo e bebendo,uma série de silogismos,aparições e lembranças  vão lhes causando uma influência ao ponto de chegarem a conclusão de que Kenji é um exemplo a ser seguido nas suas vidas.Mas não pára por aí...a grande questão que fica é : Até que ponto é necessario a morte vir nos chamar para que,com a epifania da nossa consciência ,percebamos que a sociedade na verdade é muito mais que enganação burocrática?...e poder viver cada minuto como se fosse o último.A acomodação egoísta da sociedade moderna tomou um cutucaço de Kurosawa nesse filme,acompanhado de uma grande lição espiritual.

 Simplesmente não tem como não se emocionar com Takashi Shimura sentado no balanço da praça, cantarolando,vendo o seu último pedido realizado.

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